Existem eventos simbólicos de um período histórico. A votação de
ontem à noite da Proposta de Emenda Constitucional nº 241 de 2016 é
bastante representativa do Brasil pós-impeachment. Aprovada com folga
(366 votos favoráveis) em primeiro turno, a referida Emenda é ação
prioritária do ajuste fiscal do governo Temer e conta com imensa
simpatia da grande mídia e do mercado financeiro.
A votação é simbólica da atual correlação de forças no Congresso
Nacional e na sociedade. O resultado do impeachment, aprovado com folga e
a votação conquistada pelas forças conservadoras no primeiro turno das
eleições municipais sinalizam para uma reconquista de hegemonia
conservadora, criando o ambiente propício para a aprovação de medidas
neoliberais que antes teriam dificuldades para tramitar no Congresso e
serem aceitas pela população.
De todas as medidas de ajuste fiscal, a PEC 241 é a mais estruturante
para solucionar a crise do ponto de vista do andar de cima. Congela
durante 20 anos os gastos públicos, retirando vultosos recursos da
educação e da saúde, redireciona o crescimento do fundo público para o
pagamento da dívida pública, sem concessões eventuais como as que foram
feitas no período petista. É um ataque frontal a conquistas arrancadas
no período anterior e significa, na prática, retirar recursos alocados
no atendimento das camadas mais pobres da população e um instrumento
bastante eficaz para equacionar a crise do ponto de vista dos ricos.
Considero simbólico que a votação na Câmara dos Deputados tenha sido
praticamente a mesma da ocorrida na fatídica noite dos horrores da
votação do impeachment. Isso mostra que, mais do que uma bancada
fisiológica (que continua sendo), a direita reconquistou protagonismo
político.
Esse fato me recordou a afirmação de alguns setores do movimento
social sobre a existência de um golpe institucional ou não. Os
argumentos contrários à existência do golpe estavam ancorados nas
similaridades entre a política de ajuste fiscal implementadas no segundo
mandato de Dilma e as primeiras ações de Temer. É verdade que os
governos petistas não romperam com a política macro econômica
conservadora, mas é verdade também que aproveitaram o crescimento
econômico da década anterior para redirecionar parte do saldo do
crescimento para a inclusão social.
Em tempos de “vacas magras”, a elite decidiu por um governo capaz de,
sem possibilidade de ceder a “pressões indevidas dos de baixo”,
resolver a crise econômica redirecionando recursos do fundo público para
“os de cima”, procedimento que significa cortar investimentos na área
social, fechar programas inclusivos, mudar a Constituição em conquistas
que somente governos autoritários tiveram governabilidade, como é o caso
da flexibilização da vinculação de recursos para a saúde e educação
(esta última revogada somente em 1937 e 1967).
Aparentemente um governo fraco, Temer saiu fortalecido das urnas no
dia 2 de outubro e isso lhe deu condições para acelerar o processo de
ajuste, sem meias palavras.
A esquerda (no sentido mais amplo que este termo possa ter) terá que
cumprir dois grandes desafios, os quais deverão ser enfrentados ao mesmo
tempo. Em primeiro lugar, reorganizar a base social para enfrentar (com
lutas, ocupações, greves e manifestações) todos os ataques violentos
que os direitos sociais sofrerão no próximo período. Em segundo lugar,
reconstruir no imaginário da população a possibilidade de ser de
esquerda e não compactuar com as práticas conservadoras, com o seu jeito
de construir a chamada governabilidade.
Neste cenário, o que mais alvissareiro para cumprir esta tarefa seria
uma vitória eleitoral nas capitais e cidades médias que a esquerda
disputa o segundo turno, especialmente naquelas em que há vitalidade e
disposição para reconstruir este modo de ser esquerda, inclusive
rediscutindo o modo de governar de um governo de esquerda.
No meio da vitória avassaladora das forças conservadoras, não deixa
de ser animador ver Freixo no Rio, Edmilson em Belém e Raul em Sorocaba,
todos representando o PSOL e com apoio de forças progressistas neste
segundo turno. Suas candidaturas animam os lutadores que resistem e
vitoriosos terão vitalidade para animar o recomeço.
LUIZ ARAÚJO
Presidente Nacional do PSOL
Disponivel em: http://www.psol50.org.br/blog/2016/10/11/luiz-araujo-a-pec-da-desigualdade-sintetiza-periodo-de-retrocesso-que-vivemos/
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