Como reunir, em cada aparelho, alguns dos metais mais raros do planeta – cuidando para que a devastação resultante converta-se rapidamente em desperdício.
Créditos da foto: Mina de coltão, na República Democrática do Congo. Do minério, extraído em condições desumanas, obtêm-se nióbio e tântalo, essenciais para os condutores de centenas de milhões de smartphones produzidos a cada ano (Alfredo Falvo/Contrasto/Redux)
Por Karen Hudson-Edwards e Patrick Byrne, na Carta Maior
Algo como cinco bilhões de pessoas, em todo o mundo, usarão um
celular em 2020. Cada aparelho é feito de muitos metais preciosos, sem
os quais não seriam possíveis vários de seus principais recursos
tecnológicos. Alguns, como o ouro, nos são familiares. Outros, como o
térbio, são menos conhecidos.
A mineração desses metais é uma atividade que está na base da moderna
economia global. Mas seu custo ambiental pode ser enorme, provavelmente
muito maior do que temos consciência. Vamos conhecer alguns desses
metais-chave, o que fazem, e o custo ambiental de retirá-los do solo.
Derramamento catastrófico de rejeitos
Ferro (20%), alumínio (14%) e cobre (7%) são os três metais mais
comumente usados em seu celular. O ferro é utilizado nos alto-falantes e
microfones, e nas molduras de aço inoxidável. O alumínio é uma
alternativa leve ao aço inoxidável, também usado na fabricação do forte
vidro das telas dos smartphones. O cobre é utilizado na fiação elétrica.
Contudo, enormes volumes de resíduos, líquidos e sólidos (denominados
“rejeitos”), são produzidos quando da extração desses metais.
Normalmente, os rejeitos das minas são armazenados em vastas estruturas
de captação, que chegam a ter vários quilômetros quadrados de área.
Catastróficos derramamentos de
rejeitos de mineração alertam para o perigo dos métodos inadequados de
construção e da negligência no monitoramento da segurança das minas.
O maior desastre já registrado ocorreu em novembro de 2015, quando
o rompimento de uma barragem numa mina de ferro em Minas Gerais, no
Brasil, provocou o derramamento de 62 milhões de metros cúbicos(o
suficiente para encher 23 mil piscinas olímpicas) de rejeitos ricos em
ferro no Rio Doce. A lama inundou as cidades locais e matou 19 pessoas,
atravessando 650 km até alcançar o Oceano Atlântico, 17 dias depois.
Mas esse é só um dos 40 derramamentos de
rejeitos de mineração ocorridos na década passada, com impactos de
longo prazo ainda desconhecidos na saúde humana e no meio ambiente. Uma
coisa, porém, está clara. Conforme aumenta nossa sede por tecnologia,
aumentam em número e tamanho as barragens de rejeitos da mineração,
assim como o seu risco de rompimento.
Destruição do ecossistema
Ouro e estanho são comuns em celulares. Mas a mineração desses metais
é responsável por grande devastação ecológica, da Amazônia peruana às
ilhas tropicais da Indonésia. A mineração do ouro, usado nos celulares
principalmente para fazer conectores e fios, é uma das principais causas
do desmatamento da Amazônia. Além disso, sua extração da terra gera resíduos com
alto teor de cianeto e mercúrio – substâncias altamente tóxicas que
podem contaminar a água potável e os peixes, com sérias consequências
para a saúde humana.
O estanho é usado como elemento para solda em eletrônica. O óxido de
índio-estanho é aplicado às telas de celulares como um revestimento
fino, transparente e condutor, que oferece a funcionalidade de tela
sensível ao toque. Os mares que cilrcundam as ilhas Bangka e Belitung,
na Indonésia, fornecem cerca de um terço do suprimento mundial. No
entanto, a dragagem em grande escala de areia rica em estanho, retirada
do fundo do mar, destruiu o precioso ecossistema de corais, e o declínio da indústria pesqueira gerou problemas econômicos e sociais no país.
Lugar mais poluído do planeta?
O que torna seu celular inteligente? São os chamados elementos de
terras-raras – um grupo de 17 metais com nomes estranhos, tais como o
praseodímio, que são extraídos principalmente na China, na Rússia e na
Austrália.
Frequentemente apelidados de “metais tecnológicos”,
os terras-raras são fundamentais para o design e a função dos
smartphones. Os cristalinos alto-falantes, os microfones e a vibração
dos celulares só são possíveis devido aos diminutos, porém potentes
motores e ímãs fabricados com neodímio, disprósio e praseodímio. O
térbio e o disprósio também são usados para produzir as cores vibrantes
de uma tela de smartphone.
A extração de terras-raras é um negócio difícil e sujo, envolvendo o
uso dos ácidos sulfúrico e fluorídrico, e a produção de grandes
quantidades de resíduos altamente tóxicos. Talvez o exemplo mais
perturbador sobre o custo ambiental de nossa sede por celulares seja o
“lago mundial do lixo tecnológico” em Baotou, na China. Criado em 1958,
esse lago artificial recolhe o lodo tóxico das operações de
processamento de terras-raras.
Os valiosos metais usados na fabricação de celulares são um recurso finito. Estimativas recentes indicam que nos próximos 20 a 50 anosnão
teremos mais alguns dos metais terras-raras – o que nos leva a pensar
se ainda haverá celulares por aí. Reduzir o impacto ambiental do seu uso
exige que os fabricantes aumentem a vida útil dos produtos, tornem a
reciclagem mais direta e reduzam os impactos ambientais causados pela
busca desses metais. Em todo o mundo, as empresas de mineração afirmam
ter feito avanços em extração mais sustentável. Mas também nós, como
consumidores, precisamos considerar os celulares menos como um objeto
descartável e mais como um recurso precioso, que carrega enorme peso
ambiental.
*Karen Hudson-Edwards é professora de mineração sustentável na
Universidade de Exeter, no Reino Unido; Patrick Byrne é professor sênior
de geografia na Universidade John Moores de Liverpool, Reino Unido
**Tradução de Inês Castilho publicada originalmente no Outras Palavras
Disponível em: https://www.geledes.org.br/celulares-capitalismo-e-obsolescencia-programada/
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