quinta-feira, 9 de outubro de 2014

"POR QUE GAYS INCOMODAM TANTO?" POR MARCELO RUBENS PAIVA


MARCELO RUBENS PAIVA para o Estadão
 
Por que os gays são rotineiramente agredidos?

Por que viraram alvo do debate político, Judas da nova era?

Por que tantos se interessam em reprimir os desejos de um e se preocupam com o que ele faz com o corpo?

Por que tantos debateram se estão certas a união, a felicidade ou o amor entre pessoas do mesmo sexo?

Em Quanto Mais Quente Melhor, de 1959, o personagem vestido de mulher de Tony Curtis  pergunta: “Por que um cara se casaria com outro?”

“Por segurança”, responde o de Jack Lemmon.

Vito Russo, cinéfilo ativista da Gay Activists Alliance, a primeira organização a defender os direitos dos homossexuais, na época em que iam presos, organizava concorridas sessões de cinema em Nova York.

Mostrava como a indústria estereotipava e driblava a censura para narrar nas entrelinhas de filmes “noir” dramas homossexuais.

No livro The Celluloid Closed, ele prova que até os anos 1930 a sociedade convivia com os homossexuais do cinema. Um filme experimental de Thomas Edison, de 1895, mostra dois homens dançando, enquanto um terceiro toca violino. Em clássicos do cinema mudo, como Algie, the Miner (1912), A Florida Enchantment (1914), The Soilers (1923), homens dançam com homens, mulheres dançam com mulheres, trocam beijos, carinhos, o homossexual é retratado bem ou mal, mas é. Para alguns, era um clichê, que denegria a classe. Para outros, a visibilidade era fundamental para a afirmação gay.

Marlene Dietrich canta de fraque e cartola no filme Morocco (1936) e é aplaudida num night club ao beijar outra mulher.

Até em Chaplin, em Behind The Screen (1916), a homossexualidade é retratada: um homem beija uma mulher vestida de homem.

No filme Call Her Savage (1932), pela primeira vez um bar gay serve de cenário.

Veio Will Hays, que tentou uma fracassada carreira política, se tornou presidente da associação de produtores e distribuidores de cinema, Motion Picture Producers and Distributors of America, e lançou o Código do Produtor, que proibia o beijo de boca aberta, nu, “obscenidades”, que ganhou força em 1934, quando a Igreja Católica e fundamentalistas protestantes organizaram boicote aos filmes que não o seguissem.

A autocensura baixou em Hollywood. O censor contratado Joseph Breen reescreveu roteiros e o personagem gays. Há 80 anos. “Pessoas decentes não querem ver esse tipo de personagem”, dizia. Se te é estranho casais apaixonados em filmes antigos se beijarem de boca fechada, é resultado do poder do conhecido Código Hays.

Cenas lésbicas passavam se elas fossem retratadas como vilãs. Homossexuais, como assassinos e psicopatas.

Todos tinham um fim trágico. Muita culpa os aterrorizava.

Personagens gays de autores teatrais gays, como Tennenssee Williams, quando adaptados para o cinema, viravam alcoólatras atormentados.

Sutilmente, roteiristas e diretores desenvolveram personagens gays sem a censura perceber. Hitchcock os exibiu em Festim Diabólico e Psicose, Nicolas Ray, em Juventude Transviada.
O diretor William Wyler convenceu o roteirista Gore Vidal que Ben Hur era um drama gay numa Roma em que ser gay era comum.

“Só eu e o diretor sabíamos que se tratava de um amor gay. Se Charlton Heston soubesse, sairia do filme”, contou Vidal no documentário baseado no livro de Vito e curiosamente produzido por Hugh Hefner, fundador da Playboy.

Por que o homossexualismo incomoda tanto?

Por que tem gente que acha uma patologia um homem gostar de outro, e propõe a cura em clínicas psicológicas, “de preferência, bem longe” (Levi Fidelix)?

Por que uma candidata à Presidência retirou do seu programa o apoio ao casamento gay, e outros se recusam a incluir homofobia na lista de crimes?

O personagem homossexual Barton Scully (Beau Bridges) da série Masters of Sex, diretor clínico de um hospital e casado com uma mulher, vai fazer tratamento para curar seu desejo por homens, que inclui eletrochoque, “o mais eficaz da época”.

A série, que se passa na virada dos anos 1950 para 1960, retrata o drama de um homem que não aceita a sua homossexualidade e vai buscar por conta própria um tratamento que Fidelix, se eleito, oferecerá à população.

Será que é porque o homossexualismo não se explica pelos pilares do pensamento ocidental- materialismo histórico, Freud, darwinismo social-, não é genético, não é doença, não tem cura, contesta a ciência, a religião, reafirma o livre desejo, a possibilidade múltipla de se criar uma família, de manter laços afetivos, eróticos, porque gays contam que desde menino sabem que são gays, será que porque, numa família de vários filhos, um pode ser gay, sem nenhuma explicação?

Nasceu assim, não está no DNA, não é resultado de traumas infantis, não é “culpa” dos pais, do ambiente, da escola, de rigor moral, ou liberdade em excesso, independe do credo, classe social, raça, cor, origem, ascendência, não existem mais gays num país que em outro, numa região temperada ou tropical, na praia ou na montanha, não é a origem italiana, ou francesa, não existem mais ou menos gays entre judeus, católicos, negros, mulatos, pardos, brancos, altos, baixos, morenos, loiros, magros, gordos, durante a lua cheia.

Talvez por não terem uma explicação empírica ou transcendental, eles incomodam a tantos, pois desqualificam verdades e colocam em cheque teorias das quais uma Nação precisa para seguir e ter um sentido de ordem, conjunto e progresso.

Só tenho que pedir desculpas à comunidade gay. E agradecer sempre a insistência da sua militância por direitos iguais aos diferentes.

Graças a ela, nós, deficientes, que, com gays, comunistas, ciganos e judeus, fomos exterminados em campos de concentração nazistas, obtivemos direitos na esteira da luta.

Obrigado pela luta contra a Aids, por nos terem alertado da contaminação de bancos de sangue, que matou meu amigo hemofílico Henfil, e exigido da comunidade científica um tratamento para a doença.

Obrigado Rimbaud, por propor uma nova poesia, Artaud, um novo teatro, Proust, um novo romance, Duchamp, questionar o papel da artista, ao se vestir de mulher, Andy Warhol, pela arte contemporânea.

Obrigado Billie Holiday, que gostava de ser chamada de “William”, Greta Garbo, Isadora Duncan, Josephine Baker, Janis, Orlando de Virginia Woolf, Adrienne Monnier, primeira editora de Ulysses, ao casal Gertrude Stein e Alice Toklas, Bishop e Lota, a Amelia Earhart, primeira mulher a atravessar o Atlântico.

Perdão pela intolerância que os(as) agride.

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