Perigo a que os povos estão submetidos é potencializado exponencialmente por iniciativas do próprio Estado brasileiro.

Por Cleber César Buzatto*
O ano 2018
apresenta-se como extremamente perigoso e desafiador para os povos
indígenas no Brasil. Os assassinatos dos professores Marcondes Namblá
Xokleng, a pauladas, e Daniel Kabinxana Tapirapé, apedrejado, nos
estados de Santa Catarina e Mato Grosso, respectivamente, no mês de
janeiro, e a queima da base de proteção na terra indígena Karipuna, em
Rondônia, e o despejo extrajudicial com práticas de tortura contra
famílias do povo Kaingang, pela polícia militar do Rio Grande do Sul, em
fevereiro, dão mostras inequívocas de que o patamar de violências e
violações contra os povos, seus membros e seus direitos, alcançou um
nível de envergadura insuportável no país.
Embora
distantes uns dos outros, os casos acima referidos estão intimamente
ligados ao mesmo fio condutor das ações antindígenas em curso e,
infelizmente, tudo leva a crer que não serão os únicos em 2018.
Temos
alertado, insistentemente, acerca da existência e implementação de uma
estratégia anti-indígena no país por parte de setores do Capital,
nacional e transnacional, que atuam no campo brasileiro, que se
beneficiam e fortalecem, cada vez mais, o modelo do agronegócio Brasil
afora. Tais setores do Capital, com seus rígidos tentáculos, se
apossaram e dominam poderes do Estado brasileiro, fazendo do mesmo um
apêndice de seus interesses privados sempre mais privilegiados e
protegidos.
A estratégia anti-indígena em curso
tem provocado uma espiral de violações que chega, neste ano de 2018,
numa fase onde a barbárie contra os povos é praticada sem remorsos por
“indivíduos comuns” e por forças armadas do próprio Estado.
Os
discursos racistas e de incitação ao ódio multiplicados por membros da
bancada ruralista e seus asseclas, na esteira de suas recorrentes
iniciativas contra os povos e seus aliados, ao longo destes últimos
anos, estão produzindo e servindo como mecanismo de defesa psicológica,
a racionalização, das barbaridades cometidas contra os povos.
Na
cabeça dos agressores tudo aparenta ser ‘justificado’ pelo fato dos
agredidos serem indígenas. O mesmo raciocínio é aplicado relativamente
aos direitos e, inclusive, aos aliados dos povos junto à sociedade
brasileira. Os riscos decorrentes desse mecanismo de
pseudo-justificativas à barbárie são incalculáveis e imprevisíveis.
O
perigo a que os povos estão submetidos é potencializado
exponencialmente por iniciativas do próprio Estado brasileiro, que, como
aferimos acima, tem sido movimentado pelo e em função dos interesses do
Capital nacional e transnacional. Neste sentido, pontualmente,
destacamos iniciativas de poderes do Estado brasileiro que continuarão
provocando grande impacto sobre os povos indígenas neste ano de 2018.
Do
poder Executivo, o Parecer Anti-demarcação 001/17 da Advocacia Geral da
União/Temer; a paralização dos procedimentos de demarcação das terras
indígenas; o estrangulamento orçamentário e a instrumentalização
política da Fundação Nacional do Índio (Funai) aos interesses do
fundamentalismo religioso e do agronegócio.
Do
Legislativo, a Proposta de Emenda Parlamentar (PEC) 215/00; a cooptação
de lideranças e a tentativa de legalizar a exploração externa das terras
indígenas. Do Judiciário, as reintegrações de posse; a negativa do
acesso à justiça aos povos e a sombra do Marco Temporal, especialmente
em instâncias inferiores.

Além
disso, está evidente a estratégia do agronegócio e seus representantes
locais de promoverem o loteamento, a comercialização, o apossamento e a
exploração de fato dos territórios indígenas já regularizados. Com a
omissão e a conivência do governo federal já amplamente demonstradas, é
grande o perigo de que ocorra um enraizamento e um alastramento dessas
práticas ilegais no estado de Rondônia e noutras unidades federativas.
Nesse
cenário, os riscos da prática de despejos extrajudiciais contra
comunidades indígenas e da ocorrência de genocídios e etnocídios estão
fortemente colocados. Massacres de grupos isolados já tem sido
denunciados e novos casos são potencialmente iminentes.
Por
evidente, os povos indígenas tem mantido uma postura de forte oposição,
de enfrentamento e pró-ação frente às agressões sofridas, razão pela
qual ao menos parte das iniciativas anti-indígenas tem sido barradas ou
seus efeitos postergados. Diante do agravamento da situação conforme
acima mencionado, aumenta também a importância, a necessidade e a
urgência de mobilização e incidência política dos povos indígenas e de
seus aliados em todos os níveis.
A revogação do
Parecer anti-demarcação da AGU/Temer, a retomada dos processos de
demarcação das terras, o impedimento da aprovação da PEC 215/00, dos
despejos judiciais e extrajudiciais, do enraizamento e do alastramento
da posse e exploração ilegal das terras indígenas já regularizadas, o
alcance do acesso à justiça, o ‘enterramento’ da tese do Marco Temporal
são alguns dos desafios mais prementes que certamente continuarão
motivando e potencializando a luta política, jurídica e social dos povos
indígenas no Brasil ao longo do ano.
O ano 2018
impõe ainda um desafio adicional aos povos no campo da luta
institucional já que há pela frente uma disputa eleitoral nos estados e
em âmbito nacional.
Na atual legislatura,
iniciada em fevereiro de 2015, houve uma evidente ampliação das forças
políticas representativas do agronegócio, o que provocou efeitos
práticos nocivos aos povos tanto no âmbito do poder Legislativo, quanto
do Executivo ao longo destes anos.

A
manutenção deste quadro ou, pior, o seu agravamento na próxima
legislatura poderá significar a efetivação de retrocessos estruturantes
relativamente aos direitos dos povos indígenas no Brasil. Por isso, a
disputa de espaço político, palmo a palmo e a todo tempo, deve abranger
também esse aspecto da disputa institucional, sem que isso signifique
abrir mão da luta política, jurídica e social em torno de questões
comuns e concretas. O desafio, neste campo, colocado aos povos é ocupar
esses espaços institucionais de modo decolonial, já que os riscos de
assédio e ‘captura’ de lideranças por partidos políticos marcadamente
inimigos de suas causas é bastante significativo.
Enfrentar
e derrotar a estratégia anti-indígena posta em prática por grupos
políticos econômicos que servem aos interesses do Capital nacional e
transnacional é condição para a superação do estado de Barbárie
racionalizada contra os povos originários no Brasil e, portanto, para a
perpetuação dos projetos de vida e futuro destes povos. Vamos à luta.
*Secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
Disponível em: http://domtotal.com/noticia/1234829/2018/02/a-estrategia-anti-indigena-na-fase-da-barbarie-racionalizada-no-brasil/
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