terça-feira, 26 de julho de 2016

“SENHOR, ENSINA-NOS A ORAR!”


(Lucas 11,1-13)


“Uma vez estava ele orando em certo lugar; ao terminar, um de seus discípulos lhe pediu: Senhor ensina-nos a orar, como João ensinou a seus discípulos. 
Ele lhes disse: Quando orardes, dizei: “Pai, proclame-se esse teu nome, chegue teu reinado; nosso pão da manhã dá-nos a cada dia e perdoa-nos nossos pecados, que também nós perdoamos a todo nosso devedor, e não nos deixes cair na tentação". 
E acrescentou: -Suponham que um de vocês tem un. amigo, e que ele chega à meia noite dizendo: "Amigo, empresta-me três pães, que um amigo meu chegou de viajem e não tenho nada que oferecer-lhe". E que, desde dentro, o outro lhe res¬ponde: "Deixa-me em paz; a porta já está fechada, meus filhos e eu estamos deitados: não posso levantar-me e te dar os pães. Eu os digo que, se não se levanta para dá-los por ser eu amigo; ao menos por sua impertinência se levantará a dar o que necessita. 
Por minha parte, eu lhes digo: Pedi e se os dará, buscai e encontrareis, chamai e os abrirão; porque todo o que pede recebe, o que busca encontra, e ao que chama lhe abrem. Quem de vós que seja pai, se seu filho lhe pede um peixe, lhe oferece uma serpente? ou, se lhe pede um ovo, vai lhe dar um escorpião? Pois se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas a vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que o pedem!

Diga-me como oras e te direi quem é. É muito possível que o Pai Nosso seja a oração que foi a mais maltratada na história do cristianismo. De una proposta de modelo ou paradigma a transformamos em um rito sem conteúdo, de repetições inconsistentes e de auxiliar para preencher vazios. Os líderes religiosos, que tem horror aos silêncios utilizam esta oração cada vez que não tem idéia do que dizer, não tem espiritualidade, nem podem transparecer, por falta dela, intimidade com Deus, dizem “então vamos rezar um pai-nosso”. Mais que uso é um abuso e é uma invocação muitas vezes vã. De tanto manuseio esta impressionante oração, saída da boca de Jesus Cristo mesmo. Perdeu o sentido de programa de vida para ser um ritual mágico que já não mobiliza a ninguém. 
Hoje nos encontramos com a tarefa de aprender a orar o Pai Nosso juntos e em companhia das pessoas e os grupos excluídos e vulneráveis. Sem dúvida, nesta caminhar com a Teologia da Libertação e da Inclusão e juntos aos pobres e excluídos das igrejas e da sociedade, cada uma das petições desta prece nos revelará novos conteúdos e nos convocará a novas aventuras. 
A primeira petição nos coloca em um plano de comunidade e de família. Todos os seres humanos pertencemos à mesma e única raça, porém com muitas etnias. “Pai, proclame-se esse seu nome”. Reconhecemos que formamos uma única comunidade e que quando um membro desta comunidade sofre estigma e marginalização toda a família humana a sofre. Quando dizemos que o preconceito, a injustiça, a exclusão, a dor, a pobreza é um problema de todos e todas não nos referimos a um problema político e social apenas. Mas sim que a dor, seja ela qual for, é a dor de todos e todas porque temos um mesmo Pai e formamos uma mesma comunhão e comunidade, é uma ou a questão espiritual. Este é o fundamento desta afirmação. Não é a dor ou a injustiça o centro (a política ou a sociedade em si) o centro, mas sim nosso reconhecimento de que em Deus formamos uma única e santa comunhão humana onde ninguém fica excluído ou excluída. Este chamado de Jesus nos une e nos permite ver-nos uns aos outros como irmãos e irmãs. Fico triste em ter que dizer isto não para ateus ou para pessoas de outros credos, mas sim de ter que afirmar e defender esta verdade fundamental da fé cristã para líderes cristãos, para bispos, padres e pastores... 
Porém também temos que ter cuidado ao chamar a Deus “Pai”. Jesus Cristo sempre teve uma atitude muito cautelosa frente às estruturas patriarcais da família daquele e deste tempo. É por isso que nos aconselha nunca a chamar a ninguém “pai” e sua família são aqueles e aquelas que cumprem a vontade de Deus. Certamente muitos dos primeiros cristãos que formavam parte da família extensa tanto romana como judaica, conheciam muito bem os poderes opressivos que exercia o pai de família, e certamente não queria essa estrutura autoritária para seus discípulos. 
Somente através de Jesus, o Filho de Deus e de Maria podemos chamar a Deus Pai porque nos revela uma forma alternativa de paternidade. Não é o modelo autoritário e despótico, mas sim o Pai que nos oferece uma surpreendente misericórdia que sobrepassa tudo o que podemos compreender. Mais que Pai nos revela um amigo que está disposto a dar a vida por nós; um companheiro de caminho na construção de um Reino de iguais; um camarada de tarefa solidaria; um companheiro de aventura que nos convida a una vida de abundância. 
Ao escutar as histórias de vida de muitas pessoas sabemos que também sofreram essas estruturas familiares despóticas, que abandonam ou expulsam aos seus e me pergunto muitas vezes como pode ressoar em seus ouvidos e em suas vidas a palavra “pai”, a palavra “família tradicional”, até mesmo a palavra “irmão”... Quando conhecemos as misérias humanas e a violência que, por exemplo, homossexuais sofrem dentro de casa, nos perguntamos se, de fato, é esta família que Jesus Cristo queria? Diante desta pergunta, não tenho resposta, mas tenha uma grande angústia...
A nova comunidade e a família alternativa à qual nos convoca Jesus Cristo se constrói ao redor de um Pai que não abandona, que não estigmatiza e que não expulsa. É o Pai que nos ama ainda antes que nós o amemos. Sempre nos precede e sempre toma as iniciativas para reconciliar-nos, para apoiar-nos e sustentar-nos em toda circunstância. Não há nada nem ninguém que possa nos apartar de seu amor. Isto deve ficar muito claro desde a primeira frase desta e de todas as nossas preces. 
“…proclame-se esse teu nome”. Toda oração e toda prece é uma proclamação da natureza inclusiva do amor do Pai “que não faz acepção de pessoas” (At 10,34). Esse nome é sempre presença de amigo, de pai e de companheiro. Neste nome cai tudo o que é mentira e falso para dar lugar à verdade e a justiça. Nós somos santificados neste nome que nos convoca a caminhar a segunda milha da solidariedade. Neste nome pomos toda nossa confiança. 
“…chegue teu reinado”. Sabemos que “o Reino de Deus vem em verdade por si só”, como escreveu o padre Martinho Lutero, no Catecismo Maior, 5, porém nós afirmamos que queremos ser cidadãos desse Reino e participar em sua construção, de modo que também sejamos uma parte onde seja santificado seu nome e esteja em vigor seu reino Este reinado deve abrir-se para que possam entrar todos os povos e todas as pessoas e esta é nossa mensagem “a fim de que muitos e muitas venham ao reino de graça e sejam partícipes da redenção conduzida pelo Espírito Santo e para que todos nós fiquemos eternamente em um reino que começou agora. Proclamar à pessoas que vivem em situação de opressão e de vulnerabilidade que o Reino de justiça e de incluso, de paz e de amor, já começou agora e aqui pode ter uma força realmente revolucionária. Essa é nossa petição e nosso compromisso. 


Peçamos primeiro ao amado Pai que nos dê sua Palavra para que o Evangelho seja pregado retamente por todo o mundo; segundo, que também se aceite pela fé e atue e viva em nós, de maneira que teu Reino se exerça entre nós pela palavra e o poder do Espírito Santo e se destrua o reino do mal para que não tenha nenhum direito, nem força sobre nós, até que finalmente fique aniquilado de todo, e o pecado, a morte e o inferno sejam extirpados para que vivamos eternamente em perfeita justiça e bem aventurança. Esta oração nos revela a identidade de quem a realiza. Em primeiro lugar queremos que venha a Palavra, Cristo feito promessa, para que atue e viva em nós. Para que a Palavra nos transforme em sinais de esperança e de vida. Esse Reino que esperamos tem o poder de destruir o reino do mal, da mentira, da injustiça e do ódio e destruir todas as estruturas de injustiça e de iniqüidade que fazem as pessoas sofrer para que finalmente a dor e a morte sejam extirpadas e que possamos juntos como irmãos e irmãs viver em perfeita justiça e felicidade. Essa é a vontade de Deus, nosso Pai comum, e é a vontade que no Espírito Santo estamos chamados a viver agora. 
“…nosso pão da manhã nos dê cada dia”. Este pedido não é só pelo pão, mas sim por todas as necessidades, esta é uma petição realmente integral porque não resta nada fora de seu alcance. Esta petição compreende quanto corresponde a toda esta vida no mundo. Cada vez que hoje pedimos por este pão de cada dia estamos pedindo pelo aceso universal aos frutos da justiça e da solidariedade. Recordemos as necessidades das pessoas cada vez que oremos esta oração. 
“…e perdoa-nos nossos pecados, que também nós perdoamos a todo devedor nosso”. Quanta força tem esta petição no contexto do trabalho pastoral junto com as pessoas pobres e feridas pela ganância de alguns!!


Juntos e juntas, em comunhão e em comunidade, nos pomos sob o olhar do que nos chama a ser irmãos e irmãs para assumir este compromisso de reconciliação e perdão. Este é o fundamento de nossa família humana e de nossa comunhão. A diversidade reconciliada que se une no mesmo e único pedido que possibilite toda inclusão. Quanto perdão temos que pedir aqueles e aquelas que nos temos sentido donos de Deus! Que Deus aquebrante nosso orgulho e nos mantenha na humildade! Sempre estamos tentados a pedir que os demais não tenham orgulho e que os outros e outras sejam humildes, porém ao unir-nos nesta petição, que não se pode fazer sozinho, nasce uma comunidade sem fronteiras e sem muros divisórios: se alguém queira vangloriar-se de sua probidade e menosprezar a outros e outras, ha de examinar-se a si mesmo e ter presente esta oração.
“… e não nos deixes ceder à tentação". Sempre existe a tentação de voltar aos valores desse mundo que se opõe ao Reino e onde não se cumpre a vontade do Deus do reino, e para isso o Pai do céu nos dará seu Espírito Santo cada vez que tenhamos a tentação de abandonar seu Reino.


Foto do perfil de Antonio Piber
Dom Antônio Piber, Abade
Mosteiro Domus Mariae

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