A festa do Rosário de Nossa Senhora no Brasil está ligada a grupos negros que realizam os autos populares conhecidos pelos nomes de Congada, Congado ou Congos. Por essa vinculação aos negros, o Congado se tornou também uma festa de santos negros, como São Benedito e Santa Efigênia. Embora alguns autores atribuam a gênese do Congado a uma influência européia, ligando-a às lutas religiosas da Idade Média, a hipótese mais forte é que defende a origem afro-brasileira do culto. É importante lembrar que o processo de catequese, através de missionários dominicanos, levara Nossa Senhora do Rosário à África, impondo seu culto aos negros. O acréscimo dos elementos de coroação de reis, lutas e bailados guerreiros é a contribuição africana, numa rememoração das práticas da Terra-Mãe. Mas o traço decisivo da criação do Congado ocorrerá no Brasil colonial, através do processo aculturativo: de um lado, o modelo religioso do branco, de outro, a recriação do negro. Para os Arturos, a festa do Rosário é uma das fases mais importantes para a vida da comunidade, representando o movimento máximo da concretização do amor à Grande Mãe. Há dois grupos nitidamente distintos: as guardas de Congo e Moçambique. A caracterização das guardas pode ser feita através dos seguintes elementos: fundamentação mítica, função, vestuário, símbolos condutores, instrumentos distintos, tipo de movimento e de dança, linguagem dos cantos. Pela fundamentação mítica, as guardas se formaram ainda na África, quando uma imagem de Nossa Senhora do Rosário apareceu no mar. O grupo do Congo se dirigiu para a areia e, tocando seus instrumentos, só conseguiu fazer com que a imagem se movesse uma vez: num movimento rápido, Nossa Senhora se encaminhou para a frente e parou. Então vieram os negros moçambiqueiros, batendo seus tambores recobertos com folhas de inhame, cantando para a Santa e pedindo-lhe que viesse para protegê-los. A imagem veio se encaminhando, no movimento do vai-vem das ondas, lentamente, até chegar à praia. |
A
função das guardas se define através da narrativa
mítica: o Congo puxa todos os dançantes, em movimento rápido,
abrindo caminho; o Moçambique é o responsável pela
Senhora, representada pelos reis cujas coroas a guarda conduz.
O próprio
vestuário se prende à estrutura do mito. Quando os moçambiqueiros
usam as cores de Nossa Senhora - o azul e o branco - e os congos se vestem
de rosa e verde, significando o caminho, com galhos e flores, para a Senhora
passar. Indo à frente, o congo anuncia a chegada dos filhos do Rosário,
preparando a passagem.
Dada a origem africana do ritual, alguns elementos materiais funcionam como fetiches, centralizando o poder e a força sobrenatural. Investidos de magia, transformando-se em símbolos condutores. |
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Ainda
no movimento da dança se replica a força do mito: o Congo
se desloca rapidamente, enquanto é mais lento o movimento dos "donos-de-coroa".
A dança dos congos é saltitante, marcada pela ginga e pelo
cruzamento de pernas e pés; a direção assumida é
da horizontalidade, com deslocamentos laterais (movimento pendular). O
movimento do Moçambique assume uma profundidade que se caracteriza
pela tendência à penetração: é como se
o corpo do dançante quisesse varar a terra, batendo e voltando.
Um
dos elementos mais importantes para a distinção do Congo
e do Moçambique é a linguagem dos cantos. Como guarda mais
antiga, os moçambiqueiros são os senhores da música
secreta e mágica, cantando a memória de África e dos
antepassados. Com a mesma força criativa com que fez seus tambores
de inhame para tirar a Senhora das águas, o Moçambique recria
o canto, com improvisações que podem durar longo tempo: abre-se
a caixinha mágica do inconsciente coletivo e a memória mítica
aflora.
A linguagem
do Congo expressa a religiosidade e a vida mais recente do grupo, através
dos cantos que lembram os problemas sociais com o poder público
e a Igreja, a história de guardas visitantes e as brincadeiras ou
bizarrias. A estrutura do canto é fixa, limitando-se às
improvisações.
Disponível em: http://www.unicamp.br/folclore/folc6/festa_rosario.html
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