Pacientes que passam por tratamentos que podem impactar a fertilidade,
como quimioterapia, já têm a opção de fazer tratamentos de fertilidade.
Hoje, o governo garante o serviço a quem faz quimioterapia, mas não aos que fazem cirurgia de transição
Por Jamie Doward
O Serviço
Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês) deve oferecer
aos pacientes transgênero que aguardam o tratamento de transição acesso
a serviços de fertilidade, sob o risco de infringir a lei. Foi o que o
órgão de vigilância da igualdade advertiu à rede pública de assistência médica do país.
A Comissão de Igualdade e Direitos Humanos ameaça
mover um processo legal se as políticas “antiquadas” do NHS não forem
modificadas com urgência. Em 3 de agosto, o grupo enviou uma carta
precatória, o primeiro passo na direção de um procedimento de revisão
judicial, ao NHS da Inglaterra, organização que dirige o serviço de
saúde inglês, acusando-o de não oferecer serviços de fertilidade-padrão
aos transgênero antes que estes se submetam ao tratamento para “disforia
de gênero”, condição em que uma pessoa experimenta desconforto ou
distúrbio devido à incompatibilidade entre seu sexo biológico e a identidade de gênero.
No momento em que a oferta de serviços de fertilidade está
sendo restrita em muitas partes do Reino Unido, a intervenção do órgão
de vigilância provocará diversas questões financeiras, éticas e legais e
o colocará em rota de colisão com o NHS Inglaterra, que afirmou que a
ação foi mal colocada.
“As decisões sobre quais serviços são
prestados pelo NHS Inglaterra são tomadas por ministros, com base nos
conselhos de um painel de especialistas em saúde e representantes de
pacientes, com presidência independente, usando um processo estabelecido
na legislação primária”, diz um porta-voz. Mas Rebecca Hilsenrath, a
executiva-chefe da comissão independente, embora financiada pelo
governo, insiste que suas ações são coerentes com sua missão estatutária
de promover e proteger a igualdade.
“Nossas leis e nossos valores
protegem os que buscam tratamento para disforia de gênero”, afirma
Hilsenrath. “Isso significa que, quando adequado, o tratamento deve ser
disponibilizado para garantir que o acesso aos serviços de saúde seja
livre de discriminação. Uma opção entre o tratamento para disforia de
gênero e a possibilidade de começar uma família não é uma opção real.
Nós pedimos ao NHS Inglaterra para refletir sobre a verdadeira amplidão
de sua missão e o impacto dessas políticas antiquadas na comunidade
transgênero.”
A retirada e o armazenamento de óvulos e
sêmen (processo conhecido como extração de gametas) dão às pessoas
transgênero a opção de ter seus próprios filhos biológicos depois do
tratamento de transição. Para muitas, o tratamento começa na adolescência, quando as decisões sobre se querem ou não ter uma família pode estar longe de seus pensamentos.
“Nem todos os garotos trans querem decidir isso. Mas não é
realista esperar que uma criança queira ter seus próprios filhos, por
isso cabe aos pais dizer: ‘Precisamos preservar essa opção para elas’,
para que, quando chegarem a uma idade em que queiram começar a pensar
nisso, pelo menos tenham essa possibilidade”, disse ao Observer a mãe de um menino trans de 14 anos, que pediu para não ser identificada.
Atualmente, grupos de comissionamento
clínico, órgãos do NHS que planejam e disponibilizam serviços em áreas
locais, decidem se vão oferecer serviços de fertilidade pelo NHS, mas
muitos preferem não os oferecer a pacientes transgênero, denuncia a
comissão de igualdade.
Grupos de direitos dos transgêneros aprovaram, no início
de agosto, a intervenção, que poderá ter implicações para cerca de 4,5
mil pacientes por ano, encaminhadas pelo NHS Inglaterra aos serviços de
identidade de gênero. “Apreciamos esse desafio da comissão”, afirma Paul
Twocock, diretor de campanhas, política e pesquisa na organização
Stonewall. “É vital que as pessoas trans tenham acesso justo e igual ao
tratamento de fertilidade, e para muitas isso deve incluir a opção de
armazenar óvulos ou sêmen antes da transição médica.”
Pacientes que passam por outras
formas de tratamento médico que podem impactar a fertilidade, como
quimioterapia, habitualmente têm a opção de fazer tratamentos de
fertilidade.
“Atualmente, o NHS oferece pouca assistência aos que
desejam preservar sua fertilidade antes de tratamentos de readequação de
gênero, apesar de ser uma opção bem documentada e financiada oferecida a
pacientes que vão se submeter a outros tratamentos de melhora de vida
que podem afetar a fertilidade”, comenta Lui Asquith, da Mermaids,
instituição beneficente que apoia crianças transgênero e suas famílias.
Asquith acrescenta: “Muitos jovens transgênero e suas famílias continuam enfrentando a difícil e única decisão de retardar tratamentos de afirmação de gênero,
que muitas vezes salvam a vida, enquanto negociam a preservação da
fertilidade através do NHS ou em particular, ou prosseguem sabendo que
talvez não possam ter uma família biológica própria.
A Mermaids alia-se à comissão de
igualdade ao pedir que essa disparidade de abordagem seja retificada
pelo NHS, para garantir que todos, seja qual for sua identidade de
gênero, possam ter acesso a tratamentos de saúde sem discriminação”.
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/revista/1017/reino-unido-podera-oferecer-tratamento-de-fertilidade-a-transgeneros
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