
“Em São Paulo, parece que o público assiste pelo telefone. É a cidade do telefone.” Em entrevista a Luciana Gimenez, Mick Jagger reclamou do pessoal que foi assistir ao seu show e não desgrudou do celular.
A opinião do vocalista dos Rolling Stones é corroborada por Dean Goodman, jornalista que assistiu a 232 shows da banda pelo mundo. Ele avaliou da seguinte forma a apresentação no Rio: “É um show dos Rolling Stones ou uma convenção de smartphones? Os brasileiros podem ser belos, mas será que precisam ficar fazendo selfies durante o show inteiro, com as costas para o palco?''
É interessante como registrar um evento e mostrar ao mundo que esteve nele torna-se mais importante que viver o momento.
Em novembro do ano passado, foi assim com os atentados terroristas em Paris. Claro que a maioria dos que estavam visitando esses locais queriam prestar homenagens aos que foram assassinados e solidariedade aos parentes. Também havia os que foram guiados pela mera curiosidade mórbida e aqueles que estavam lá para verem e serem vistos.
Um grupo, contudo, foi aos locais da tragédia porque queriam fazer parte de algo sobre o qual toda a mídia e redes sociais estavam falando – mesmo que não compreendesse muito bem o que acontecia.
Querem ir para poderem dizer “estive lá''. Foi assim também com parte dos que visitaram nomes como Ayrton Senna ou Roberto Marinho, cujas mortes, como a de Eduardo Campos, foram intensamente cobertas por veículos de comunicação por diferentes razões.
Como já disse antes neste blog, para muitos destes, a conexão com o mundo se dá através da postagem de uma foto nas redes sociais. Se possível, com uma selfie que é para não deixar margem de dúvida. E caso não mostre a foto a ninguém, o esforço de ter ido ao local não fará sentido algum. Pois, para essa pessoa, a constatação de que aquilo foi real depende de validação externa, a partir do momento em que sua imagem for atestada coletivamente por “likes''.
Se você não postou é porque não esteve lá. E estar “lá'' dá sentido às coisas naquele momento, coloca você no lugar quentinho que é o sentimento de pertencimento. Afinal, o mundo inteiro está falando de “lá''.
Não estou dizendo que isso esvazia a experiência individual e coletiva de viver a catarse causada por um show, um ataque terrorista ou a morte de alguém conhecido e/ou querido. Também não estou afirmando que existe apenas uma forma de expressar alegria, luto ou respeito. Mas esse tipo de comportamento, muito típico das chamadas “gincanas digitais'', transforma essa experiência em algo novo.
Uma das cenas mais assustadoras é a sala onde fica a Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris. Dezenas de pessoas se acotovelando não para ver a pintura, mas para conseguir um instantâneo de péssima qualidade para mostrar aos amigos, via redes sociais, que ele ou ela estiveram lá. Sendo que há reproduções de melhor qualidade, gratuitamente, na rede ou vendidas na lojinha do museu.
(Se isso o faz feliz, ótimo. Seguir modelos e regras é um porre. Só não me convide depois para contar da sua viagem e empurrar, goela abaixo, uma sequência de fotos (mal tiradas) de pinturas e esculturas. “Tá vendo esse incompreensível borrão? É a Mona Lisa!'')
Já ouvi pessoas reclamando da falta de respeito dos que, ao ficarem admirando um quadro na velocidade que achavam necessário, atrapalhavam as fotos de outros. “Pessoas não tem mais respeito em museus!'' Ou seja, se você vai a esses lugares para ver obras, fique em casa, seu imbecil. Museu é lugar de selfies.
Será que as pessoas que visitam esse locais fotografando compulsivamente tudo o que aparece pela frente, ziguezagueando feito uma barata doidona, realmente se lembram do que viram um mês depois? Ou conseguiram dialogar com o artista? Será que ao menos elas estavam lá?
Não é a primeira vez que trago essa discussão aqui, mas achei válido por conta do show dos Rolling Stones e de toda a discussão que tomou a rede sobre a questão das selfies. Pois, pior do que sair fotografando obras de arte de forma alucinada é gravar shows inteiros de música no celular. Perde-se o show para, depois, subir um vídeo tosco nas redes sociais a fim de validar a presença publicamente.
Durante um show do U2, fiquei curioso com uma moça que, braço estendido com o smartphone sobre sua cabeça, registrava tudo. De tempos em tempos, trocava o braço, provavelmente para fugir da cãibra. Ficava irritada se alguém pulava à sua frente. Afinal, o que achavam que era aquilo? Um show de rock?
Enfim, capturar é mais importante que sentir em um mundo em que ter é mais relevante que ser. A impressão é que a memória vai sendo transferida, paulatinamente, da cabeça para cartões SD ou para as seções de fotos nas redes sociais, tornando-nos cada vez mais dependentes disso para recriar nossas vivências.
O mesmo se aplica a viajar. Para muitos, conhecer uma nova realidade é ir ticando uma lista de ícones – “pronto, já vi'' – derivados de guias simplistas ou matérias de turismo duvidosas que reforçam a caça ao tesouro.
Sem considerar, é claro, uma vida inteira de bombardeio de padrões pela mídia, em programas de auditório ou comerciais de TV, que deixavam claro que se foi à Roma e não visitou a Basílica de São Pedro (mesmo que ache aquilo um porre), você não viu nada, é um pária social.
Quantos têm coragem de dizer não e fugir da manada? Quantos conseguem alterar a programação a qual foram submetidos por anos? Quantos percebem que a vida basta em si mesma, sem necessidade de validação?
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/03/03/show-dos-rolling-stones-se-voce-nao-tirou-selfie-e-porque-nao-estava-la/
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