Bertolt Brecht - foto (...)
Eugen Berthold Friedrich Brecht dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. nasceu a 10 Fevereiro 1898, em Augsburgo, Alemanha e morreu a 14 Agosto 1956, em Berlim Leste, Alemanha. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble.
Brecht, por David Levine - Clifford Odets February 4, 1982 |
Brecht é uma época. Uma época tumultuosa de rebeldia e de protesto. Refletem-se, em suas obras, os problemas fundamentais do mundo atual: a luta pela emancipação social da humanidade. Brecht tem plena consciência do que pretende fazer. Usa o materialismo dialético da maneira mais sábia para a revolução estética que se dispôs a promover na poesia e no teatro.
A poesia de Bertold Brecht
Brecht tem, sobre a poesia, o mesmo pensamento que tem sobre a arte dramática. Maneja-a da maneira mais sábia em defesa da liberdade do homem. Há, em seus poemas, o mesmo sentido épico e didático de suas peças teatrais. Recusa-se a aceitar uma poesia alheia aos acontecimentos sociais. Exige que ela seja atuante sem perder, entretanto, o seu sentido artístico. A poesia moderna deve estar ao lado da revolução.
O êxito excepcional do teatro e da poesia de Brecht confirma a justeza de seus pontos-de-vista. Sua arte é duplamente revolucionária: no fundo e na forma. Não só se opõe à estética de Aristóteles como não se submete ao convencionalismo e aos preconceitos sociais. Escreve independentemente como acha que se deve escrever.
:: Texto extraído: MONIZ, Edmundo. "Objetivo da poesia moderna", em 'Bertolt Brecht – Uma Breve Biografia (1898-1956)'. in: Cultura Brasil. / e releituras (acessado em 18.6.2015).
ALGUMAS OBRAS DE BERTOLT BRECHT PUBLICADAS
NO BRASIL
Poesia
Bertolt Brecht - foto (...) |
:: Antologia Poética. Bertolt Brecht. [seleção e tradução de Edmundo Moniz]. Rio de Janeiro: Elo Editora, 1982.
:: Seleção de Poesias, textos e teatro. São Paulo: Dinossauro, 1999.
:: Poemas 1913-1956. Bertolt Brecht. [seleção e tradução Paulo Cesar de souza]. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986; São Paulo: Editora 34, 2000.
:: Teatro dialético. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
:: Estudos sobre teatro. Bertolt Brecht. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
:: O circulo de giz caucasiano. Bertolt Brecht. [tradução e apresentação Manuel Bandeira; prefácio Christine Röhrig e Samuel Titan Jr.; ensaio Roland Barthes]. Coleção prosa do mundo. São Paulo: Cosac Naify, 32 il., 216p.
Bertolt Brecht - foto (...) |
POEMAS ESCOLHIDOS DE BERTOLT BRECHT
A árvore em fogo
Na ténue névoa vermelha da noite
Víamos as chamas, rubras, oblíquas
Batendo em ondas contra o céu escuro.
No campo em morna quietude
Crepitando
Queimava uma árvore.
Para cima estendiam-se os ramos, de medo estarrecidos
Negros, rodeados de centelhas
De chuva vermelha.
Através da névoa rebentava o fogo.
Apavorantes dançavam as folhas secas
Selvagens, jubilantes, para cair como cinzas
Zombando, em volta do velho tronco.
Mas tranqüila, iluminando forte a noite
Como um gigante cansado à beira da morte
Nobre, porém, em sua miséria
Erguia-se a árvore em fogo.
E subitamente estira os ramos negros, rijos
A chama púrpura a percorre inteira –
Por um instante fica erguida contra o céu escuro
E então, rodeada de centelhas
Desaba.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 9.
Bertolt Brecht - foto: Josef Breitenbach (Paris, 1937) |
A emigração dos poetas
Homero não tinha morada
E Dante teve que deixar a sua.
Li-Po e Tu-Fu andaram por guerras civis
Que tragaram 30 milhões de pessoas
Eurípides foi ameaçado com processos
E Shakespeare, moribundo, foi impedido de falar.
Não apenas a Musa, também a polícia
Visitou François Villon.
Conhecido como “o Amado”
Lucrécio foi para o exílio
Também Heine, e assim também
Brecht, que buscou refúgio
Sob o teto de palha dinamarquês.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 121.
A infanticida Marie Farrar
1
Marie Farrar, nascida em abril, menor
De idade, raquítica, sem sinais, órfã
Até agora sem antecedentes, afirma
Ter matado uma criança, da seguinte maneira:
Diz que, com dois meses de gravidez
Visitou uma mulher num subsolo
E recebeu, para abortar, uma injeção
Que em nada adiantou, embora doesse.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
2
Ela porém, diz, não deixou de pagar
O combinado, e passou a usar uma cinta
E bebeu álcool, colocou pimenta dentro
Mas só fez vomitar e expelir.
Sua barriga aumentava a olhos vistos
E também doía, por exemplo, ao lavar pratos.
E ela mesma, diz, ainda não terminara de crescer.
Rezava à Virgem Maria, a esperança não perdia.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
3
Mas as rezas foram de pouca ajuda, ao que parece.
Havia pedido muito. Com o corpo já maior
Desmaiava na Missa. Várias vezes suou
Suor frio, ajoelhada diante do altar.
Mas manteve seu estado em segredo
Até a hora do nascimento.
Havia dado certo, pois ninguém acreditava
Que ela, tão pouco atraente, caísse em tentação.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
4
Nesse dia, diz ela, de manhã cedo
Ao lavar a escada, sentiu como se
Lhe arranhassem as entranhas. Estremeceu.
Conseguiu no entanto esconder a dor.
Durante o dia, pendurando a roupa lavada
Quebrou a cabeça pensando: percebeu angustiada
Que iria dar à luz, sentindo então
O coração pesado. Era tarde quando se retirou.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
5
Mas foi chamada ainda uma vez, após se deitar:
Havia caído mais neve, ela teve que limpar.
Isso até a meia-noite. Foi um dia longo.
Somente de madrugada ela foi parir em paz.
E teve, como diz, um filho homem.
Um filho como tantos outros filhos.
Uma mãe como as outras ela não era, porém
E não podemos desprezá-la por isso.
Mas os senhores, por favor, não fiquem indignados.
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
6
Vamos deixá-la então acabar
De contar o que aconteceu ao filho
(Diz que nada deseja esconder)
Para que se veja como sou eu, como é você.
Havia acabado de se deitar, diz, quando
Sentiu náuseas. Sozinha
Sem saber o que viria
Com esforço calou seus gritos.
E os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos precisamos de ajuda, coitados.
7
Com as últimas forças, diz ela
Pois seu quarto estava muito frio
Arrastou-se até o sanitário, e lá (já não
sabe quando) deu à luz sem cerimônia
Lá pelo nascer do sol. Agora, diz ela
Estava inteiramente perturbada, e já com o corpo
Meio enrijecido, mal podia segurar a criança
Porque caía neve naquele sanitário dos serventes.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
8
Então, entre o quarto e o sanitário — diz que
Até então não havia acontecido — a criança começou
A chorar, o que a irritou tanto, diz, que
Com ambos os punhos, cegamente, sem parar
Bateu nela até que se calasse, diz ela.
Levou em seguida o corpo da criança
Para sua cama, pelo resto da noite
E de manhã escondeu-o na lavanderia.
Os senhores, por favor, não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
9
Marie Farrar, nascida em abril
Falecida na prisão de Meissen
Mãe solteira, condenada, pode lhes mostrar
A fragilidade de toda criatura. Vocês
Que dão à luz entre lençóis limpos
E chamam de “abençoada” sua gravidez
Não amaldiçoem os fracos e rejeitados, pois
Se o seu pecado foi grave, o sofrimento é grande.
Por isso lhes peço que não fiquem indignados
Pois todos nós precisamos de ajuda, coitados.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 40-43.
A paisagem do exílio
Mas também eu, no último barco
Vi ainda a alegria da aurora no cordame
E os corpos cinza claro dos golfinhos, emergindo
Do Mar do Japão
E os pequenos carros a cavalo com decoração em ouro
E os véus cor de rosa sobre os braços das matronas
Nas ruelas da condenada Manila
Viu também o fugitivo com prazer.
As torres de petróleo e os jardins sedentos de Los Angeles
E os desfiladeiros da Califórnia ao anoitecer, e os mercados de frutas
Também não deixaram indiferente
O mensageiro do infortúnio.
- Bertold Brecht, em "Poemas 1913-1956". [Seleção e tradução de Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 24, 2001. p. 286.
A troca da roda
Estou sentado no barranco da estrada.
O condutor trocando a roda.
Não gosto do lugar de onde vim.
Não gosto do lugar para onde vou.
Por que eu vejo a troca da roda
Com impaciência?
- Bertold Brecht. "Der Radwechsel". [tradução de Markus J. Weininger e Rosvitha Friesen Blume. In: BLUME, Rosvitha Friesen; WEININGER, Markus J. (orgs.). Seis décadas de poesia alemã. Do pós-guerra ao início do século XXI. Antologia bilingue. Florianópolis: Editora UFSC, 2012.
Amigos
Se viesses em um coche
E eu vestisse um traje de camponês
E nos encontrássemos um dia na rua
Descerias e farias reverência.
E se vendesses água
E eu viesse montado em um cavalo
E nos encontrássemos um dia na rua
Desceria eu a te cumprimentar.
Poeta desconhecido (c. 100 a.C.)
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 146.
Aos que vão nascer
1
É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.
Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?
Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nado do que faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)
As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d`água falta ao quem tem sede?
E no entanto eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros se encontra o que é a sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.
2
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podiam fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.
3
Vocês, que emergirão do dilúvio
Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. Ah, e nós
Que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.
Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós
Com simpatia.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956"[seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 212-214.
Aos que vierem depois de nós
I
Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
II
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
III
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
- Bertolt Brecht (Tradução Manuel Bandeira)
Canto de uma amada
1. Eu sei, amada: agora me caem os cabelos, nessa vida dissoluta, e eu tenho que deitar nas pedras. Vocês me vêem bebendo as cachaças mais baratas, e eu ando nu no vento.
2. Mas houve um tempo, amada, em que era puro.
3. Eu tinha uma mulher que era mais forte que eu, como o capim é mais forte que o touro: ele se levanta de novo.
4. Ela via que eu era mau, e me amou.
5. Ela não perguntava para onde ia o caminho que era seu, e talvez ele fosse para baixo. Ao me dar seu corpo, ela disse: Isso é tudo. E seu corpo se tornou meu corpo.
6. Agora ela não está mais em lugar nenhum, desapareceu como uma nuvem após a chuva, eu a deixei, ela caiu, pois este era seu caminho.
7. Mas à noite, às vezes, quando me vêem bebendo, vejo o rosto dela, pálido no vento, forte, voltado para mim, e me inclino no vento.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 20.
Vi ainda a alegria da aurora no cordame
E os corpos cinza claro dos golfinhos, emergindo
Do Mar do Japão
E os pequenos carros a cavalo com decoração em ouro
E os véus cor de rosa sobre os braços das matronas
Nas ruelas da condenada Manila
Viu também o fugitivo com prazer.
As torres de petróleo e os jardins sedentos de Los Angeles
E os desfiladeiros da Califórnia ao anoitecer, e os mercados de frutas
Também não deixaram indiferente
O mensageiro do infortúnio.
- Bertold Brecht, em "Poemas 1913-1956". [Seleção e tradução de Paulo César de Souza]. São Paulo: Editora 24, 2001. p. 286.
A troca da roda
Estou sentado no barranco da estrada.
O condutor trocando a roda.
Não gosto do lugar de onde vim.
Não gosto do lugar para onde vou.
Por que eu vejo a troca da roda
Com impaciência?
- Bertold Brecht. "Der Radwechsel". [tradução de Markus J. Weininger e Rosvitha Friesen Blume. In: BLUME, Rosvitha Friesen; WEININGER, Markus J. (orgs.). Seis décadas de poesia alemã. Do pós-guerra ao início do século XXI. Antologia bilingue. Florianópolis: Editora UFSC, 2012.
Amigos
Se viesses em um coche
E eu vestisse um traje de camponês
E nos encontrássemos um dia na rua
Descerias e farias reverência.
E se vendesses água
E eu viesse montado em um cavalo
E nos encontrássemos um dia na rua
Desceria eu a te cumprimentar.
Poeta desconhecido (c. 100 a.C.)
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 146.
Aos que vão nascer
1
É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice. Uma testa sem rugas
Indica insensibilidade. Aquele que ri
Apenas não recebeu ainda
A terrível notícia.
Que tempos são esses, em que
Falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranqüilo
Não está mais ao alcance de seus amigos
Necessitados?
Sim, ainda ganho meu sustento
Mas acreditem: é puro acaso. Nado do que faço
Dá-me o direito de comer quando eu tenho fome.
Me dá direito a comer a fartar.
Por acaso fui poupado. (Se minha sorte acaba, estou perdido.)
As pessoas me dizem: Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso comer e beber, se
Tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d`água falta ao quem tem sede?
E no entanto eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser sábio.
Nos velhos livros se encontra o que é a sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo
E passar sem violência
Pagar o mal com o bem
Não satisfazer os desejos, mas esquecê-los
Isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros.
2
À cidade cheguei em tempo de desordem
Quando reinava a fome.
Entre os homens cheguei em tempo de tumulto
E me revoltei junto com eles.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
A comida comi entre as batalhas
Deitei-me para dormir entre os assassinos
Do amor cuidei displicente
E impaciente contemplei a natureza.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As ruas de meu tempo conduziam ao pântano.
A linguagem denunciou-me ao carrasco.
Eu pouco podiam fazer. Mas os que estavam por cima
Estariam melhor sem mim, disso tive esperança.
Assim passou o tempo
Que sobre a terra me foi dado.
As forças eram mínimas. A meta
Estava bem distante.
Era bem visível, embora para mim
Quase inatingível.
Assim passou o tempo
Que nesta terra me foi dado.
3
Vocês, que emergirão do dilúvio
Em que afundamos
Pensem
Quando falarem de nossas fraquezas
Também nos tempos negros
De que escaparam.
Andávamos então, trocando de países como de sandálias
Através das lutas de classes, desesperados
Quando havia só injustiça e nenhuma revolta.
Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza
Deforma as feições.
Também a ira pela injustiça
Torna a voz rouca. Ah, e nós
Que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.
Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós
Com simpatia.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956"[seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 212-214.
Aos que vierem depois de nós
I
Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?
É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"
Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.
Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.
II
Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.
III
Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.
Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.
E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
- Bertolt Brecht (Tradução Manuel Bandeira)
Canto de uma amada
1. Eu sei, amada: agora me caem os cabelos, nessa vida dissoluta, e eu tenho que deitar nas pedras. Vocês me vêem bebendo as cachaças mais baratas, e eu ando nu no vento.
2. Mas houve um tempo, amada, em que era puro.
3. Eu tinha uma mulher que era mais forte que eu, como o capim é mais forte que o touro: ele se levanta de novo.
4. Ela via que eu era mau, e me amou.
5. Ela não perguntava para onde ia o caminho que era seu, e talvez ele fosse para baixo. Ao me dar seu corpo, ela disse: Isso é tudo. E seu corpo se tornou meu corpo.
6. Agora ela não está mais em lugar nenhum, desapareceu como uma nuvem após a chuva, eu a deixei, ela caiu, pois este era seu caminho.
7. Mas à noite, às vezes, quando me vêem bebendo, vejo o rosto dela, pálido no vento, forte, voltado para mim, e me inclino no vento.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 20.
Bertolt Brecht - foto (...) |
Da sedução dos anjos
Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –
Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
- Bertolt Brecht, 'Da Sedução - Poemas Eróticos'. [com gravuras de Pablo Picasso; tradução de Aires Graça; Revisão de João Carlos Alvim]. 3.ª ed., Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004.
De todas as obras
De todas as obras humanas, as que mais amo
São as que foram usadas.
Os recipientes de cobre com as bordas achatadas, e com mossas
Os garfos e facas cujos cabos de madeira
Foram gastos por muitas mãos; tais formas
São para mim as mais nobres. Assim também as lajes
Polidas por muitos pés, e entre as quais
Crescem tufos de grana: estas
São obras felizes.
Admitidas no hábito de muitos
Com frequência mudadas, aperfeiçoam seu formato e tornam-se valiosas
Porque delas tanto se valeram.
Mesmo as esculturas quebradas
Com suas mãos decepadas, me são queridas. Também elas
São vivas para mim. Deixaram-nas cair, mas foram carregadas.
Embora acidentadas, jamais estiveram altas demais.
As construções quase em ruína
Têm de novo a aparência de incompletas
Planejadas generosamente: suas belas proporções
Já podem ser adivinhadas, ainda necessitam porém
De nossa compreensão. Por outro lado
Elas já serviram, sim, já foram superadas. Tudo isso
Me contenta.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 84.
Anjos seduzem-se: nunca ou a matar.
Puxa-o só para dentro de casa e mete-
-Lhe a língua na boca e os dedos sem frete
Por baixo da saia até se molhar
Vira-o contra a parede, ergue-lhe a saia
E fode-o. Se gemer, algo crispado
Segura-o bem, fá-lo vir-se em dobrado
P'ra que do choque no fim te não caia.
Exorta-o a que agite bem o cu
Manda-o tocar-te os guizos atrevido
Diz que ousar na queda lhe é permitido
Desde que entre o céu e a terra flutue –
Mas não o olhes na cara enquanto fodes
E as asas, rapaz, não lhas amarrotes.
- Bertolt Brecht, 'Da Sedução - Poemas Eróticos'. [com gravuras de Pablo Picasso; tradução de Aires Graça; Revisão de João Carlos Alvim]. 3.ª ed., Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004.
De todas as obras
De todas as obras humanas, as que mais amo
São as que foram usadas.
Os recipientes de cobre com as bordas achatadas, e com mossas
Os garfos e facas cujos cabos de madeira
Foram gastos por muitas mãos; tais formas
São para mim as mais nobres. Assim também as lajes
Polidas por muitos pés, e entre as quais
Crescem tufos de grana: estas
São obras felizes.
Admitidas no hábito de muitos
Com frequência mudadas, aperfeiçoam seu formato e tornam-se valiosas
Porque delas tanto se valeram.
Mesmo as esculturas quebradas
Com suas mãos decepadas, me são queridas. Também elas
São vivas para mim. Deixaram-nas cair, mas foram carregadas.
Embora acidentadas, jamais estiveram altas demais.
As construções quase em ruína
Têm de novo a aparência de incompletas
Planejadas generosamente: suas belas proporções
Já podem ser adivinhadas, ainda necessitam porém
De nossa compreensão. Por outro lado
Elas já serviram, sim, já foram superadas. Tudo isso
Me contenta.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 84.
Do pobre B.B.
1
Eu, Bertolt Brecht, venho da floresta negra.
Para a cidade minha mãe me carregou
Quando ainda vivia no seu ventre. O frio da floresta
Estará em mim até o dia em que eu me for.
2
Na cidade de asfalto estou em casa. Recebi
Desde o início todos os sacramentos finais:
Jornais, muito fumo e aguardente. Desconfiado
Preguiçoso e contente – não posso querer mais!
3
Sou amável com as pessoas. Uso
Um chapéu cartola segundo seu costume.
Digo: São animais de cheiro bem peculiar
E digo: Não faz mal, também tenho este perfume.
4
Pelas manhãs, em minha cadeira de balanço
De vez em quando uma mulher faço sentar
E observando-a calmamente lhe digo:
Em mim você tem alguém em quem não pode confiar.
5
À noite, alguns homens se reúnem à minha volta
E entre nós, “gentlemen” é o tratamento vigente.
Colocam os pés sobre a minha mesa
Dizem: As coisas vão melhorar. E eu não pergunto: Realmente?
6
Na luz cinzenta da aurora os pinheiros urinam
E seus parasitas, os pássaros, começam o gorjeio.
Por essa hora eu na cidade, entorno a bebida
Jogo fora o charuto e vou dormir com receio.
7
Habitamos, uma geração fácil
Em casas que acreditávamos eternas
(Assim construímos aquelas imensas caixas na ilha de Manhattan
E as antenas cujos sinais cruzam o mar como invisíveis lanternas).
8
Destas cidades ficará: o vento que por elas passa!
A casa faz alegre o conviva: ele a esvazia.
Sabemos que somos fugazes
E depois nada virá somente poesia.
9
Nos terremotos que virão tenho esperança
De não deixar meu “Virgínia” apagar com amargura
Eu, Bertolt Brecht, chegado há tempo na selva de asfalto
No ventre de minha mãe, vindo da floresta escura.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 53-54.
Eu, que nada mais amo
Eu, que nada mais amo
Do que a insatisfação com o que se pode mudar
Nada mais detesto
Do que a profunda insatisfação com o que não pode ser mudado.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo, Editora 34, 2000, p. 82.
Hábitos de amar
Não é exacto que o prazer só perdura.
Muita vez vivido, cresce ainda mais.
Repetir as mil versões prévias, iguais
É aquilo que a nossa atracção segura:
O frémito do teu traseiro há muito
A pedi-las! Oh, a tua carne é ardil!
E a segunda é, que traz venturas mil,
Que a tua voz presa exija o desfruto!
Esse abrir de joelhos! Esse deixar-se coitar!
E o tremer, que à minha carne sinal solta
Que saciada a ânsia, logo te volta!
Esse serpear lasso! As mãos a buscar-
Me. Tua a sorrir!
Ai, vezes que se faça:
Não fossem já tantas, não tinha tanta graça!
- Bertolt Brecht, 'Da Sedução - Poemas Eróticos'. [com gravuras de Pablo Picasso; tradução de Aires Graça; Revisão de João Carlos Alvim]. 3.ª ed., Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004.
Bertolt Brecht - foto (...) |
Lista de preferências de orge
Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis;
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, Outubro
Elementos, os fogos
Divindades, o Logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 47.
Manhã maligna
O álamo branco, famosa beldade local
hoje uma velha bruxa. O lago
um charco de águas de lavagem. Não agitar!
As fúcsias junto à boca-de-leão – baratas e fúteis,
Por que?
À noite em sonho eu vira dedos que me apontavam
como a um leproso. Dedos rotos
dedos tortos.
Ignorantes! gritei
cheio de culpa.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 156-157.
O primeiro olhar pela janela de manhã
O primeiro olhar pela janela de manhã.
O velho livro redescoberto.
Rostos entusiasmados.
Neve, o câmbio das estações.
O jornal.
O cão.
A dialética.
Duchas, nadar.
Música antiga.
Sapatos cômodos.
Compreender.
Música nova.
Escrever, plantar.
Viajar, cantar.
Ser cordial.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 152-153.
Para ler de manhã e à noite
Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 135.
Perguntas de um trabalhador que lê
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida,
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 166.
Alegrias, as desmedidas.
Dores, as não curtidas.
Casos, os inconcebíveis;
Conselhos, os inexeqüíveis.
Meninas, as veras.
Mulheres, insinceras.
Orgasmos, os múltiplos.
Ódios, os mútuos.
Domicílios, os temporários.
Adeuses, os bem sumários.
Artes, as não rentáveis.
Professores, os enterráveis.
Prazeres, os transparentes.
Projetos, os contingentes.
Inimigos, os delicados.
Amigos, os estouvados.
Cores, o rubro.
Meses, Outubro
Elementos, os fogos
Divindades, o Logos.
Vidas, as espontâneas.
Mortes, as instantâneas.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 47.
Manhã maligna
O álamo branco, famosa beldade local
hoje uma velha bruxa. O lago
um charco de águas de lavagem. Não agitar!
As fúcsias junto à boca-de-leão – baratas e fúteis,
Por que?
À noite em sonho eu vira dedos que me apontavam
como a um leproso. Dedos rotos
dedos tortos.
Ignorantes! gritei
cheio de culpa.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 156-157.
O primeiro olhar pela janela de manhã
O primeiro olhar pela janela de manhã.
O velho livro redescoberto.
Rostos entusiasmados.
Neve, o câmbio das estações.
O jornal.
O cão.
A dialética.
Duchas, nadar.
Música antiga.
Sapatos cômodos.
Compreender.
Música nova.
Escrever, plantar.
Viajar, cantar.
Ser cordial.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 152-153.
Para ler de manhã e à noite
Aquele que amo
Disse-me
Que precisa de mim.
Por isso
Cuido de mim
Olho meu caminho
E receio ser morta
Por uma só gota de chuva.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 135.
Perguntas de um trabalhador que lê
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis.
Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia, várias vezes destruída –
Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas
Da Lima dourada moravam os construtores?
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta?
A grande Roma esta cheia de arcos do triunfo.
Quem os ergueu? Sobre quem
Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio
Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo na lendária Atlântida,
Os que se afogavam gritaram por seus escravos
Na noite em que o mar a tragou.
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Sozinho?
César bateu os gauleses.
Não levava sequer um cozinheiro?
Filipe da Espanha chorou, quando sua Armada
Naufragou. Ninguém mais chorou?
Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.
Quem venceu além dele?
Cada pagina uma vitória.
Quem cozinhava o banquete?
A cada dez anos um grande Homem.
Quem pagava a conta?
Tantas histórias.
Tantas questões.
- Bertolt Brecht, em "Poemas 1913-1956". [seleção e tradução de Paulo César de Souza], São Paulo: Editora 34, 2000, p. 166.
Um trabalhador, ao ler, pergunta...
Quem construiu a heptápila Tebas?
Nos livros há só nomes de reis.
Foram os reis quem transportou as pedras?
E a tantas vezes destruída Babilónia –
Quem tantas vezes a reconstruiu? E em que casas
De Lima, a cintilante de oiro, os construtores moraram?
Para onde foram, na tarde em que acabaram a Muralha da China
Os alvanéis? A grande Roma
Está cheia de arcos triunfais. Quem os ergueu? E sobre quem
Triunfaram os Césares? Tinha a celebrada Bizâncio
Só palácios para os habitantes? Até na Atlântida fantástica
Gritava, na noite em que o mar a engolia,
Quem se afogava, pelos seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias.
Sozinho?
César bateu as Gálias.
Não tinha com ele sequer um cozinheiro?
Filipe de Espanha chorou, quando a Armada
Foi ao fundo. Mais ninguém chorou?
Frederico II ganhou a Guerra dos Sete Anos. Quem a ganhou para ele?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhou o banquete triunfal?
Cada dez anos um grande Homem.
Quem pagou a conta?
Tantas histórias.
Outras tantas perguntas.
- Bertolt Brecht/ Jorge de Sena, Poesia do Século XX (De Thomas Hardy a C. V. Cattaneo), Antologia, tradução e notas de Jorge de Sena, Editorial Inova, Porto, 1978.
Bertolt Brecht - foto (...) |
Reivindicação da arte
A boa, que ao seu amor nada nega
E se lhe entrega com antecipação
Saiba: que não é boa vontade não
Mas talento, o que ele deseja na esfrega.
Mesmo se à velocidade do som
Do sou-tua dela à cópula chega
Não é pressa que o botão dele carrega
Quando às bolas seminais dá vazão.
Se é o amor que primeiro atiça o fogo
Precisa ela depois,
Para Inverno amparado
De ser dona ainda de um traseiro dotado.
De facto, mais que o fervor no olhar
(Também faz falta) um truque há que usar:
Coxas soberbas, em soberbo jogo.
- Bertolt Brecht, 'Da Sedução - Poemas Eróticos'. [com gravuras de Pablo Picasso; tradução de Aires Graça; Revisão de João Carlos Alvim]. 3.ª ed., Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004.
Sobre um Leão Chinês de Raiz de Chá
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 164-165.
A boa, que ao seu amor nada nega
E se lhe entrega com antecipação
Saiba: que não é boa vontade não
Mas talento, o que ele deseja na esfrega.
Mesmo se à velocidade do som
Do sou-tua dela à cópula chega
Não é pressa que o botão dele carrega
Quando às bolas seminais dá vazão.
Se é o amor que primeiro atiça o fogo
Precisa ela depois,
Para Inverno amparado
De ser dona ainda de um traseiro dotado.
De facto, mais que o fervor no olhar
(Também faz falta) um truque há que usar:
Coxas soberbas, em soberbo jogo.
- Bertolt Brecht, 'Da Sedução - Poemas Eróticos'. [com gravuras de Pablo Picasso; tradução de Aires Graça; Revisão de João Carlos Alvim]. 3.ª ed., Lisboa: Editorial Bizâncio, 2004.
Sobre um Leão Chinês de Raiz de Chá
Os maus temem tuas garras.
Os bons alegram-se com teu garbo.
O mesmo
quero ouvir
de meus versos.
- Bertolt Brecht/ Haroldo de Campos, O duplo compromisso de Bertolt Brecht. In:_____. O Arco-Íris Branco, Rio de Janeiro, Imago, 1997, p. 164-165.
Bertolt Brecht, por AU 2009 |
ALGUMA BIBLIOGRAFIA
SOBRE A OBRA POÉTICA DE
BERTOLT BRECHT
BARROSO, Ivo. A poesia utilitária de Bertolt Brecht. in: Gaveta do Ivo, 21.7.2012. Disponível nolink. (acessado em 18.6.2015).
BREVE antologia de Brecht. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, abril/junho de 1966, n°. 9-10.
COSTA, Walter Carlos. Três Brechts. Fragmentos, número 25, p. 069/076 Florianópolis/ jul - dez/ 2003. Disponível no link. (acessado em 18.6.2015).
CUNHA, Vasco Soares de Oliveira. Bertolt Brecht (1898–1956).Vida e Obra. Millenium, 45, junho/dezembro 2013. p. 169-179. Disponível no link. (acessado em 17.6.2015).
DANIEL, Claudio. Reflexões brechtianas. in: Vermelho, 8 de novembro de 2013. Disponível nolink. (acessado em 18.6.2015).
KONDER, Leandro. A Poesia de Brecht e a História. IEA/USP. Disponível no link. (acessado em 15.6.2015).
PAIS, Carlos Castilho. Noite e dia na tradução dos poemas de B. Brecht. in: univ.ab/pt. Disponível no link. (acessado em 18.6.2015).
PEIXOTO, Fernando. Brecht vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
© Pesquisa, seleção e organização: Elfi Kürten Fenske e José Alexandre
____
** Página atualizada em 28.10.2015.
Disponível em: http://www.elfikurten.com.br/2015/06/bertolt-brecht.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário