Na detenção sem pirotecnia, ex-deputado negociou com policiais para se entregar.
Preso, Eduardo Cunha é levado para avião da Polícia Federal.
AFONSO BENITES
Brasília - A pirotecnia que costuma cercar prisões e conduções
coercitivas de políticos e megaempreiteiros brasileiros nos últimos
tempos esteve longe de ocorrer na quarta-feira, quando o ex-deputado
federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi preso em Brasília sob a suspeita de
corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Acusado no
âmbito da Lava Jato, o ex-presidente da Câmara dos Deputados que
impulsionou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) negociou termos mínimos
para se entregar ao policiais federais, como vestir-se de terno, o
figurino que preferia até para reuniões informais em sua casa, no auge
do seu poder. A cena de um enfadado Cunha embarcando rumo à Curitiba, a
capital que concentra as investigações do escândalo da Petrobras, durou
pouco, mas foi suficiente para mergulhar Brasília, de novo, em
burburinho e ansiedade. Centenas de políticos comentaram a possibilidade
de o peemedebista firmar um acordo de colaboração com o Ministério
Público Federal e delatar seus aliados em supostos esquemas de
corrupção. Não faltou na bolsa de apostas as possíveis implicações da
prisão para o Governo do seu correligionário de partido, Michel
Temer. Desde que foi cassado pela Câmara, em 12 de setembro, Cunha já
esperava ser preso pela Polícia Federal a mando do juiz Sérgio Moro, da
13ª Vara Federal de Curitiba. A certeza de sua detenção ocorreu logo no
início da manhã da quarta-feira, quando sua mulher, Cláudia Cordeiro
Cruz, se assustou ao receber vários agentes da PF cumprindo um mandado
de busca e apreensão na luxuosa casa onde a família Cunha vive no Rio de
Janeiro. Ela ligou para o marido, que contatou um de seus advogados em
Brasília.
O defensor buscou a PF com uma mensagem: se houvesse algo contra o
cliente dele, o ex-deputado estaria à disposição dos agentes. O
principal temor do peemedebista era o de que sua mulher ou sua filha
Danielle Dytz (a primeira ré e a segunda investigada na Lava Jato)
fossem presas por eventuais desdobramentos da operação. Um acordo básico
foi fechado e o advogado de Cunha e os policiais federais combinaram de
se encontrar por volta das 13:00hs., na garagem do bloco B, da quadra
316 Norte de Brasília, no cômodo apartamento funcional da União que
deputado cassado habitava ilegalmente. Sem cargo, Cunha tinha até 13 de
outubro para entregar o imóvel para a Câmara dos Deputados. Como não o
fez, foi notificado sobre a necessidade de devolver as chaves. A multa
de 987 reais devia a Câmara é uma nota irônica para quem acabava de ter
R$ 220.600.000,00 em bens bloqueados pela decisão judicial que o deteve.
Cunha desembarcou pouco depois das 16:30hs., em Curitiba. Os policiais
driblaram os repórteres e fizeram com que o ex-deputado entrasse na sede
da superintendência da PF sem que ele fosse flagrado pelas câmeras ou
fosse escrachado pelo pequeno grupo de manifestantes que estava no
local.
Fogos, silêncio e delação
As reações à prisão foram diversas. As principais conversas giravam em
torno de o ex-parlamentar assinar ou não o acordo de delação premiada
para reduzir sua pena e entregar dezenas de comparsas em delitos
cometidos principalmente contra a Petrobras, o pacto, no entanto,
depende da anuência dos procuradores da Lava Jato, que há meses negociam
se aceitam ou não outras colaborações com potencial dramático para o
mundo político, como a do empresário Marcelo Odebrecht. Cunha é
investigado em seis inquéritos e, neste caso específico, foi preso por
suspeita de receber propina de US$ 1.500.000,00 em um negócio
envolvendo um campo de exploração de petróleo em Benin, na África.
Na gestão Michel Temer, de quem Cunha foi aliado até sua queda, a ordem
era fingir que nada estava acontecendo e passar um ar de normalidade às
vésperas da votação da PEC 241, que cria um teto de gastos públicos,
prevista para a próxima segunda-feira. Só quem falaria oficialmente pelo
Governo, neste momento, seria o presidente, que antecipou em 12 horas o
seu retorno da viagem que fez para a Ásia onde participou da reunião
dos BRICS e de um encontro bilateral com autoridades japonesas. Apesar
da antecipação, ministros de Temer dizem que foi apenas uma coincidência
que nada teve a ver com a prisão do ex-todo-poderoso da Câmara.
As conversas nos corredores de ministérios e do Congresso Nacional,
contudo, demonstram que há uma preocupação crescente entre boa parte dos
auxiliares presidenciais. Mesmo sem um acordo de delação, Cunha pode
decidir aumentar a artilharia contra aliados do Planalto. O deputado
cassado já sinalizou quem deve ser seu primeiro alvo: o secretário do
Programa de Parcerias e Investimentos, Moreira Franco, contra quem Cunha
já disparou críticas no dia de sua cassação. “É evidente que
nenhum ser humano fica feliz com a desgraça alheia. Por outro lado,
existe um ditado popular que diz que a gente colhe aquilo que a gente
planta”, afirmou o deputado Silvio Costa (PTdoB-PE), um dos
principais opositores de Cunha. Ao menos outros quinze deputados
comentaram a detenção no mesmo sentido.
Entre os seus aliados, um silêncio quase absoluto. Apenas um defendeu Cunha abertamente na tribuna, Alberto Fraga (DEM-DF). “Hoje
foi o Eduardo Cunha. Amanhã, pode ser o Lula. E eu espero que ninguém
utilize a tribuna para ficar fazendo esse show de pirotecnia. Portanto, a
prisão é uma questão de tempo, mas agora não é motivo para a gente
ficar aqui comemorando”, alfinetou. A especulação não foi só dos
desafetos do petista e o temor de que a mira de Moro se volte de vez
para Lula também se espalhou entre seus apoiadores. "Moro estava
em uma sinuca de bico, pressionado porque a esquerda dizia que ele só
prendia pessoas ligadas ao PT. Agora ele prende o outro lado para
mostrar que é imparcial", diz Afrânio Silva Jardim, professor
associado de direito processual penal da Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ), um crítico da prisão preventiva de Cunha.
Até quem era da sua tropa de choque, como Paulinho da Força (SD-SP),
disse que a expectativa de prisão só crescia a cada dia. Na Câmara,
Paulinho afirmou que na cadeia, Cunha terá “mais tempo” para escrever o livro que planejava sobre o impeachment de Dilma.
Cunha repetiu diversas vezes que jamais assinará uma delação premiada,
mas a simples palavra do peemedebista não resiste ao contraste com seu
histórico. Em março de 2015, disse ao EL PAÍS que era contra o
impeachment de Dilma Rousseff e o considerava um golpe, mas em dezembro
do mesmo ano aceitou abrir o processo contra a então presidenta. Em mais
de uma dezena de ocasiões disse que, mesmo sendo processado no Conselho
de Ética e cercado pelos investigadores da PF, não cogitava a hipótese
de renunciar à presidência da Câmara. O fez em julho passado. Como disse
um dos investigadores da Lava Jato, o estoque de ansiolítico nas
farmácias de Brasília terá uma baixa considerável nos próximos dias.
http://brasil.elpais.com/
Disponível em: http://poetagerson-jornalmural.blogspot.com.br/
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