Deus se mesclou no profano e quer ser encontrado, sobretudo, no que é comum a todos os humanos.
Por Élio Gasda*
O Natal é a celebração da humanidade de Deus e da divinização da
humanidade (Heb 4,15). Negar a humanidade de Jesus significa negar a
própria fé. Nesta festa litúrgica os cristãos não celebram uma data, mas
um evento único e extraordinário: “Vindo,
porém, a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de
mulher e sujeito à lei, para resgatar os que estavam sujeitos à lei,
para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gal 4,4-5).
Em Jesus se revela quem é Deus para a humanidade e quem é o ser
humano para Deus. Deus não se encarnou no sagrado e no religioso. Deus
se mesclou no profano e quer ser encontrado, sobretudo, no que é comum a
todos os humanos, sejam quais forem suas crenças, culturas, sexo, ou
raças. O Natal ensina que Deus não é monopólio de uma religião.
O Deus dos cristãos é “verdadeiro Deus” e “verdadeiro homem”,
perfeito na divindade e perfeito na humanidade. Não se pode crer no
divino sem crer no humano. Não se pode respeitar o divino se não se
respeita o humano. Ao nascer de mulher, Deus declara absurdo qualquer
forma de escravidão, violência e discriminação entre os seres humanos.
Porque se respeita mais um templo de tijolo que um ser humano? Porque se
respeita mais a uns humanos que a outros igualmente humanos? Porque se
respeita mais aos brancos, aos ricos e famosos que aos negros, pobres e
anônimos? Porque se respeita mais a um sacerdote que a um leigo? Porque
muitos cristãos são indiferentes diante da violência contra seus irmãos?
Em Jesus “o divino” e “o humano” são inseparáveis: “Tive fome, estava
doente, estive preso, era estrangeiro...” (Mt 25, 31-46). A maior prova
de fé no divino se expressa na misericórdia para com um humano. O Natal
é o evento da misericórdia divina. O Reino encontra sua realização
desde o evento do Natal. Não é pura doutrina. No meio dos últimos da
sociedade se insere Jesus. Os pobres compreendem melhor o significado do
Natal. Ignorar a realidade dos pobres é corromper o cristianismo. É no
pobre que o Deus de Jesus se manifesta de modo especial. Vida em
abundância, dignidade e justiça são seus principais anseios. O Natal
recorda aos cristãos, como disse Bento XVI, que a opção pelos pobres
“está implícita na fé cristológica, naquele Deus que se fez pobre por
nós, para enriquecer-nos com sua pobreza” (Documento de Aparecida,
Discurso Inaugural). O compromisso com os pobres é a medida da
fidelidade da Igreja à mensagem do Natal: “Os pobres são os
destinatários privilegiados do Evangelho” (Evangelii Gaudium, n.48).
O Natal é o evento da misericórdia divina. (Reprodução)
O Natal manifesta o sentido profundo de todo nascimento humano
(Evangelium vitae, n.1). Qual seria este sentido profundo? Toda nova
vida deve ser acolhida como um dom de Deus. Não inventamos o óvulo nem a
fecundação. Criamos os filhos que Deus nos dá. A vida humana desde o
seu início comporta a ação criadora de Deus e permanece para sempre em
uma relação especial com o Criador, seu único fim. (Donum Vitae, 5b).
Por tanto, toda nova vida gerada no ventre de mulher deve ser acolhida
como um dom do Espírito do Deus da Vida. Não importa se nasceu de
processo habitual, por reprodução assistida, por mães de substituição,
ou acolhidas em adoção por casais hetero ou homoafetivos. Ninguém vem ao
mundo predestinado à condenação, pois todos estão no coração de Deus.
A família é seu primeiro espaço de humanização. Deus é Mãe e Pai.
Toda maternidade/paternidade humana é chamada a “realizar essa dádiva
suprema de Deus que são os filhos” (Gaudium et spes, n. 50). Jesus
nasceu de uma situação familiar distinta do modelo tradicional do seu
tempo. Isso não foi impedimento para sua humanização. Quando o amor é
norma suprema, todos os modelos de família podem expressar a graça de
Deus. Em qual modelo de família Jesus nasceria hoje?
A Igreja é Mistério de comunhão com Jesus. No Natal, Deus se coloca
no meio da humanidade como aquele que serve (Lc 22, 26-27). A Igreja é
reunião dos convocados pela Palavra para formar o Povo de Deus
alimentado pelo Corpo de Cristo para se tornar seu Corpo. O Reino de
Deus é o sentido desta incorporação. No Natal os cristãos renovam seu
compromisso com a pessoa e a mensagem de Jesus. Nela, o principal não é
ser religioso, mas ser humano, plenamente humano assim como Ele.
Contudo, “se as palavras não são suficientes, que as obras o sejam” (Jo 14, 11-12).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na
FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina
social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas,
2016).
Disponível em: http://www.domtotal.com/noticia/1110360/2016/12/humanizacao-de-deus-no-ser-humano-jesus-misterio-central-do-cristianismo/
Nenhum comentário:
Postar um comentário