O cardeal Robert Sarah: contra o Papa e o Vaticano II
Os líderes do movimento católico conservador de oposição ao Papa
Francisco subiram mais um degrau em sua escalada: o cardeal Robert
Sarah, nada menos que o prefeito da Congregação do Culto Divino,
responsável pela liturgia na Igreja, atacou abertamente o Concílio
Vaticano II. Para ele, o rito da missa estabelecido pelo Vaticano II,
que retomou os aspectos centrais das celebrações do primeiro século do
cristianismo, seria responsável por “desastres, devastações e guerras”.
O concílio, realizado entre 1962 e 1965, renovou a Igreja Católica,
que estava estagnado no século XIX (e anteriores) quando o século XX já
ia para além da metade. Mais de 2 mil padres conciliares convocados por
João XXIII reuniram-se em Roma e buscaram romper com os paradigmas de
fechamento, apego à riqueza, insensibilidade ao sofrimento e organização
monárquica que marcavam a Igreja desde então. Ainda durante os
trabalhos do Concílio, os hierarcas encastelados na Cúria romana,
iniciaram o trabalho de demolição de suas decisões, e tiveram enorme
espaço durante os papados de João Paulo II e Bento XVI.
O cardeal ganense Sarah é um dos principais líderes da campanha
contra Francisco, ao lado do estadunidense Raymond Burke. Em a carta uma
conferência litúrgica que advoga a restauração da missa tridentina
(rezada em latim e com o padre de costas para as pessoas), o prefeito
do Culto Divino com que “rasgou a fantasia” e investiu contra o rito da
missa: “não podemos fechar os olhos aos desastres, devastações e guerras
que os promotores modernos de uma liturgia viva causaram ao remodelar a
liturgia da Igreja de acordo com suas ideias”.
A atacar os 2 mil padres conciliares, o cardeal restauracionista
mantém a perspectiva de seus aliados, que consideram “tradição” na
Igreja tudo o que foi feito no segundo milênio do cristianismo,
especialmente as decisões do Concílio de Trento (1545/1563), ignorando a
tradição oriunda das primeiras comunidades cristãs, deturpadas ao longo
dos séculos e cuja originalidade do Vaticano II buscou resgatar.
O alvo de Sarah na verdade é o Papa Francisco e um trecho de sua
carta é revelador: “muitos creem e declaram em alto e bom som que o
Concílio Vaticano II ocasionou uma verdadeira primavera na Igreja (…).
Com efeito, um número cada vez maior de líderes eclesiais consideram
esta ‘primavera’ como um rechaço, uma renúncia à sua herança milenar”.
Para ele, há uma “tendência sacrílega” na Igreja depois do Vaticano II.
O uso da expressão “primavera” não foi casual, pois é a palavra
corrente para definir o clima na Igreja com a eleição de Francisco.
Os “contras”, que buscam encontrar uma forma de derrubar um Papa
querido em todo o mundo –exceto por eles e seus aliados- dão agora um
salto no escuro, pois traçam um sinal de igualdade entre Francisco e o
Vaticano II: será uma estratégia eficiente investir contra um homem
identificando-o ao evento que marcou o ingresso da Igreja na
modernidade?
O confronto está cada dia mais agudo.
Mauro Lopes com Religion Digital
Disponível em: http://outraspalavras.net/maurolopes/2017/04/05/cardeal-contra-da-curia-romana-ataca-o-vaticano-ii/
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