‘Sensação é de que a justiça foi feita, mas é preciso tomar cuidado com as ilusões que ela traz’.
O ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, embarca para Curitiba após ser preso pela Polícia Federal.
Jornal do Brasil
Rebeca Letieri *
Para cientistas políticos, a prisão de Eduardo Cunha (PMDB), determinada
pelo juiz Sérgio Moro, da Lava Jato, indica uma reciclagem na política
brasileira. Contudo, segundo professores da Unirio e da UFRJ, a ação não
passa de uma estratégia política para legitimar a imparcialidade da
operação. “O Eduardo Cunha é como se
fosse uma ovelha desgarrada. Ele serve, inclusive, para imprimir uma
suposta imparcialidade do Moro. Agora, ele [o juiz Sérgio Moro] não está
ali apenas na função de destruir o PT, ele atua também na direção de
punir quem está no campo oposto. Até para o sistema se legitimar como um
todo, ele tem que pegar algum dos seus como exemplo, para provar que a
Justiça não olha para quem acusa. Isso é o que a prisão do Cunha parece
expressar”, disse a cientista política e professora da Unirio, Clarrisse Gurgel.
“Acho que a prisão de Cunha faz parte de uma estratégia de tentar
tirar a acusação de seletividade da Lava Jato. E revela também um erro
estratégico na luta contra o golpe, de tentar atribuir uma
responsabilidade excessiva ao Cunha. A direita, agora, legitima a Lava
Jato como algo que está realmente acabando com a corrupção do Brasil”, disse o cientista político e professor da UFRJ, Carlos Eduardo Martins.
Eduardo Cunha é réu na Lava Jato por corrupção, lavagem de dinheiro e
evasão de divisas a partir da manutenção de contas secretas na Suíça. O
peemedebista teve seu mandato cassado no dia 12 de setembro e,
consequentemente, perdeu foro privilegiado no Supremo Tribunal Federal
(STF), tendo seu processo remetido para a primeira instância da Justiça
em Curitiba. Em seu despacho, Moro determinou que a Polícia Federal
realize busca a apreensão na residência do ex-deputado no Rio de
Janeiro, "com as cautelas devidas para evitar incidentes desnecessários".
Menos de meia hora depois do anúncio de prisão do ex-presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha já liderava a lista de Trending
Topics no Brasil e no mundo. Internautas aproveitam para relembrar
denúncias, vazamentos de conversas e ligações do peemedebista com Michel
Temer (PMDB) e seu governo. A mídia internacional também repercutiu a
prisão do deputado cassado.
“É preciso tomar certo cuidado com essa crença toda na punição
como modelo exemplar de que é possível se acreditar na Justiça. A
Justiça não se faz só no judiciário, se faz na política, se faz no
social. Não tem justiça tirando um do poder enquanto o modelo continuar o
mesmo. Por que o Moro não discute as leis de licitação? Por que ele não
busca o justo quando envolve uma contradição da atividade empresarial e
pública? Porque esse é o nó da Lava Jato. O grande criminoso a ser
punido está na figura do parlamentar, mas não se discute a sujeira que
está na atividade empresarial. Prendeu o chefe da quadrilha, mas a gente
sabe que sempre surge um novo chefe. O que deveria ser feito é
questionar como é que funciona a quadrilha”, destacou a professora da Unirio.
“A população está desarmada ideologicamente. A população reage com
a capacidade de analise que ela tem e que é limitada pelas articulações
discursivas que chegam até ela. A população tende a ver com certo
entusiasmo a prisão da figura mais odiada do país, porque ele [Eduardo
Cunha] foi alvo da esquerda, e estrategicamente descartado pela direita”, completou o professor da UFRJ. O
cientista político Carlos Eduardo suspeita, ainda, que a prisão do
peemedebista significa uma antecipação da prisão do ex-presidente Lula,
do Partido dos Trabalhadores, e especula sobre a possibilidade do
deputado cassado ser perdoado pelo próprio juiz Sérgio Moro numa
delação. “A Operação Lava Jato se baseia na lei da delação
premiada que permite aos juízes estabelecer o perdão judicial dependendo
da informação entregue. Ou seja, o Moro pode dar o perdão ao Cunha, que
pode escapar da prisão”, disse. “O erro do PT foi não
denunciar a base de classes que atuou por trás do golpe. Acredito que a
prisão do Cunha prepara o terreno para uma prisão do Lula, que hoje
lidera os votos para presidente em 2018. O Cunha foi blindado até o
papel que ele exerceu de viabilizar o golpe de estado na Câmara. A
partir daí, ele caiu em desgraça”, completou.
Na segunda-feira (17), o juiz Sérgio Moro emitiu o pedido de intimação
do ex-deputado. O documento foi encaminhado à Justiça Federal do Rio de
Janeiro, onde Eduardo Cunha mora. O juiz da Lava Jato havia dado prazo
de 30 dias para que a Justiça do Rio intimasse o peemedebista. A partir
de então, os advogados de Cunha teriam 10 dias para entregar a defesa. Após
a prisão preventiva decretada nesta quarta-feira (19), o ex-deputado já
embarcou para Curitiba, onde estão sendo conduzidas as investigações. “A sensação é de que a justiça foi feita, mas é preciso tomar cuidado com as ilusões que ela traz”, finalizou Clarisse Gurgel.
* do projeto de estágio do JB
http://www.jb.com.br/
Disponível em: http://poetagerson-jornalmural.blogspot.com.br/
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