sexta-feira, 31 de março de 2017

COMO É A VIDA DE LGBTS EM PAÍSES MUÇULMANOS

Sob a ficção oficial de que não há homossexuais no Oriente Médio, LGBTs muçulmanos se preocupam mais com as atitudes de familiares e da sociedade do que com a patrulha do governo.

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Traduzido do artigo de Brian Whitaker para o jornal The Guardian


Quando a Suprema Corte dos Estados unidos decidiu a favor do casamento homoafetivo em 2015, a Casa Branca comemorou a decisão com uma iluminação nas cores do arco-íris em sua fachada, e muitas pessoas celebraram o fato colocando um filtro do arco-íris em suas fotos do Facebook.
Mas para as autoridades da Arábia Saudita isso foi causa de preocupação, não de celebração, algo que alertou para um perigo entre eles que até então havia passado desapercebido. A primeira baixa foi a escola particular Talaee Al-Noor, em Riyadh, que por acaso tinha a sacada de sua cobertura pintada com faixas nas cores do arco-íris. Segundo a polícia religiosa do país, a escola recebeu uma multa de 100 mil riyals (R$ 83.250,00) por exibir o “emblema dos homossexuais” em seu prédio. Um de seus administradores foi preso, e a sacada foi rapidamente repintada com a cor de um céu azul sem arco-íris.
O episódio da escola pintada com as cores LGBT demonstra como o progresso em uma parte do mundo pode ter efeitos adversos em outros lugares, e serve para lembrar que há lugares onde a conexão entre arco-íris e os direitos LGBT são algo novo, ou algo ainda desconhecido.
No Afeganistão, há poucos anos, a moda era decorar os carros com adesivos de arco-íris – vendidos alegremente por fornecedores chineses. Depois que a agência de notícias afegã Pajhwok explicou como eles poderiam ser interpretados erroneamente, a onda abruptamente chegou ao fim.
Quem fizer uma busca na internet poderá encontrar cópias do Qu’ran Arco-íris à venda – uma edição inconscientemente gay do livro sagrado, com páginas tingidas em todas as cores, recomendada em um website como “um presente ideal para muçulmanos”.
Essa falta de compreensão cultural é uma faca de dois gumes. Turistas ocidentais que visitam o Egito muitas vezes estranham a visão de dois homens – até mesmo soldados fardados – andando de mãos dadas nas ruas. No Líbano é comum encontrar homens que passam horas se arrumando e, no Afeganistão, guerreiros que usam maquiagem nos olhos.
Lá, esses gestos não têm o significado que têm para nós, e também não chegam a ser algo surpreendente. A segregação de gênero, algo levado a extremos nos países muçulmanos mais conservadores, encoraja o comportamento homossocial, o que cria uma situação em que homens muitas vezes sentem-se mais confortáveis na presença de outros homens. Colocar a mão no joelho de outro homem é um sinal de amizade, não um convite para se fazer sexo. Eles também se abraçam e se beijam muito – e, de acordo com um ex-dirigente do comitê de fatwa em Al-Azhar no Egito, não há nada de errado em dois homens se beijarem desde que não haja “possibilidade de tentação”.


Ativistas marroquinos fazem vigília em Rabat em homenagem às vítimas do tiroteio na boate gay em Orlando.
Ativistas marroquinos fazem vigília em Rabat em 
homenagem às vítimas do tiroteio na boate gay em Orlando.


A sociedade muçulmana ainda é, em sua grande maioria, patriarcal ao extremo. O patriarcado, por sua própria natureza, exalta a masculinidade. Também não se vê pecado nenhum em apreciar a beleza masculina.
Mas é claro que os relacionamentos homoafetivos nem sempre ficam apenas no nível platônico. Historicamente, as sociedades muçulmanas várias vezes reconheceram esse fato – chegando a tolerá-los de certa forma, na mesma medida em que os reprovavam.
No século 19 e no início do século 20, homens que haviam sido perseguidos na Europa por sua sexualidade muitas vezes encontravam refúgio em Marrocos e, muito antes do Ocidente sonhar com o casamento homoafetivo, parcerias entre dois homens eram reconhecidas – e oficializadas com uma cerimônia – no distante oásis de Siwa, no Egito.
Em alguns países muçulmanos, há cidades que tornaram-se motivo de piada por causa da suposta homossexualidade de quem mora lá. Idlib, na Síria, é uma delas; Qazvin, no Irã, é outra. Há uma piada velha no Afeganistão que diz que os pássaros voam sobre Kandahar cobrindo a cauda com uma das asas – por precaução.
Mas não há muita razão para se fazer piada. Hoje, no Irã, lavat (sodomia) é um crime capital, e pelo qual frequentemente pessoas são condenadas à morte. Na Arábia Saudita, no Sudão, no Yemen e na Mauritânia, a sodomia também pode ser punida com a morte – apesar de que há mais de dez anos não se registra uma execução por esse motivo.
Entre outros países árabes, a pena é de prisão na Algéria, no Bahrein, no Kuwait, no Líbano, na Líbia, em Marrocos, em Oman, no Qatar, na Somália, na Tunísia e na Síria – até 10 anos de prisão, no caso do Bahrein. Em países que não dispõem de leis específicas contra a homossexualidade, homossexuais ainda podem ser indiciados por outros crimes. No Egito, por exemplo, costuma-se usar uma lei contra “atentado ao pudor”.
Essas leis têm efeitos catastróficos sobre as vidas das pessoas que têm o azar de caírem em suas garras, mas, tirando uma batida policial aqui e outra lá, as autoridades não têm o hábito de perseguir homossexuais para prendê-los. Não há muitas estatísticas, mas sem dúvida o número de prisões é menor que o da onda de prisões homofóbicas que ocorreu no Reino Unido na década de 1950. Na Inglaterra, em 1952, houve 670 indiciamentos por sodomia, 3.087 por tentativa de sodomia ou atentado ao pudor, e 1.686 por atentado violento ao pudor.
O problema desse tipo de lei é que, mesmo que não sejam exercidas com vigor, elas demonstram como o governo desaprova a homossexualidade, o que, unido aos ataques fulminantes dos estudiosos religiosos, legitima a discriminação vinda dos cidadãos no cotidiano, e podem servir de desculpa para ações violentas de justiceiros. Anos antes do Estado Isâmico começar a atirar homens acusados de serem gays do alto de prédios, outros grupos no Iraque já estavam atacando homens “afeminados” – chegando a matá-los lentamente ao injetar cola em seus ânus.
Uma razão para que esse número de indiciamentos seja relativamente pequeno é a ficção oficial de que não há homossexuais em países muçulmanos; a homossexualidade é considerada um fenômeno em grande parte ocidental, e um número grande de prisões colocaria isso em dúvida. Alguns dos regimes árabes mais brutais (como o Iraque sob o comando de Saddam Hussein, e a Síria sob os Assads, por exemplo) também demonstraram pouco interessem em perseguir homossexuais – provavelmente porque tinham mais com o que se preocupar.
O refugiado gay Subhi Nahas com a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, durante um encontro informal sobre a perseguição de LGBTs pelo Estado Islâmico.


Existem, no entanto, momentos de pânico moral e ocasiões quando convém a um governo jogar a culpa de todos os males do país sobre os ombros daqueles que são menos capazes de se defenderem. É o que vem acontecendo nos últimos tempos no Egito governado por Sisi – que transformou as minorias sexuais em alvos, como registra em detalhes o blog do ativista Scott Long. Mas os homossexuais não estão sozinhos nisso. O regime também está pondo em prática planos para “erradicar” o ateísmo.
As prisões nos países árabes geralmente acontecem com grupos de homens durante festas (às vezes descritas como “casamentos” gays) e, às vezes, em hammams (saunas). Indivíduos ou casais acusados de praticarem sexo ilegal podem ser presos por várias razões, inclusive algumas que a princípio não são relacionadas à homossexualidade. Há casos registrados em que pessoas suspeitas de serem homossexuais foram presas por policiais que pretendiam extorquir propinas ou transformar os suspeitos em informantes. Para aqueles que são capturados, o efeito em suas vidas é catastrófico. Mas a lei não é um grande impedimento, e para aqueles que vivem sua sexualidade discretamente, o risco de prisão é pequeno.
Para a maioria das pessoas que se identificam como gays, lésbicas ou transgênero, a atitude da família e da sociedade são um problema muito maior.
A principal questão que afeta todos os homossexuais – no mundo todo – é sair do armário. Para muçulmanos, essa decisão pode ser especialmente difícil. A pressão para se casar é muito maior nos países muçulmanos que na maioria dos países ocidentais. Permanecer solteiro costuma ser sinônimo de desastre social, e assim que os jovens completam seus estudos, organizar seus casamentos torna-se a prioridade da família. As famílias mais tradicionais tomam para si a missão de encontrar seus parceiros; casamentos arranjados ainda são muito comuns.
Para quem não sente atração pelo outro sexo, isso torna-se um grande problema. Algumas pessoas conseguem empurrar o problema com a barriga estendendo seus estudos e/ou indo morar no exterior. Alguns cedem à pressão e aceitam um casamento que não desejam. Outros mais afortunados encontram um parceiro gay ou lésbica do outro sexo e embarcam num casamento de mentira. Alguns respiram fundo e decidem sair do armário.
A maneira como as famílias reagem quando uma pessoa declara-se LGBT depende de vários fatores, dentre eles a classe social e seu nível de educação. Nos casos mais extremos, a pessoa que saiu do armário é ostracizada de sua família ou até mesmo agredida fisicamente. Uma reação menos severa é buscar uma “cura” – seja pela religião ou, em famílias com boas condições financeiras, por meio de tratamentos psiquiátricos caros e inúteis.

A culpa é do Islã? Não é bem assim

Depois do massacre de Orlando – infligido por um homem de ascendência afegã – muito se falou que a pena de morte para a sodomia ainda vigente em vários países é justificada com base na lei islâmica. Mas culpar esse tipo de legislação apenas no Islã é simplificar demais as coisas. No Egito e no Líbano – países predominantemente muçulmanos com grandes populações cristãs – as atitudes com relação à homossexualidade entre os cristãos não são muito diferentes.
Além disso, está claro que o profeta Muhammad nunca especificou uma punição para a homossexualidade; não foi até alguns anos depois de sua morte que os muçulmanos começaram a discutir qual deveria ser uma punição apropriada para esse comportamento.
As condenações muçulmanas da homossexualidade, assim como as do cristianismo, baseiam-se principalmente na história de como Deus castigou Sodoma e Gomorra, presente no Qur’an e no Antigo Testamento. Em sua essência, as versões da Biblia e do Qur’an são bastante parecidas.
A diferença é que, nos últimos 60 anos, vários cristãos passaram a reavaliar essa história e concluíram que ela trata da tentativa de estuprar homens e dos maus tratos a desconhecidos, não do sexo consentido entre dois homens. Até agora, no entanto, poucos foram os muçulmanos que se mostraram dispostos a reconsiderá-la.
A principal questão aqui é que, apesar das palavras da escritura serem fixas e imutáveis, elas sempre estão sujeitas à interpretação humana, e as interpretações podem variar de acordo com a época, o lugar e as condições sociais. Isso, é claro, é algo que os fundamentalistas, sejam eles islâmicos ou cristãos, preferem negar.
As sociedades muçulmanas de hoje podem ser em geral consideradas homofóbicas, mas é um erro encarar a homofobia como um problema contido em si mesmo; ela é parte de uma síndrome em que os direitos dos indivíduos tornam-se subordinados ao que se considera serem os interesses da comunidade e – muitas vezes – à necessidade de se manter um caráter “islâmico”. O resultado é que a sociedade dá muito valor à conformidade, e expressões de individualidade são mal vistas; há muita ênfase em se manter as “normas” sociais e manter-se as aparências – pelo menos em público, se não no âmbito privado. O sistema patriarcal também tem um papel importante nisso, ao definir papéis distintos para homens e mulheres. Gays, principalmente aqueles que demonstram características femininas, são portanto vistos como desafios à ordem social.
Homens “masculinos” que fazem sexo com outros homens são uma questão um pouco diferente. As leis civis e as leis tradicionais islâmicas consideram que tanto o penetrador como o penetrado no sexo anal são igualmente culpados, mas as opiniões populares costumam ser menos hostis com relação ao penetrador: ele ainda é homem, fazendo apenas aquilo que os homens sempre fazem, mesmo que não seja com uma mulher. O parceiro receptivo (ou passivo), por sua vez, é visto com aversão. Ele está se comportando como uma mulher, e presume-se que ele não há a possibilidade de que ele esteja fazendo isso por prazer, portanto certamente ele está se prostituindo.
Enquanto isso, as atividades lésbicas passam desapercebidas – provavelmente porque, numa sociedade dominada pelo masculino, os homens não lhes dão muita atenção ou não consideram isso como algo digno de nota.

Como o Oriente Médio entende o espectro de gênero

As ideias tradicionais sobre os papeis de gênero causam problemas principalmente para pessoas transgênero, especialmente em lugares onde a segregação dos sexos é mantida com mais afinco, e vestir-se com trajes do outro gênero é crime.
Em 2007, sob pressão de membros islâmicos do parlamento, o Kuwait adicionou a seu código penal um artigo que ditava que qualquer pessoa que “imitasse o sexo oposto de qualquer maneira” estaria sujeito a um ano de prisão e/ou uma multa de mil dinares (R$ 10.600,00). Em poucas semanas pelo menos 14 pessoas foram presas por causa do novo crime.
Como não há qualquer mecanismo na lei do Kuwait que permita registrar a mudança de sexo, até mesmo pessoas trans que realizaram a cirurgia de adequação de sexo correm o risco de serem presas por vestirem-se com trajes do outro sexo.
“Transgênero” é um termo amplo que é utilizado tanto para pessoas intersexo (que não têm o sexo biológico claramente definido ao nascimento, ou que foi apontado erroneamente ao nascer), pessoas com disforia de gênero (aqueles que sentem-se como um “homem aprisionado no corpo de uma mulher” ou vice-versa) e até outras pessoas que simplesmente sentem prazer ou satisfação ao vestirem trajes tipicamente associados ao outro gênero.
O batalhão de choque ataca ativistas LGBT com canhões 
d’água antes de uma parada do orgulho LGBT no centro
 de Istambul, na Turquia.


Acontece que o Islã tem casos históricos nessa área que abrem concessões em alguns casos, mas não em outros. Registros feitos durante a vida do Profeta mostram que Ele tinha conhecimento de três tipos de diversidade de gênero além do binarismo homem-mulher.
Havia os eunucos (homens castrados) e mukhannathun (homens afeminados), para quem as regras de segregação de gênero não se aplicavam: eles tinham acesso permitido aos aposentos das mulheres, porque, supostamente, considerava-se que não havia risco de má-conduta sexual.
Os eunucos muitas vezes adquiriam posições influentes na administração de lares muçulmanos abastados. Os mukhannathun eram menos respeitáveis, vistos como frívolos e indolentes, mas aparentemente eram em grande parte tolerados durante os primeiros anos do Islã. Ao que tudo indica, não eram associados com a homossexualidade durante a vida do Profeta, mas passaram a sê-lo posteriormente.
Um terceiro tipo – os khuntha, que hoje seriam chamados de intersexo – mostravam-se teologicamente mais complexos. Uma afirmação presente no Qur’an de que Deus “criou tudo aos pares” serve de base para uma doutrina islâmica de que todos são ou homens ou mulheres – não há nada intermediário. A questão que isso gerava era o que fazer com crianças que nasciam com genitália ambígua já que, de acordo com essa doutrina, elas não poderiam ter gênero neutro.
A solução encontrada pelos juristas islâmicos foi concluir que essas crianças certamente possuíam um sexo “oculto” subjacente que deveria ser descoberto. O problema era como descobri-lo, e os juristas desenvolveram regras bastante elaboradas de como fazê-lo. Com relação a isso, uma observação atribuída ao Profeta sobre a urina e como as leis de herança diferiam entre homens e mulheres provaram-se especialmente úteis. Consta que ele teria dito que a herança é definida pelo “lugar em que se urina” (mabal em Árabe). A partir disso, al-Sarakhsi, estudioso hanafi do século 11, explicou que a pessoa que urinava “do mabal dos homens” deveria ser considerada um homem e a que urinava “do mabal das mulheres” deveria ser mulher.
A importância dessas leis para os dias de hoje é que elas oferecem uma dispensa islâmica para a cirurgia de adequação de sexo – desde que o propósito da cirurgia seja descobrir o sexo “oculto” da pessoa. A partir desse princípio, realizam-se cirurgias em países muçulmanos sunitas, dentre eles a Arábia Saudita e o Egito.
Essas regras podem facilmente justificar a cirurgia em casos de pessoas intersexo, mas é mais difícil aplicá-las à disforia de gênero. Uma controvérsia no Egito aconteceu nos anos 1980, quando um estudante de 19 anos foi diagnosticado com disforia de gênero (ou “hermafroditismo psicológico”, como afirmaram os médicos da época) submeteu-se à cirurgia para mudança de sexo de homem para mulher.
O caso tornou-se público quando a Universidade Al-Azhar recusou-se a readmiti-la nem como homem nem como mulher. Havia também muitas pessoas com dificuldade para compreender o conceito de disforia de gênero, e até quem a caracterizasse como um gay que estava tentando trapacear.
O caso resultou numa fatwa de Muhammad Tantawi, o grão-mufti do Egito, que até hoje é citada em casos por toda a região. De acordo com a ortodoxia islâmica, Tantawi afirmou que a cirurgia era permitida “com o propósito de se revelar os órgãos masculinos ou femininos ocultos”, mas completou que a cirurgia não era permitida “por mero desejo de se mudar o sexo de mulher para homem, ou vice-versa”.
Basicamente, isso em nada resolveu a questão da cirurgia para disforia de gênero, e permite que tanto quem apoia como quem se opõe a ela interpretem a fatwa como desejam. Na prática, no entanto, obter a cirurgia não é o maior obstáculo – quem tem dinheiro costuma ir ao exterior. Obter a aceitação social e reconhecimento oficial de uma mudança de sexo posteriormente pode ser mais difícil.
Teologicamente, o Irã xiita parece ter menos problemas com relação à disforia de gênero que os estados árabes sunitas. Várias vezes já se afirmou que hoje em dia realiza-se mais cirurgias de redesignação de sexo no Irã que em qualquer outro país, com exceção da Tailândia.
À primeira vista esse viés iraniano pode parecer espantosamente liberal, mas ele tem seu lado negro. Uma das principais preocupações é que pessoas são pressionadas a realizarem cirurgias que não desejam de verdade. Há muitas pessoas trans que simplesmente querem ser aceitas como são – sem cirurgia – e o sistema iraniano não prevê essa possibilidade.
Além disso, a diferença entre homossexual e transgênero não é bem compreendida no Irã, mesmo entre os médicos, e há casos de gays que foram pressionados para submeterem-se à cirurgia para que “regularizassem” sua posição legal e evitassem o risco de serem executados.

O trabalho incansável dos ativistas

O ativismo organizado em prol dos direitos LGBT começou a se desenvolver no Oriente Médio no início dos anos 2000. Em 2002 um grupo de mulheres palestinas formou o Aswat (“Vozes”), ao qual uniu-se posteriormente outro grupo palestino, al-Qaws (“O Arco-Íris”). Ambos têm base em Israel, mas possuem conexões nos territórios palestinos. Em 2004 um grupo de ativistas libaneses fundou o Helem – a primeira organização LGBT a atuar abertamente em um país árabe.
Esses não são os únicos grupos de ativistas. Outros brotaram em vários lugares – e, frequentemente, desaparecem rapidamente. Também há websites e blogs LGBT árabes que, mais uma vez, surgem e desaparecem. My Kali, uma revista jordaniana que pretende “enfrentar a homofobia e a transfobia e empoderar os jovens para que desafiem os binarismos de gênero predominantes no mundo árabe” é publicada regularmente desde 2007.
Até agora, ninguém tentou realizar uma parada do orgulho LGBT em um país Árabe, mas há paradas em Istambul, na Turquia, desde 2003 (sempre sujeitas a oposição). Já houve atividades no Líbano e em outros países, no entanto, ligadas ao Dia Internacional Contra a Homofobia e a Transfobia, consideradas menos suscetíveis a hostilidades.
Parentes de 26 homens que foram presos numa batida policial televisionadano Cairo, que buscava gays numa sauna pública, comemoram depois de terem sido inocentados pela corte.


Organizações não-governamentais que atuam em países árabes costumam enfrentar restrições governamentais, e aqueles que batalham por direitos LGBT encaram ainda o problema do estigma social. Alguns grupos, portanto, tratam a questão de maneira mais oblíqua, ao, por exemplo, chamar a atenção para questões de saúde sexual e prevenção do HIV, ou fazendo campanhas por “direitos pessoais” em geral.
O surgimento das mídias sociais também abriu espaço para um tipo de ativismo mais informal, que demonstrou ser bem-sucedido em alguns casos recentemente.
Um deles aconteceu em 2014, quando a polícia e um canal de TV atuaram em conjunto em uma batida em uma sauna no Cairo. Ao invés de obter elogios por expor “o segredo por trás da disseminação da Aids no Egito”, o apresentador do programa foi amplamente condenado e posteriormente teve que lidar com problemas legais.
No que se refere à religião, a visão da homossexualidade predominante no Islã foi desafiada aqui e ali, mas ainda não em uma escala capaz de fazer muita diferença. Há um punhado de mesquitas gay-friendly e poucos imãs abertamente gays – como Muhsin Hendricks, na África do Sul, Daayiee Abdullah nos Estados Unidos, e Ludovic-Mohamed Zahed, imã franco-algeriano.
É notável que eles são muçulmanos da diáspora, mas é na diáspora que o Islã é obrigado a confrontar a realidade – não nos países onde está protegido e goza de privilégios.
Um exemplo disso aconteceu no Reino Unido em 2007 quanto aos Regulamentos quanto a Orientação Sexual – uma medida que tinha como principal objetivo evitar a discriminação de LGBTs em estabelecimentos comerciais. O Conselho Muçulmano do Reino Unido relutantemente posicionou-se em favor da lei ao lado de ativistas dos direitos LGBT, já que os muçulmanos britânicos também vivem sob o risco de discriminação.
Esses são pequenos avanços, mas 15 anos atrás nada disso estava acontecendo. Eles ainda não conseguiram resultados palpáveis quanto a fazer com que governos mudem suas leis, e nesse ponto ainda há, obviamente, muito caminho pela frente.
Mas, se há uma coisa que esses avanços conseguiram, foi fazer com que seja muito difícil afirmar que não há muçulmanos LGBT. Eles conseguiram um nível de visibilidade que, mesmo limitado, tem grande importância, pois a visibilidade é o primeiro passo rumo a se conseguir direitos, e sem ela não há esperança de que isso aconteça.

Disponível em:   http://ladobi.uol.com.br/2017/03/muculmanos-lgbt-isla/

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