Sob a ficção oficial de que não há homossexuais no Oriente Médio, LGBTs
muçulmanos se preocupam mais com as atitudes de familiares e da
sociedade do que com a patrulha do governo.
Traduzido do artigo de Brian Whitaker para o jornal The Guardian
Quando a Suprema Corte dos Estados unidos decidiu a favor do
casamento homoafetivo em 2015, a Casa Branca comemorou a decisão com uma
iluminação nas cores do arco-íris em sua fachada, e muitas pessoas celebraram o fato colocando um filtro do arco-íris em suas fotos do Facebook.
Mas para as autoridades da Arábia Saudita isso foi causa de
preocupação, não de celebração, algo que alertou para um perigo entre
eles que até então havia passado desapercebido. A primeira baixa foi a
escola particular Talaee Al-Noor, em Riyadh, que por acaso tinha a sacada de sua cobertura pintada com faixas nas cores do arco-íris.
Segundo a polícia religiosa do país, a escola recebeu uma multa de 100
mil riyals (R$ 83.250,00) por exibir o “emblema dos homossexuais” em seu
prédio. Um de seus administradores foi preso, e a sacada foi
rapidamente repintada com a cor de um céu azul sem arco-íris.
O episódio da escola pintada com as cores LGBT demonstra como o
progresso em uma parte do mundo pode ter efeitos adversos em outros
lugares, e serve para lembrar que há lugares onde a conexão entre
arco-íris e os direitos LGBT são algo novo, ou algo ainda desconhecido.
No Afeganistão, há poucos anos, a moda era decorar os carros com adesivos de arco-íris
– vendidos alegremente por fornecedores chineses. Depois que a agência
de notícias afegã Pajhwok explicou como eles poderiam ser interpretados
erroneamente, a onda abruptamente chegou ao fim.
Quem fizer uma busca na internet poderá encontrar cópias do Qu’ran Arco-íris
à venda – uma edição inconscientemente gay do livro sagrado, com
páginas tingidas em todas as cores, recomendada em um website como “um
presente ideal para muçulmanos”.
Essa falta de compreensão cultural é uma faca de dois gumes. Turistas
ocidentais que visitam o Egito muitas vezes estranham a visão de dois
homens – até mesmo soldados fardados – andando de mãos dadas nas ruas.
No Líbano é comum encontrar homens que passam horas se arrumando e, no
Afeganistão, guerreiros que usam maquiagem nos olhos.
Lá, esses gestos não têm o significado que têm para nós, e também não
chegam a ser algo surpreendente. A segregação de gênero, algo levado a
extremos nos países muçulmanos mais conservadores, encoraja o
comportamento homossocial, o que cria uma situação em que homens muitas
vezes sentem-se mais confortáveis na presença de outros homens. Colocar a
mão no joelho de outro homem é um sinal de amizade, não um convite para
se fazer sexo. Eles também se abraçam e se beijam muito – e, de acordo
com um ex-dirigente do comitê de fatwa em Al-Azhar no Egito, não há nada de errado em dois homens se beijarem desde que não haja “possibilidade de tentação”.
A sociedade muçulmana ainda é, em sua grande maioria, patriarcal ao
extremo. O patriarcado, por sua própria natureza, exalta a
masculinidade. Também não se vê pecado nenhum em apreciar a beleza
masculina.
Mas é claro que os relacionamentos homoafetivos nem sempre ficam
apenas no nível platônico. Historicamente, as sociedades muçulmanas
várias vezes reconheceram esse fato – chegando a tolerá-los de certa
forma, na mesma medida em que os reprovavam.
No século 19 e no início do século 20, homens que haviam sido
perseguidos na Europa por sua sexualidade muitas vezes encontravam
refúgio em Marrocos e, muito antes do Ocidente sonhar com o casamento
homoafetivo, parcerias entre dois homens eram reconhecidas – e
oficializadas com uma cerimônia – no distante oásis de Siwa, no Egito.
Em alguns países muçulmanos, há cidades que tornaram-se motivo de
piada por causa da suposta homossexualidade de quem mora lá. Idlib, na
Síria, é uma delas; Qazvin, no Irã, é outra. Há uma piada velha no
Afeganistão que diz que os pássaros voam sobre Kandahar cobrindo a cauda
com uma das asas – por precaução.
Mas não há muita razão para se fazer piada. Hoje, no Irã, lavat
(sodomia) é um crime capital, e pelo qual frequentemente pessoas são
condenadas à morte. Na Arábia Saudita, no Sudão, no Yemen e na
Mauritânia, a sodomia também pode ser punida com a morte – apesar de que
há mais de dez anos não se registra uma execução por esse motivo.
Entre outros países árabes, a pena é de prisão na Algéria, no
Bahrein, no Kuwait, no Líbano, na Líbia, em Marrocos, em Oman, no Qatar,
na Somália, na Tunísia e na Síria – até 10 anos de prisão, no caso do
Bahrein. Em países que não dispõem de leis específicas contra a
homossexualidade, homossexuais ainda podem ser indiciados por outros
crimes. No Egito, por exemplo, costuma-se usar uma lei contra “atentado
ao pudor”.
Essas leis têm efeitos catastróficos sobre as vidas das pessoas que
têm o azar de caírem em suas garras, mas, tirando uma batida policial
aqui e outra lá, as autoridades não têm o hábito de perseguir
homossexuais para prendê-los. Não há muitas estatísticas, mas sem dúvida
o número de prisões é menor que o da onda de prisões homofóbicas que
ocorreu no Reino Unido na década de 1950. Na Inglaterra, em 1952, houve
670 indiciamentos por sodomia, 3.087 por tentativa de sodomia ou
atentado ao pudor, e 1.686 por atentado violento ao pudor.
O problema desse tipo de lei é que, mesmo que não sejam exercidas com
vigor, elas demonstram como o governo desaprova a homossexualidade, o
que, unido aos ataques fulminantes dos estudiosos religiosos, legitima a
discriminação vinda dos cidadãos no cotidiano, e podem servir de
desculpa para ações violentas de justiceiros. Anos antes do Estado
Isâmico começar a atirar homens acusados de serem gays do alto de
prédios, outros grupos no Iraque já estavam atacando homens “afeminados” – chegando a matá-los lentamente ao injetar cola em seus ânus.
Uma razão para que esse número de indiciamentos seja relativamente
pequeno é a ficção oficial de que não há homossexuais em países
muçulmanos; a homossexualidade é considerada um fenômeno em grande parte
ocidental, e um número grande de prisões colocaria isso em dúvida.
Alguns dos regimes árabes mais brutais (como o Iraque sob o comando de
Saddam Hussein, e a Síria sob os Assads, por exemplo) também
demonstraram pouco interessem em perseguir homossexuais – provavelmente
porque tinham mais com o que se preocupar.
Existem, no entanto, momentos de pânico moral e ocasiões quando
convém a um governo jogar a culpa de todos os males do país sobre os
ombros daqueles que são menos capazes de se defenderem. É o que vem
acontecendo nos últimos tempos no Egito governado por Sisi – que
transformou as minorias sexuais em alvos, como registra em detalhes o
blog do ativista Scott Long. Mas os homossexuais não estão sozinhos nisso. O regime também está pondo em prática planos para “erradicar” o ateísmo.
As prisões nos países árabes geralmente acontecem com grupos de
homens durante festas (às vezes descritas como “casamentos” gays) e, às
vezes, em hammams (saunas). Indivíduos ou casais acusados de
praticarem sexo ilegal podem ser presos por várias razões, inclusive
algumas que a princípio não são relacionadas à homossexualidade. Há
casos registrados em que pessoas suspeitas de serem homossexuais foram
presas por policiais que pretendiam extorquir propinas ou transformar os
suspeitos em informantes. Para aqueles que são capturados, o efeito em
suas vidas é catastrófico. Mas a lei não é um grande impedimento, e para
aqueles que vivem sua sexualidade discretamente, o risco de prisão é
pequeno.
Para a maioria das pessoas que se identificam como gays, lésbicas ou
transgênero, a atitude da família e da sociedade são um problema muito
maior.
A principal questão que afeta todos os homossexuais – no mundo todo –
é sair do armário. Para muçulmanos, essa decisão pode ser especialmente
difícil. A pressão para se casar é muito maior nos países muçulmanos
que na maioria dos países ocidentais. Permanecer solteiro costuma ser
sinônimo de desastre social, e assim que os jovens completam seus
estudos, organizar seus casamentos torna-se a prioridade da família. As
famílias mais tradicionais tomam para si a missão de encontrar seus
parceiros; casamentos arranjados ainda são muito comuns.
Para quem não sente atração pelo outro sexo, isso torna-se um grande
problema. Algumas pessoas conseguem empurrar o problema com a barriga
estendendo seus estudos e/ou indo morar no exterior. Alguns cedem à
pressão e aceitam um casamento que não desejam. Outros mais afortunados
encontram um parceiro gay ou lésbica do outro sexo e embarcam num
casamento de mentira. Alguns respiram fundo e decidem sair do armário.
A maneira como as famílias reagem quando uma pessoa declara-se LGBT
depende de vários fatores, dentre eles a classe social e seu nível de
educação. Nos casos mais extremos, a pessoa que saiu do armário é
ostracizada de sua família ou até mesmo agredida fisicamente. Uma reação
menos severa é buscar uma “cura” – seja pela religião ou, em famílias
com boas condições financeiras, por meio de tratamentos psiquiátricos
caros e inúteis.
A culpa é do Islã? Não é bem assim
Depois do massacre de Orlando
– infligido por um homem de ascendência afegã – muito se falou que a
pena de morte para a sodomia ainda vigente em vários países é
justificada com base na lei islâmica. Mas culpar esse tipo de legislação
apenas no Islã é simplificar demais as coisas. No Egito e no Líbano –
países predominantemente muçulmanos com grandes populações cristãs – as
atitudes com relação à homossexualidade entre os cristãos não são muito
diferentes.
Além disso, está claro que o profeta Muhammad nunca especificou uma
punição para a homossexualidade; não foi até alguns anos depois de sua
morte que os muçulmanos começaram a discutir qual deveria ser uma
punição apropriada para esse comportamento.
As condenações muçulmanas da homossexualidade, assim como as do
cristianismo, baseiam-se principalmente na história de como Deus
castigou Sodoma e Gomorra, presente no Qur’an e no Antigo Testamento. Em sua essência, as versões da Biblia e do Qur’an são bastante parecidas.
A diferença é que, nos últimos 60 anos, vários cristãos passaram a
reavaliar essa história e concluíram que ela trata da tentativa de
estuprar homens e dos maus tratos a desconhecidos, não do sexo
consentido entre dois homens. Até agora, no entanto, poucos foram os muçulmanos que se mostraram dispostos a reconsiderá-la.
A principal questão aqui é que, apesar das palavras da escritura
serem fixas e imutáveis, elas sempre estão sujeitas à interpretação
humana, e as interpretações podem variar de acordo com a época, o lugar e
as condições sociais. Isso, é claro, é algo que os fundamentalistas,
sejam eles islâmicos ou cristãos, preferem negar.
As sociedades muçulmanas de hoje podem ser em geral consideradas
homofóbicas, mas é um erro encarar a homofobia como um problema contido
em si mesmo; ela é parte de uma síndrome em que os direitos dos
indivíduos tornam-se subordinados ao que se considera serem os
interesses da comunidade e – muitas vezes – à necessidade de se manter
um caráter “islâmico”. O resultado é que a sociedade dá muito valor à
conformidade, e expressões de individualidade são mal vistas; há muita
ênfase em se manter as “normas” sociais e manter-se as aparências – pelo
menos em público, se não no âmbito privado. O sistema patriarcal também
tem um papel importante nisso, ao definir papéis distintos para homens e
mulheres. Gays, principalmente aqueles que demonstram características
femininas, são portanto vistos como desafios à ordem social.
Homens “masculinos” que fazem sexo com outros homens são uma questão
um pouco diferente. As leis civis e as leis tradicionais islâmicas
consideram que tanto o penetrador como o penetrado no sexo anal são
igualmente culpados, mas as opiniões populares costumam ser menos hostis
com relação ao penetrador: ele ainda é homem, fazendo apenas aquilo que
os homens sempre fazem, mesmo que não seja com uma mulher. O parceiro
receptivo (ou passivo), por sua vez, é visto com aversão. Ele está se
comportando como uma mulher, e presume-se que ele não há a possibilidade
de que ele esteja fazendo isso por prazer, portanto certamente ele está
se prostituindo.
Enquanto isso, as atividades lésbicas passam desapercebidas –
provavelmente porque, numa sociedade dominada pelo masculino, os homens
não lhes dão muita atenção ou não consideram isso como algo digno de
nota.
Como o Oriente Médio entende o espectro de gênero
As ideias tradicionais sobre os papeis de gênero causam problemas
principalmente para pessoas transgênero, especialmente em lugares onde a
segregação dos sexos é mantida com mais afinco, e vestir-se com trajes
do outro gênero é crime.
Em 2007, sob pressão de membros islâmicos do parlamento, o Kuwait
adicionou a seu código penal um artigo que ditava que qualquer pessoa
que “imitasse o sexo oposto de qualquer maneira” estaria sujeito a um
ano de prisão e/ou uma multa de mil dinares (R$ 10.600,00). Em poucas
semanas pelo menos 14 pessoas foram presas por causa do novo crime.
Como não há qualquer mecanismo na lei do Kuwait que permita registrar
a mudança de sexo, até mesmo pessoas trans que realizaram a cirurgia de
adequação de sexo correm o risco de serem presas por vestirem-se com
trajes do outro sexo.
“Transgênero” é um termo amplo que é utilizado tanto para pessoas
intersexo (que não têm o sexo biológico claramente definido ao
nascimento, ou que foi apontado erroneamente ao nascer), pessoas com
disforia de gênero (aqueles que sentem-se como um “homem aprisionado no
corpo de uma mulher” ou vice-versa) e até outras pessoas que
simplesmente sentem prazer ou satisfação ao vestirem trajes tipicamente
associados ao outro gênero.
Acontece que o Islã tem casos históricos nessa área que abrem
concessões em alguns casos, mas não em outros. Registros feitos durante a
vida do Profeta mostram que Ele tinha conhecimento de três tipos de
diversidade de gênero além do binarismo homem-mulher.
Havia os eunucos (homens castrados) e mukhannathun (homens
afeminados), para quem as regras de segregação de gênero não se
aplicavam: eles tinham acesso permitido aos aposentos das mulheres,
porque, supostamente, considerava-se que não havia risco de má-conduta
sexual.
Os eunucos muitas vezes adquiriam posições influentes na administração de lares muçulmanos abastados. Os mukhannathun
eram menos respeitáveis, vistos como frívolos e indolentes, mas
aparentemente eram em grande parte tolerados durante os primeiros anos
do Islã. Ao que tudo indica, não eram associados com a homossexualidade
durante a vida do Profeta, mas passaram a sê-lo posteriormente.
Um terceiro tipo – os khuntha, que hoje seriam chamados de intersexo – mostravam-se teologicamente mais complexos. Uma afirmação presente no Qur’an de que Deus “criou tudo aos pares” serve
de base para uma doutrina islâmica de que todos são ou homens ou
mulheres – não há nada intermediário. A questão que isso gerava era o
que fazer com crianças que nasciam com genitália ambígua já que, de
acordo com essa doutrina, elas não poderiam ter gênero neutro.
A solução encontrada pelos juristas islâmicos foi concluir que essas
crianças certamente possuíam um sexo “oculto” subjacente que deveria ser
descoberto. O problema era como descobri-lo, e os juristas desenvolveram regras bastante elaboradas
de como fazê-lo. Com relação a isso, uma observação atribuída ao
Profeta sobre a urina e como as leis de herança diferiam entre homens e
mulheres provaram-se especialmente úteis. Consta que ele teria dito que a
herança é definida pelo “lugar em que se urina” (mabal em Árabe). A partir disso, al-Sarakhsi, estudioso hanafi do século 11, explicou que a pessoa que urinava “do mabal dos homens” deveria ser considerada um homem e a que urinava “do mabal das mulheres” deveria ser mulher.
A importância dessas leis para os dias de hoje é que elas oferecem
uma dispensa islâmica para a cirurgia de adequação de sexo – desde que o
propósito da cirurgia seja descobrir o sexo “oculto” da pessoa. A
partir desse princípio, realizam-se cirurgias em países muçulmanos
sunitas, dentre eles a Arábia Saudita e o Egito.
Essas regras podem facilmente justificar a cirurgia em casos de
pessoas intersexo, mas é mais difícil aplicá-las à disforia de gênero.
Uma controvérsia no Egito aconteceu nos anos 1980, quando um estudante
de 19 anos foi diagnosticado com disforia de gênero (ou “hermafroditismo
psicológico”, como afirmaram os médicos da época) submeteu-se à
cirurgia para mudança de sexo de homem para mulher.
O caso tornou-se público quando a Universidade Al-Azhar recusou-se a
readmiti-la nem como homem nem como mulher. Havia também muitas pessoas
com dificuldade para compreender o conceito de disforia de gênero, e até
quem a caracterizasse como um gay que estava tentando trapacear.
O caso resultou numa fatwa de Muhammad Tantawi, o grão-mufti
do Egito, que até hoje é citada em casos por toda a região. De acordo
com a ortodoxia islâmica, Tantawi afirmou que a cirurgia era permitida
“com o propósito de se revelar os órgãos masculinos ou femininos
ocultos”, mas completou que a cirurgia não era permitida “por mero
desejo de se mudar o sexo de mulher para homem, ou vice-versa”.
Basicamente, isso em nada resolveu a questão da cirurgia para
disforia de gênero, e permite que tanto quem apoia como quem se opõe a
ela interpretem a fatwa como desejam. Na prática, no entanto,
obter a cirurgia não é o maior obstáculo – quem tem dinheiro costuma ir
ao exterior. Obter a aceitação social e reconhecimento oficial de uma
mudança de sexo posteriormente pode ser mais difícil.
Teologicamente, o Irã xiita parece ter menos problemas com relação à
disforia de gênero que os estados árabes sunitas. Várias vezes já se
afirmou que hoje em dia realiza-se mais cirurgias de redesignação de
sexo no Irã que em qualquer outro país, com exceção da Tailândia.
À primeira vista esse viés iraniano pode parecer espantosamente
liberal, mas ele tem seu lado negro. Uma das principais preocupações é
que pessoas são pressionadas a realizarem cirurgias que não desejam de
verdade. Há muitas pessoas trans que simplesmente querem ser aceitas
como são – sem cirurgia – e o sistema iraniano não prevê essa
possibilidade.
Além disso, a diferença entre homossexual e transgênero não é bem
compreendida no Irã, mesmo entre os médicos, e há casos de gays que
foram pressionados para submeterem-se à cirurgia para que
“regularizassem” sua posição legal e evitassem o risco de serem
executados.
O trabalho incansável dos ativistas
O ativismo organizado em prol dos direitos LGBT começou a se
desenvolver no Oriente Médio no início dos anos 2000. Em 2002 um grupo
de mulheres palestinas formou o Aswat (“Vozes”), ao qual uniu-se
posteriormente outro grupo palestino, al-Qaws (“O Arco-Íris”). Ambos têm
base em Israel, mas possuem conexões nos territórios palestinos. Em
2004 um grupo de ativistas libaneses fundou o Helem – a primeira
organização LGBT a atuar abertamente em um país árabe.
Esses não são os únicos grupos de ativistas. Outros brotaram em
vários lugares – e, frequentemente, desaparecem rapidamente. Também há
websites e blogs LGBT árabes que, mais uma vez, surgem e desaparecem. My
Kali, uma revista jordaniana que pretende “enfrentar a homofobia e a
transfobia e empoderar os jovens para que desafiem os binarismos de
gênero predominantes no mundo árabe” é publicada regularmente desde
2007.
Até agora, ninguém tentou realizar uma parada do orgulho LGBT em um
país Árabe, mas há paradas em Istambul, na Turquia, desde 2003 (sempre sujeitas a oposição).
Já houve atividades no Líbano e em outros países, no entanto, ligadas
ao Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia, consideradas
menos suscetíveis a hostilidades.
Organizações não-governamentais que atuam em países árabes costumam
enfrentar restrições governamentais, e aqueles que batalham por direitos
LGBT encaram ainda o problema do estigma social. Alguns grupos,
portanto, tratam a questão de maneira mais oblíqua, ao, por exemplo,
chamar a atenção para questões de saúde sexual e prevenção do HIV, ou
fazendo campanhas por “direitos pessoais” em geral.
O surgimento das mídias sociais também abriu espaço para um tipo de
ativismo mais informal, que demonstrou ser bem-sucedido em alguns casos
recentemente.
Um deles aconteceu em 2014, quando a polícia e um canal de TV atuaram
em conjunto em uma batida em uma sauna no Cairo. Ao invés de obter
elogios por expor “o segredo por trás da disseminação da Aids no Egito”,
o apresentador do programa foi amplamente condenado e posteriormente teve que lidar com problemas legais.
No que se refere à religião, a visão da homossexualidade predominante
no Islã foi desafiada aqui e ali, mas ainda não em uma escala capaz de
fazer muita diferença. Há um punhado de mesquitas gay-friendly e
poucos imãs abertamente gays – como Muhsin Hendricks, na África do Sul,
Daayiee Abdullah nos Estados Unidos, e Ludovic-Mohamed Zahed, imã
franco-algeriano.
É notável que eles são muçulmanos da diáspora, mas é na diáspora que o
Islã é obrigado a confrontar a realidade – não nos países onde está
protegido e goza de privilégios.
Um exemplo disso aconteceu no Reino Unido em 2007 quanto aos
Regulamentos quanto a Orientação Sexual – uma medida que tinha como
principal objetivo evitar a discriminação de LGBTs em estabelecimentos
comerciais. O Conselho Muçulmano do Reino Unido relutantemente
posicionou-se em favor da lei ao lado de ativistas dos direitos LGBT, já
que os muçulmanos britânicos também vivem sob o risco de discriminação.
Esses são pequenos avanços, mas 15 anos atrás nada disso estava
acontecendo. Eles ainda não conseguiram resultados palpáveis quanto a
fazer com que governos mudem suas leis, e nesse ponto ainda há,
obviamente, muito caminho pela frente.
Mas, se há uma coisa que esses avanços conseguiram, foi fazer com que
seja muito difícil afirmar que não há muçulmanos LGBT. Eles conseguiram
um nível de visibilidade que, mesmo limitado, tem grande importância,
pois a visibilidade é o primeiro passo rumo a se conseguir direitos, e
sem ela não há esperança de que isso aconteça.
Disponível em: http://ladobi.uol.com.br/2017/03/muculmanos-lgbt-isla/
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