Por Daniel Cardinali
Fonte: Revista Fórum
Com a concretização do esperado afastamento da Presidente Dilma Rousseff
pelo Senado Federal, por confortável margem de votos, o PMDB chega pela
terceira vez à Presidência do Brasil sem nunca ter sido eleito para
ocupar tal cargo. Neste cenário, questiona-se o que o se pode esperar do
novo governo Temer em relação aos direitos LGBT.
Antes de mais nada, é preciso não romantizar a atuação de Dilma no tema.
Cabe lembrar que a eleição presidencial de 2010 teve como epicentro a
questão do aborto, com José Serra e Dilma se enfrentando para saber qual
dos dois tinha uma posição mais conservadora na matéria, com o objetivo
de agradar o eleitorado religioso e seus homofóbicos representantes
políticos. Já eleita, a primeira mulher a ocupar o Palácio do Planalto
suspendeu o programa “Escola sem Homofobia”, alegando que seu governo
não faria “propaganda de opção sexual”. Tratava-se de uma concessão à
bancada evangélica, para tentar salvar o então Ministro Palocci de ter
de explicar sua evolução patrimonial. No final, caíram ambos, o ministro
e o programa. A primeira reunião da Presidente com representantes do
movimento LGBT organizado, com direito a sorrisos e foto com a bandeira
do arco íris, aconteceu apenas no reboque das manifestações de Junho de
2013, em razão de uma necessidade contextual. Enquanto na politica
ordinária se fazia todo o tipo de concessão aos mais atávicos
conservadorismos, os movimentos sociais – o movimento LGBT entre eles –
foram fiéis escudeiros do governo do PT em suas horas mais difíceis.
Basta ver a quantidade de bandeiras do arco íris quebrando o vermelho
nas manifestações contra o impeachment. As medidas de última hora para
tentar pintar uma imagem mais à gauche dos seus últimos momentos, que
envolveu o decreto para garantir o uso do nome social na administração
federal, embora possam trazer ganhos concretos, devem ser entendidos
dentro desta lógica de política autointeressada.
Significa dizer que estaremos melhores com Temer? Não, muito pelo
contrário. O governo que se inicia anuncia tempos temerários para o
avanço das pautas progressistas e defesa dos direitos das minorias.
Embora o próprio Temer ainda não tenha dado nenhuma declaração expressa
sobre a diversidade sexual, podemos presumir que o motivo para tanto é
que este não o tipo de assunto para se comentar “à mesa”. A fleuma
antiquada e a aura aristocrática não são os únicos atributos
oitocentistas de Temer, já que seu projeto de poder pretende ser uma
espécie de inversão de JK para nos fazer retroceder “50 anos em 5”.
A simbologia de se substituir a primeira presidente mulher do Brasil,
perseguida e torturada na ditadura militar, por um homem que sempre
orbitou as velhas instâncias de poder do “rouba mas faz” não poderia ser
mais clara. Incomodou-se Temer com a posição de “vice decorativo”, sem
dúvida pelo papel emasculante de tal posição, afinal, o papel de bibelôs
serve às mulheres. Por favor, não ousem achar que possam ser melhores
que meros colírios ornamentais, parnasianos e acéfalos, para os olhos
sedentos dos varões deste Brasil varonil, que se pavoneiam de ter sob
seu domínio a rés bem marcada, “bela, recatada e do lar”.
A equipe ministerial anunciada diz bem o lugar que a mulher deve ocupar
na política. Nenhum. Desde a ditadura militar – inclusive em parte desta
– todos os governos tiveram ministras mulheres. Para Temer mulher não
presta para gerir o país, só serve para tirar as botas do seu macho e
massagear-lhe os calos após um dia de trabalho, parece. É importante
notar, por exemplo, que, enquanto Pedro Paulo, candidato à prefeitura do
Rio que agrediu fisicamente sua ex-mulher em mais de um episódio, ao
menos demonstra o cinismo de buscar uma vice-prefeita, Temer não buscou
sequer tentar apaziguar o desconforto provocado pela matéria da Veja na
formação da sua equipe ministerial. Pelo contrário, fez questão aqui de
marcar uma posição.
E não ter mulheres não é o único demérito da tal equipe ministerial que
vai fazer a nossa ponte para um futuro que parece estranhamente familiar
com o passado. O Ministro da Educação é do DEM, partido responsável
pela ação judicial que questionou o programa de cotas universitárias no
STF; o Ministro da Justiça é responsável por maquiar o extermínio de
jovens e negros que a policia de São Paulo produz e por um discurso de
criminalização galopante dos manifestantes políticos; o Ministro da
Agricultura, a bem da verdade, não muda muita coisa, continua o na pasta
o grande latifúndio, embora agora tenha a decência de ser representado
por um homem. Isso para não falar dos investigados na lava jato que
levaram de brinde o chamado “foro privilegiado” no STF.
Veja bem, não é que a pauta dos direitos das minorias não seja
prioritária para o novo governo, que o foco esteja na economia. Trata-se
de uma ilusão superficial, a pauta é sim primordial, mas para que se
produza o seu retrocesso. A extinção das pastas ligadas aos direitos
humanos, igualdade racial e políticas de gênero representa bem o tipo de
importância que o governo Temer reserva aos assuntos. Na surdina, com
certeza, será mais fácil dissolver os avanços sociais a duras penas
conquistados.
Cabe lembrar, ainda, como Temer chegou à cadeira que ora conspurca,
abraçado umbilicalmente em Eduardo Cunha, autor dos projetos de lei do
dia do orgulho heterossexual e da criminalização da “heterofobia”,
apenas para ficar em dois exemplos de seu obscurantismo. O show de
horrores que foi a votação na Câmara, em que a defesa da família
patriarcal e tradicional atingiu níveis folclóricos, dá um indicativo de
que tipo de interesse e projeto de poder vai cobrar a conta de Temer
quando chegar a hora. Afinal de contas, se Temer alcançou o que jamais
conseguiria pelo voto popular, o fez em função da ferrenha atuação dos
maiores opositores dos direitos LGBT no congresso nacional, que saberão
cobrar bem pelo papel central desempenhado. Isso para não falar da
atuação patética da FIESP e das elites do “o aeroporto ‘tá virando
rodoviária”, que prometem retrocessos trabalhistas e sociais.
Avizinham-se, portanto, tempos difíceis para todos aqueles que acreditam
num Brasil mais tolerante e mais igualitário. Não se trata mais apenas
de denunciar a falta de avanços, mas do risco concreto de retrocessos.
Parece que as grandes novidades do novo governo, sobre as quais a mídia
já faz questão de tecer loas sebastianistas, vêm estranhamente
requentadas e com cheiro de mofo, e seremos nós a comer este pão
bolorento que o diabo amassou.
Disponível em: http://www.homorrealidade.com.br/?zx=e93d36164cee3827
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