É unânime a opinião de que a carga tributária brasileira é alta
demais e de que os governos não dão retorno suficiente do montante que
pagamos. De fato, o Brasil é um dos países com os tributos mais altos do mundo — mas não são todos os brasileiros que saem perdendo com o atual modelo tributário.
Há
anos, dezenas de estudos apontam que o sistema tributário é um modelo
injusto. E não é porque uma pessoa paga milhares de reais a mais em um
iPhone ou em um Camaro do que os mesmos vendidos na gringa.
Pelo
contrário: os mais prejudicados pela alta carga tributária são os
brasileiros de classes baixas, que não têm como fugir dos impostos que
incidem sobre produtos básicos, como comida, produtos de higiene
pessoal, linha branca, entre outros.
Isso acontece porque o Brasil concentra as maiores cargas tributárias justamente em bens e serviços,
diferentemente de muitos países que fazem parte da OCDE (Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ), que tributam de acordo
com a renda, propriedade e o estoque de riqueza (propriedades, investimentos, etc).
O
estudo chamado “A Carga Tributária no Brasil - Repercussões na
Indústria de Transformação” da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo) mostra exatamente essa distorção. Além de cobrar muitos
impostos, o sistema tributário é regressivo, ou seja, quem tem menor
renda acaba pagando mais tributos do que aquele que ganha muito mais.
Uma
vez que os tributos estão embutidos no consumo de bens e serviços, as
famílias de menor renda terão de gastar a maior parte do salário para
comprar os mesmos produtos do que as famílias que têm rendimentos
maiores.
Famílias com renda de até dois salários mínimos por mês (R$ 1.760) gastam até 46% de tudo que ganham com tributos embutidos em suas compras. Já entre as famílias que ganham de 15 a 25 salários mínimos, esse gasto cai para 24%.
Entre as famílias que têm renda de mais de 25 salários, o custo dos tributos embutidos em suas compras vai para apenas 18%.
Segundo
o estudo, essa regressão do sistema tributário brasileiro contribui
“para a manutenção os níveis de desigualdade de renda e pobreza”.
“Nosso
sistema tributário é bastante oneroso e quem paga a maior parcela dele
são as pessoas de menor renda”, disse o diretor de competitividade da
Fiesp, José Ricardo Roriz Coelho. “Ele acaba penalizando as pessoas mais
pobres.”
Pelas receitas por base de incidência, a tributação
brasileira é totalmente inversa aos 35 países que integram a OCDE, onde a
tributação sobre renda é maior que sobre bens e serviços.
A
tributação sobre a renda representa 37% das receitas na OCDE, em média.
No Brasil, a mesma tributação responde por 18% das receitas. Já a
tributação sobre bens e serviços corresponde a 51% da carga tributária
no Brasil, enquanto que, nos outros países, ela responde, em média, por
25% do total.
A
tributação por renda, lucro e ganho de capital (salários, rendimentos,
investimentos, PLR etc) representou em 2012 apenas 6,4% do PIB
brasileiro. Em países desenvolvidos como Dinamarca, Noruega, Nova
Zelândia, Islândia, Austrália e Bélgica, essa taxa foi maior que 15%.
Já
na carga tributária sobre bens e serviços, o Brasil lidera entre os 35
países da OCDE. Na última posição, a carga tributária sobre bens e
serviço nos Estados Unidos é de 4,4% de seu PIB.
“O modelo tributário é tremendamente injusto"
A
tributação brasileira penaliza a produção, os investimentos e o
consumo, conta o tributarista e ex-presidente da Cofecon (Conselho
Federal de Economia), Paulo Dantas da Costa. “O modelo tributário é
tremendamente injusto. Ele alcança a produção e o consumo, diferente dos
países mais organizados [economicamente], que tributam altas rendas e estoque de riqueza.”
O
economista lembra que, além de concentrar os impostos em bens e
serviços, o Brasil taxa produtos básicos, como a comida e medicamentos.
“Doença não escolhe classe social. É diferente de taxar carros
importados… As pessoas não necessitam disto.”
“O nosso sistema tributa as gôndulas dos supermercados e armazéns, ou seja, produtos essenciais. Os tributos chegam a 21% do preço do açúcar, feijão, macarrão e em arroz, entre outros alimentos da cesta básica. Então, a cada R$ 100 que você gastar nestes produtos, mais de R$ 20 virão para a União, estados e cidades.”
Outra questão levantada por Costa é o Imposto de Renda. “Todos os países têm imposto sobre a renda. Mas o nosso, assim como todo o modelo, pune quem ganha menos.”
Neste
ano, quem ganha a partir de R$ 1.903,99 teve de acertar as contas com a
Receita Federal. Para o diretor regional do IBPT (Instituto Brasileiro
de Planejamento e Tributação), Alexandre Fiorot, a tabela do IR
desfavorece os trabalhadores de baixa renda, pois em sua opinião, a população que ganha menos paga o mesmo valor de imposto que a população que tem salários maiores, fazendo com que a carga tributária seja cada vez mais alta.
"Enquanto as classes mais baixas saem da isenção ou mudam de faixa, os mais ricos continuam na mesma, de 27,5%", disse. Veja a tabela do IR 2016 aqui.
Para
o economista da Cofecon, este sistema é ineficiente, pois o imposto de
renda não atinge os ricos, mas sim mais pobres. “A base deste ano é de
menos de R$ 2.000. Este valor não deveria ser tributado, pois já temos
uma inflação que corrói os preços. Enquanto isso, as pessoas de renda
muito alta são brandamente atingidas.”
Segundo Costa, isso
acontece porque o Imposto de Renda é composto por muitas normas, com
mais de mil artigos e tratamentos tributários deformados.
Distorções: Por que chegamos a este modelo e por que não mudamos?
Em
2013, 35,95% do PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil destinaram-se ao
pagamento de tributos. Deste total, 24,78% foram de tributos do Governo
Federal, 9,09% dos estados e 2,08% de municípios.
Com este porcentual, a carga tributária brasileira é a mesma de países desenvolvidos. Sendo assim, ela não é compatível com sua renda per capita (por pessoa). Se fosse levada em consideração a renda per capita,
a carga tributária teria de cair para 25%. O mesmo acontece com o IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano). Com a carga atual, o IDH do Brasil
deveria estar próximo ao do Reino Unido.
Além disso, o sistema
tributário tem algumas distorções que fazem os brasileiros pagarem mais
impostos. Uma delas é o cálculo “por dentro” dos tributos, que consiste
em incluir o imposto na sua própria base de cálculo, em vez de cobrá-lo
separadamente. Ao incluir o imposto na base de cálculo, a conta fica
mais cara. Por exemplo, a conta de luz com alíquota de 25% de ICMS,
devido ao cálculo “por dentro”, resulta em uma cobrança de 33,3% do
valor consumido.
Também há incidência de tributo sobre tributo, em
que cada um dos tributos recai sobre si mesmo e sobre os demais, numa
escalada de incidência.
Por outro lado, alguns rendimentos ficam
de fora do Imposto de Renda, como ganhos sobre lucros (Participação de
Lucros e Resultados) e dividendos. “Nosso modelo é assim porque atende
aos interesses dos que são mais fortes economicamente. Ou seja, não se altera porque os ricos não querem”, disse o ex-presidente da Cofecon.
“Países que tomamos como referência, como França, Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, se paga altos tributos, mas são melhores distribuídos. Grandes fortunas, propriedade e herança são taxados. Por aqui, classes elevadas pagam menos impostos.”
Além
de onerar os mais pobres, o sistema tributário penaliza também as
empresas e sua competitividade, na opinião de Coelho. “As indústrias
gastam R$ 35 bilhões por ano para ter estrutura para recolher impostos.
Aqui, temos que gastar milhões de reais com tempo e pessoas treinadas
para lidar com toda a burocracia e com todos os impostos, dinheiro que
poderia ser melhor utilizado em investimentos.”
Para Coelho, o melhor caminho não é aumentar impostos, mas diminuir custos e aumentar a eficiência do governo. “O governo arrecada muito, mas ele tem uma péssima gestão sobre o gasto deste recurso.”
“Até
a cobrança dos impostos é muito caro. O governo tem que ter uma
estrutura gigante para recolher impostos. Por que não pensamos em uma
cobrança mais inteligente? Não cobrar tanto da produção e dos
trabalhadores de baixa renda seria um bom começo.”
Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2016/02/26/sistema-tributario-desigualdade-social_n_9331176.html?ncid=fcbklnkbrhpmg00000004
Nenhum comentário:
Postar um comentário