Mauro Santayana
Dizem que um chefe mafioso, famoso por sua frieza e crueldade no trato
com os inimigos, resolveu dar ao filho uma Lupara, uma típica
cartucheira siciliana, quando este completou 15 anos de idade. Na festa
de aniversário, apareceu o filho do prefeito, que havia ganho do alcaide
da pequena cidade em que viviam, ainda nos anos 1930, um belo relógio
de ouro. Passou o tempo e um dia, como nunca o visse com ela, Don
Tomazzo perguntou a Peppino pela arma. Como resposta, o rapaz enfiou,
sorrindo, os dedos no bolso do colete e tirando para fora um reluzente
pataca "cebola", respondeu-lhe que a havia trocado com o filho do Prefeito pelo Omega dourado.
- Ah, si? Gritou-lhe o pai, furioso, lascando-lhe sonora bofetada.
- E che va fare se, al andare per la strada, passa alcuno e lo chiama di cornutto? Que sono le dua e mezza, cáspita?
Esse velho "causo" italiano nos vem à memória, em função
da lastimável notícia de que a Câmara dos Deputados acaba de aprovar e
enviar ao Senado a PEC 241, que limitará à inflação os gastos do Estado
brasileiro nos próximos 20 anos. Nem mesmo nos Estados Unidos, um dos
países mais endividados do mundo, com quase o dobro da dívida pública
brasileira, existe um limite automático para o teto de endividamento
nacional, bastando que este seja renovado ou aumentado pelo Congresso.
Como afirmamos em outro texto sobre o mesmo tema, publicado em julho
deste ano, com o título de DÍVIDA PÚBLICA E ESTRATÉGIA NACIONAL - O BRASIL NA CAMISA DE FORÇA,
não existem nações fortes sem estado forte, e isso nos lembra,
novamente, os EUA, que tem 5 milhões de funcionários públicos apenas no
Departamento de Defesa.
Se formos considerar o "ocidente" não existem nações
desenvolvidas sem alto endividamento, como é o caso dos países do G-7,
todos com dívidas públicas brutas ou líquidas maiores que a brasileira, a
começar pelo Japão, com 290% do PIB e, mais uma vez, pelos EUA, de quem
somos - apesar de estarmos "quebrados" como afirma a toda
a hora o governo e a mídia - o quarto maior credor individual externo. É
compreensível que os inimigos da Política, enquanto atividade
institucionalizada, defendam, estupidamente, a diminuição do papel do
Estado no contexto da sociedade brasileira, e, por meio dele, a
diminuição do poder relativo do povo, com relação a outros setores e
segmentos, como os banqueiros e os mais ricos, por exemplo. O que não se
pode entender é que os próprios deputados e senadores sabotem, de forma
suicida, o seu poder real e o de barganha, enxugando os recursos de que
dispõem o Congresso e o governo, e, em última instância, o Estado, para
atender seus eleitores, cumprir o seu papel e determinar os rumos do
país e o futuro da sociedade brasileira.
O problema não é apenas a questão social, à qual se apega a oposição,
quando cita a ameaça que paira, com essa PEC, sobre a educação e a
saúde. Muito mais grave é, como dissemos, o enfraquecimento relativo da
soberania popular exercida por meio do voto pela população mais pobre.
E, estrategicamente, o engessamento suicida do Estado brasileiro, em um
mundo em que, como provam os países mais desenvolvidos, não existe
crescimento econômico sem a presença do governo no apoio a empresas
nacionais fortes - vide o caso da Europa, dos EUA, da China, dos Tigres
Asiáticos - em áreas como a infraestrutura, a tecnologia, a ciência, e,
principalmente, a defesa. Temos que entender que não somos uma
republiqueta qualquer. Que nos cabe a responsabilidade de ocupar - sem
jogar pela janela - o posto de quinto maior país do mundo em território e
população, que nos foi legado, à custa de suor e de sangue, pelos
nossos antepassados.
Se formos atacados por nações estrangeiras - que não estarão à mercê de
semelhantes e estúpidas amarras - se formos insultados e ameaçados em
nossa soberania, o que vamos fazer quando precisarmos, por meio de
endividamento - como fazem os Estados Unidos a todo momento - aumentar a
produção de material bélico e armar as nossas forças contra eventuais
inimigos externos? Esperar 20 anos, para que se extinga a validade dessa
lei absurda que estamos votando agora? Ou gritar, para os soldados
estrangeiros, quando estiverem desembarcando em nossas praias, o índice
de inflação do ano anterior, e, como o filho do mafioso siciliano,
informar que horas são quando eles estiverem nos chamando de imbecis,
agredindo nossos filhos e estuprando nossas mulheres?
http://www.jb.com.br/
Disponível em: http://poetagerson-jornalmural.blogspot.com.br/
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