O ex-ministro aponta os perigos da PEC 241, que congela os gastos em
educação, mas pondera: a esquerda precisa apontar alternativas.
Ribeiro: 'Para universalizar o atendimento, é preciso construir escolas, contratar professores'
Passado o primeiro turno das eleições municipais, a PEC 241,
a prever um teto para os gastos públicos, com o congelamento dos
investimentos em saúde e educação por 20 anos, avança no Congresso. Um primeiro relatório
sobre a proposta, favorável à aprovação, foi apresentado na Câmara na
terça-feira 4, enquanto o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ),
marcava a votação inicial em plenário para a segunda 10.
Com o objetivo de tentar diminuir resistências
parlamentares à aprovação, o relator Darcísio Perondi (PMDB-RS) combinou
com o governo uma mudança no projeto. O congelamento dos recursos de
saúde e educação começaria não em 2017, como previa a proposta original
do governo, mas em 2018. Desse modo, levará mais tempo para a população
sentir os efeitos da falta de verba em hospitais e escolas e, talvez,
isso não afete o humor do eleitorado nas próximas eleições gerais.
Ex-ministro da Educação do governo Dilma, o filósofo Renato Janine
Ribeiro alerta que a proposta inviabiliza o cumprimento da meta de
universalizar o atendimento das crianças e adolescentes em idade escolar
até 2020, como prevê o Plano Nacional de Educação.
Atualmente, 3 milhões de alunos entre 4 e 17 anos estão fora da escola,
segundo o Censo Escolar, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC) no
fim de março.
“Além da questão quantitativa, há o desafio de melhorar a qualidade da educação pública,
o que implica em melhor formação dos professores, em investimentos em
material didático alinhado com as novas diretrizes curriculares e também
na valorização da carreira docente”, afirma o ex-ministro, em
entrevista a CartaCapital. Professor de ética e filosofia
política da USP, Ribeiro pondera, porém, que a esquerda precisa apontar
alternativas, em vez de apenas reivindicar mais recursos. “Desde a
reeleição de Dilma, a esquerda ficou muito na defensiva, e isso se
intensificou ao longo do processo de impeachment”.
CartaCapital: O que representa a PEC 241 para a educação?
Renato Janine Ribeiro: Representa um grande perigo. Mesmo que seja possível ter alguns ganhos com uma gestão mais eficiente, há uma necessidade de aumentar os investimentos em educação por duas razões. Primeiro, para garantir o atendimento de 100% das crianças e adolescentes durante todo o período de educação obrigatória, com 14 anos de duração. Algo entre 15% e 20% das crianças com 4 e 5 anos de idade precisam ser integradas à pré-escola. Outro tanto deve ter acesso ao ensino médio. Para universalizar o atendimento, é preciso construir escolas, contratar professores.
Além da questão quantitativa, há o desafio de melhorar a qualidade da
educação pública, o que implica em melhor formação dos professores, em
investimentos em material didático alinhado com as novas diretrizes
curriculares e também na valorização da carreira docente. Um professor
com diploma de graduação ganha cerca de 72% do salário médio das demais
profissões de nível superior. O Plano Nacional de Educação
estabeleceu como meta, até 2020, nivelar essa remuneração. Ou seja,
conceder aumentos reais, acima da inflação, para os professores terem um
salário compatível com o das demais profissões com mesmo nível de
formação, de forma a tornar a carreira docente atrativa.
CC: Se as despesas em educação forem corrigidas apenas em
função da variação da inflação do ano anterior, seria impossível atingir
tais metas...
RJR: Estamos em um momento de crise, em que mal conseguimos repor a inflação nos reajustes salariais. E a demanda por recursos na área não é pequena, porque não adianta apenas manter o nível atual. É preciso calcular o custo de toda essa expansão de novos alunos, bem como os gastos para melhorar a qualidade de formação dos professores. No entanto, no médio prazo, teremos jovens com uma formação melhor para o mercado de trabalho. O que quero dizer com isso? Até do ponto de vista econômico, esses investimentos são necessários.
Com a manutenção dos gastos no atual nível, como propõe a PEC 241,
não será possível nem sequer incluir todos os brasileiros com 4 a 17
anos na escola, muito menos com professores competentes e bem formados. O
investimento seria insuficiente. E repare: nem estou falando do Plano
de Educação como um todo. Refiro-me apenas a dois pontos.
CC: Hoje, o Brasil está num ciclo recessivo, mas pode
voltar a crescer dentro de dois ou três anos. Mas essa proposta fixa um
teto para os gastos públicos por um período mínimo de 10 anos. Não há
certo exagero?
RJR: Vamos falar sinceramente. Apesar de ser uma emenda constitucional, eu acredito que, se a situação econômica melhorar, o governo que estiver no poder vai abrandar isso. Essa regra é uma espécie de bode na sala, como naquela história do folclore judaico-russo. Um homem vai ao rabino e reclama que a sua casa é muito pequena. O rabino orienta, então, a colocar uma porção de coisas que estavam fora da casa em seu interior, inclusive o bode. A vida do sujeito fica insuportável e o rabino manda retirar tudo, até o bode. Aí o homem fica feliz com o tamanho da casa.
Pois bem, essa emenda tem um caráter de bode na sala. Se as coisas
melhorarem, eles vão atenuar as restrições. Por outro lado, devido a
todo esse período de recessão, desde a reeleição de Dilma Rousseff,
é bem provável que o Brasil chegue ao término do governo Temer no mesmo
ponto em que estava quando Dilma assumiu seu segundo mandato. Vamos ter
um quadriênio perdido em termos de recursos. Temer garante que não vai
penalizar a educação. A questão é que não adianta dizer que não vai
retirar recursos, deveria aumentar os investimentos por conta dessas
metas mínimas que mencionei.
CC: É justo estender o ajuste fiscal a áreas historicamente subfinanciadas no Brasil, como a saúde e a educação?
RJR: Esse é outro problema. No orçamento federal, as despesas mais difíceis de se abater são aquelas mais injustas, enquanto as mais fáceis de cortar são as justas. É muito difícil, por exemplo, reduzir as despesas do Legislativo, que são excessivas. O Congresso tem funcionários demais, poderia enxugar, mas isso nunca vai acontecer. Nunca! Qualquer governo depende do Legislativo para aprovar suas medidas, este, o anterior, o que vier. Entende? O mesmo ocorre em relação ao Judiciário. Nossos juízes ganham muito bem e ninguém mexe nisso. É mais fácil cortar o que é mais essencial para a sociedade. Essa é a perversão do nosso sistema orçamentário. Não é obra de Temer, vem de muito tempo.
Aliás, a educação não está ameaçada só por conta dessa emenda, também
é fruto da deterioração da economia. Dilma levou ao Congresso um
orçamento deficitário, sem dizer como iria cobrir o déficit. Um ano e
meio atrás, quando estava discutindo a distribuição dos recursos, o
governo pretendia reduzir os recursos da saúde ao mínimo constitucional.
O então ministro Arthur Chioro disse: desse jeito a saúde para em
setembro. Não é um problema do momento. É anterior, um desafio para o
Brasil.
CC: O que poderia ser feito?
RJR: O impasse é que não temos no horizonte nenhuma proposta de política tributária mais justa. Com o que se arrecada hoje é muito difícil equacionar esse problema. Só temos duas possibilidades: cortar despesas ou aumentar a receita. O problema é que os cortes afetam os gastos mais necessários e justos, como saúde e educação. Por outro lado, um aumento de impostos só faria sentido se pegasse os mais ricos, se houve uma tributação mais progressiva no imposto de renda, no IPVA e no IPTU, três pontos onde é possível fazer maior justiça social, cobrar de quem pode pagar mais. Mas os compromissos do governo Temer impedem o avanço de qualquer discussão dessa natureza. O que eram os patos da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo)? Um recado claro de que os ricos não querem pagar mais imposto. Então fica difícil fechar as contas.
CC: Para superar o atraso, quanto o Brasil deveria investir em educação?
RJR: Hoje, o País investe cerca de 6% do PIB em educação, enquanto os países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) gastam um pouco menos que isso. Só que o PIB per capita alemão é cinco vezes maior que o brasileiro. Por esse critério, para ter um investimento em educação semelhante ao da Alemanha teríamos de gastar 30% do PIB, o que é impossível. Só é possível colocar mais dinheiro na educação se houver crescimento econômico. Esse é o ponto no qual o governo Dilma falhou. Na medida em que a economia começou a patinar, os recursos para a educação escassearam. Não é tão simples retirar dinheiro de outras áreas. Muita gente reclamou do volume de investimentos para o Plano Safra, mas ele gera comida e imposto.
CC: É preciso aliar crescimento com uma dotação orçamentária mais justa.
RJR: Sem dúvida. O quanto antes o Brasil voltar a crescer, melhor. O governo Dilma tentou impulsionar a economia, mas enfrentou sérios problemas. Primeiro, porque o Congresso sabotou tudo o que pôde, sobretudo o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB). Segundo, porque Dilma fez uma desoneração fiscal exagerada.
De 2011 a 2015, o Estado renunciou a cerca de 500 bilhões de reais
em desonerações, e as empresas não aproveitaram esses recursos para
investir. Não houve, portanto, o retorno esperado. Esse montante
equivale a três anos e meio do orçamento do MEC no ano passado. Por
isso, eu digo que está na hora de a esquerda parar um pouco de reclamar e
preparar propostas mais consistentes.
CC: Por que o senhor diz isso?
RJR: Desde a reeleição de Dilma, a esquerda ficou muito na defensiva, e isso se intensificou ao longo do processo de impeachment. A esquerda precisa apresentar novas propostas, acenar para alternativas. Não adianta apenas dizer: “a educação precisa de mais recursos”. Tive a experiência de ser ministro de Dilma, um governo que foi eleito, mas não havia mais dinheiro. A impaciência dos atores na área de educação era total. Os sindicatos, os reitores, os secretários, nenhum deles se convencia de que o MEC não tinha mais dinheiro. Era uma greve atrás da outra.
Tentei melhorar a qualidade dos gastos, mas a falta de vontade era
muito grande. Só para dar um exemplo: publiquei uma portaria orientando
as universidades federais a economizar com energia elétrica e ar
condicionado, gastar só o que era razoável. Havia muitas salas vazias
com ar ligado, sem ninguém. Isso foi em abril do ano passado. Agora, li
no jornal El País que o reitor da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul decidiu fazer isso agora, um ano e meio depois. Até para
reivindicar mais recursos, é preciso mostrar que o dinheiro está sendo
bem empregado.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/201cno-brasil-os-gastos-mais-justos-sao-os-primeiros-a-serem-cortados201d?utm_content=buffer37eb0&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer
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