Dom Sérgio da Rocha, presidente da CNBB
Padre Luis Miguel Modino avalia as duas notas lançadas nesta
quinta-feira (19) pela CNBB para marcar o encerramento de sua 56ª
Assembleia Geral, em Aparecida (SP). Falta profetismo e Evangelho à
entidade dos bispos brasileiros; sobram diplomacia e silêncios cúmplices
Por padre Luis Miguel Modino, pároco na Diocese de São Gabriel da Cachoeira*
Sabemos que não é fácil chegar ao consenso dentro de uma Conferência
Episcopal tão grande como a brasileira, com tendências, mentalidades e
espiritualidades tão diversas. Porém, quando se escolhe o caminho da
diplomacia, do “politicamente correto”, isso nos distancia da profecia
e, por consequência, do Evangelho.
O episcopado brasileiro publicou neste 19 de abril duas notas nas
quais pretende apresentar sua postura diante do momento sócio-político
que o país atravessa e das eleições que devem acontecer em outubro. Os
textos são resultado dos debates levados a cabo na 56ª Assembleia Geral
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que reuniu de 11 de
abril até hoje (20) os prelados do país.
Eram pronunciamentos esperados, mas em muitos deixaram um gosto
agridoce, com palavras temperadas que tentam agradar a todos, mas que
acabam produzindo o efeito oposto.
Na primeira nota, sob o título de “Mensagem da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil ao Povo de Deus” (veja a íntegra no final), a CNBB
começa defendendo-se dos ataques sofridos nas redes sociais, dos quais
participam grupos conservadores e reacionários, com o apoio mais ou
menos explícito de padres, alguns com grande popularidade, sem
qualquer atitude concreta por parte dos bispos dos quais dependem
canonicamente. São estes os mesmos grupos nos quais confluem interesses
políticos, econômicos e religiosos, que perseguem os bispos e a CNBB.
Perante esta situação, o episcopado faz um apelo à unidade dentro da
Igreja, que eles dizem ser parte do episcopado, ao afirmar que “estamos
unidos entre nós por uma fraternidade sacramental e em comunhão com o
sucessor de Pedro”. Esta afirmação é colocada em dúvida a seguir,
quando se afirma no texto a CNBB que “não pode ser responsabilizada por
palavras ou ações isoladas que não estejam em sintonia com a fé da
Igreja, sua liturgia e doutrina social, mesmo quando realizadas por
eclesiásticos”. Ao mesmo tempo, os bispos anotam que “a opção
preferencial pelos pobres é uma marca distintiva da história desta
Conferência”, embora muitos percebam que essa história foi gradualmente
diluída.
A nota assinala que “a CNBB não se identifica com nenhuma ideologia
ou partido político”, mas, ao mesmo tempo, com base em uma frase da
última exortação apostólica do Papa Francisco, critica o “intimismo,
suspeitando do compromisso social dos outros e considerando-o
superficial e mundano (cf. Gaudete et Exsultate, n. 100-101)”, o que é
contraditório.
Os bispos dizem que assumem um compromisso profético em sua nota, o
que para muitos permanece num nível teórico, porque falta uma defesa
explícita do padre José Amaro Lopes, membro da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), aprisionado desde 27 de março, como resultado de uma trama
de poderes políticos e econômicos no Pará. A mesma omissão acontece em
relação à morte de Marielle Franco, a vereadora do Rio de Janeiro
assassinada há mais de um mês, cuja família confortada por um telefonema
do Papa Francisco. Sobre cuja morte, que provavelmente nunca será
resolvida pela polícia e pelo Judiciário, nunca houve um pronunciamento
da CNBB, apesar de a Conferência Episcopal começar a nota afirmando
estar “em comunhão com o Papa Francisco”.
Na segunda nota, sobreas eleições de outubro, que muitos descrevem
como mais profética, enquadra-se na perspectiva da “defesa integral da
vida e da dignidade da pessoa humana, especialmente dos pobres e
excluídos”, atitude que surge do fato de que “o Brasil vive um momento
complexo, alimentado por uma aguda crise que abala fortemente suas
estruturas democráticas e compromete a construção do bem comum, razão da
verdadeira política”. A nota faz uma crítica à corrupção cada vez mais
presente , o que causa “um perigoso descrédito com a política”.
Os bispos denunciam “a falta de políticas públicas consistentes”, que
é considerada “a raiz de graves questões sociais, como o aumento do
desemprego e da violência que, no campo e na cidade, provoca vítimas
entre milhares de pessoas, acima de tudo , mulheres, pobres, jovens,
negros e indígenas “, como resultado das decisões de um governo que
assumiu o poder como resultado de um golpe de Estado parlamentar e ao
qual, por outro lado, nenhuma crítica explícita é feita (nem ao golpe de
Estado). Tudo isso é consequência, segundo a nota episcopal, da “perda
de direitos e conquistas sociais, resultado de uma economia que sujeita a
política aos interesses do mercado”.
Uma das realidades mais preocupantes para os bispos são “os discursos
e atos de intolerância, ódio e violência” que impedem “qualquer
possibilidade de diálogo”, uma atitude abertamente defendida por alguns
políticos, apoiada até mesmo por grupos católicos. Nesse sentido, os
bispos definem as eleições como “um passo importante para o Brasil
reafirmar a normalidade democrática, superar a atual crise
institucional, garantir a independência e autonomia dos três poderes
constituídos”.
O episcopado convoca as pessoas a “participarem efetivamente da
construção de um país justo, ético e igualitário”, vendo “neste momento
difícil uma oportunidade de crescimento, abandonando os caminhos da
intolerância, do desânimo e do desencantamento”. A CNBB também exorta
os políticos para “que anteponham o bem comum aos seus interesses
privados” uma realidade cada vez menos presente na política brasileira,
onde quase tudo é comprado e vendido.
As duas notas provocam diferentes reações em um país cada vez mais
dividido, mas no qual muitos sentem a falta de palavras mais decisivas e
contundentes, especialmente aqueles que desejam uma reflexão sobre o
momento atual pelo qual o Brasil está passando. Até mesmo alguns bispos,
em particular, reconhecem que a profecia é algo cada vez menos presente
na CNBB.
Disponível em: http://outraspalavras.net/maurolopes/2018/04/20/cnbb-quando-a-diplomacia-nao-combina-com-a-profecia-e-o-evangelho/
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