Mais de duas décadas depois, em 1923, o dicionário Merriam Webster
definia a orientação sexual como "paixão sexual mórbida por alguém do
sexo oposto". Apenas em 1934 a heterossexualidade teve o significado
atualizado: "manifestação de paixão sexual por alguém do sexo oposto".
Pessoas
costumam reagir com incredulidade ao conhecer essas definições: "Isso
não pode ser verdade", dizem. A sensação é de que a heterossexualidade
sempre "esteve presente".
Há alguns anos, circulava na internet um
vídeo de um homem que perguntava às pessoas na rua se achavam que
homossexuais nascem com essa orientação sexual. As respostas variavam,
mas a maioria dizia que era uma "combinação de natureza e criação".
O
entrevistador então fazia outra pergunta na sequência, fundamental ao
experimento: "Quando você decidiu ser hétero?" A maioria confessou nunca
ter pensado nisso.
Ao sentir que seus preconceitos ficaram à
mostra, as pessoas acabavam concordando com o ponto do entrevistador: as
pessoas nascem gays, assim como nascem heterossexuais.
O vídeo
parecia sugerir que todas as sexualidades "simplesmente estão aí", ou
seja, não precisamos de uma explicação para a homossexualidade assim
como não precisamos de uma para a heterossexualidade.
Parece não
ter passado pela cabeça dos produtores do vídeo, ou das milhões de
pessoas que o compartilharam, que precisemos de uma explicação para
ambas.
Há trabalhos muitos bons, tanto acadêmicos quanto populares, sobre a
construção social do desejo e da identidade homossexuais. Na verdade, a
maioria de nós aprendeu que a identidade homossexual passou a existir em
um momento específico da história humana. O que não aprendemos porém, é
que um fenômeno parecido aconteceu com o surgimento da
heterossexualidade.
Há várias razões para essa omissão
educacional, incluindo viés religioso e outros tipos de homofobia. Mas a
principal razão pela qual não fazemos perguntas sobre a origem da
heterossexualidade é provavelmente porque ela parece natural. Normal.
Mas a heterossexualidade não "estava simplesmente presente" desde sempre. E não há por que imaginar que sempre estará.
Quando a heterossexualidade era anormal
A
primeira contestação de que a heterossexualidade foi inventada
geralmente envolve um apelo à reprodução: parece óbvio que o sexo entre
genitais diferentes existiu desde o início da humanidade - e não
teríamos sobrevivido até aqui sem isso. Mas essa contestação presume que
heterossexualidade é a mesma coisa que sexo reprodutivo. Não é.
"O
sexo não tem história", escreve o teórico queer David Halperin,
professor da Universidade de Michigan, "porque é baseado no
funcionamento do corpo". A sexualidade, por outro lado, tem uma
história, precisamente porque é uma "construção cultural".
Em
outras palavras, enquanto o sexo parece ser algo programado na maioria
das espécies, a nomeação e classificação desses atos e de quem os
pratica é um fenômeno histórico que pode e deve ser estudado como tal.
Em
outras palavras: sempre houve instintos sexuais no mundo animal (sexo).
Mas em um momento específico na história, os humanos criaram
significados para esses instintos (sexualidade). Quando humanos falam
sobre heterossexualidade, estamos tratando da segunda definição.
Hanne Blank trouxe uma maneira útil de discutir isso em seu livro Hétero: A Surpreendentemente Curta História da Heterossexualidade, com uma analogia da história natural.
Em 2007, o Instituto Internacional para Exploração das Espécies listou o peixe Electrolux addisoni na
lista das "top 10 novas espécies" do ano. Mas é claro que essas
espécies não passaram simplesmente a existir havia dez anos - foi apenas
quando elas foram descobertas e cientificamente nomeadas.
"Documentos escritos de um certo tipo, por um certo tipo de autoridade, transformaram o Electrolux de uma coisa que já existia para uma coisa que ficou conhecida", conclui Blank.
Algo parecido aconteceu com os heterossexuais, que,
ao final do século 19, passaram da mera existência para o conhecimento
público. "Antes de 1868, não havia nenhum heterossexual", escreve Blank.
Nem homossexuais.
Os humanos não haviam pensado ainda que eles
poderiam ser diferenciados entre si de acordo com o tipo de amor ou
desejo sexual que sentiam. Comportamentos sexuais, é claro, haviam sido
identificados e catalogados, e até proibidos em certos momentos. Mas a
ênfase estava no ato, não em quem o praticava.
Então o que mudou?
A
linguagem. No final dos anos 1860, o jornalista húngaro Karl Maria
Kertbeny criou quatro termos para descrever experiências sexuais:
heterossexual, homossexual e dois termos que hoje não são usados mas que
na época descreviam masturbação e bestialidade, monossexual e
heterogenit.
Kertneby usou o termo heterossexual uma década
depois quando foi convidado a escrever um capítulo de um livro a favor
da descriminalização da homossexualidade. O editor do livro, Gustav
Jager, decidiu não publicá-lo, mas acabou usando os termos de Kertneby
em um livro que ele publicou em 1880.
A vez seguinte em que a
palavra foi publicada foi em 1889, quando o psiquiatra austríaco-alemão
Richard von Krafft-Ebing a incluiu em um catálogo de "doenças sexuais"
chamado Psicopatia Sexualis. Mas, em quase 500 páginas, a palavra "heterossexual" é usada apenas 24 vezes, e nem sequer consta no índice.
Isso
se deu porque Krafft-Ebing estava mais interessado em "instinto sexual
contrário" ("perversões") do que em "instinto sexual", sendo que o
último é o que ele considerava "normal" em termos de desejo sexual de
humanos.
"Normal"
é uma palavra cheia de significado, e foi usada de maneira errônea na
história. A ordenação hierárquica de raças que levou à escravidão já foi
aceita como normal, assim como a cosmologia geocêntrica. Os fundamentos
desses consensos vistos como fenômenos normais perderam suas posições
de privilégio apenas após serem alvo de questionamentos.
Para
Krafft-Ebing, desejo sexual normal estava situado em um contexto maior
de utilidade de procriação, uma ideia que combinava com as teorias
dominantes sobre sexo no Ocidente. No mundo ocidental, muito antes dos
atos sexuais serem divididos em hétero e homo, já havia uma ordem
binária: sexo procriativo e não-procriativo.
A Bíblia, por
exemplo, condena o sexo homossexual pela mesma razão que condena a
masturbação: porque a "semente" é desperdiçada no ato.
Enquanto
essa visão foi amplamente ensinada, mantida e reforçada pela Igreja
Católica e depois por outras religiões cristãs, é importante sublinhar
que ela não vem originalmente das escrituras judaicas ou cristãs, mas do
estoicismo - doutrina fundada por Zenão de Cício (335-264 a.C.) que se
caracteriza por uma ética em que a eliminação das paixões e a aceitação
do destino são características do homem sábio.
Como a teórica católica Margaret Farley explica, os
estoicos "tinham fortes pontos de vista sobre o poder dos humanos de
regular emoções e sobre o desejo dessa regulamentação para encontrar a
paz interior". O filósofo estoico Musonius Rufus, por exemplo,
argumentava que as pessoas deveriam se proteger contra autoindulgências,
incluindo excesso sexual.
Para evitar sua indulgência sexual,
diz o teólogo Todd Salzman, Rufus e outros estoicos tentaram
classificá-la em "um contexto mais amplo de significado humano" -
argumentando que o sexo só poderia ser moral se buscasse a procriação.
Antigos teólogos cristãos adotaram essa ética conjugal-reprodutiva e o
sexo reprodutivo virou a única forma normal de sexo já época de
Agostinho (354-430).
Apesar de Krafft-Ebing tomar essa lógica
procriativa como natural, ele a expandiu bastante. "No amor sexual, o
verdadeiro propósito do instinto, a reprodução da espécie, não é
consciente", escreveu.
Em outras palavras, o instinto sexual
contém algo como um objetivo reprodutivo programado - um objetivo que
está presente até mesmo nos que fazem "sexo normal" e não o percebem.
Em seu livro A Invenção da Heterossexualidade,
Jonathan Ned Katz vê um grande impacto na abordagem de Krafft-Ebing.
"Ao colocar o reprodutivo separado do inconsciente, Krafft-Ebing criou
um espaço pequeno e obscuro onde uma nova forma de prazer começou a se
desenvolver."
A importância desse movimento - de instinto
reprodutivo para desejo erótico - não pode ser diminuída, já que é
crucial para as noções modernas de sexualidade.
Em geral, quando
as pessoas hoje pensam em heterossexualidade, imaginam algo como: João
sabe desde muito pequeno que é eroticamente atraído por garotas. Certo
dia ele canaliza essa energia erótica em Suzana e ele a conquista. O
casal se apaixona, dá expressões sexuais e físicas aos seus desejos
eróticos e os dois vivem felizes para sempre.
Sem o trabalho de Krafft-Ebing, essa narrativa
talvez nem fosse considerada "normal". Não havia qualquer menção, mesmo
que implícita, à procriação. Definir instinto sexual como normal de
acordo com desejo erótico foi uma revolução fundamental para pensar
sobre sexo.
O trabalho de Krafft-Ebing deu base para uma mudança
cultural que aconteceu entre a definição de 1923 de heterossexualidade
como "mórbida" para a de 1934 como "normal".
O sexo e a cidade
Ideias
e palavras frequentemente são produtos de sua época. Esse certamente é o
caso da heterossexualidade, que nasceu em um momento em que a vida
americana estava ficando mais regulamentada. Segundo afirma Blank, a
invenção da heterossexualidade corresponde com o surgimento da classe
média.
No final do século 19, as populações nas cidades na Europa e
na América do Norte começaram a explodir. Em 1900, por exemplo, a
cidade de Nova York tinha 3,4 milhões de moradores - 56 vezes sua
população apenas um século antes.
Conforme as pessoas se mudavam
para os centros urbanos, traziam consigo suas "perversões sexuais". Ao
menos era o que parecia. "Em comparação com os vilarejos rurais, as
cidades pareciam antros de excessos sexuais", escreve Blank.
Quando
as populações nas cidades eram menores, diz Blank, era mais fácil
controlar esse tipo de comportamento, assim como era mais fácil
controlá-lo quando acontecia em áreas rurais onde a familiaridade entre
vizinhos era uma norma. A fofoca das cidades pequenas podia ser um
grande motivador.
Devido ao conhecimento maior dessas práticas
sexuais em paralelo com o fluxo de classes mais baixas às cidades, "a
culpa pelo comportamento sexual urbano impróprio geralmente era jogada
sobre as classes mais baixas", diz Blank.
Era importante para uma
classe média emergente se diferenciar desses excessos. A família
burguesa precisava de uma forma de proteger seus membros da "decadência
aristocrática por um lado e dos horrores da cidade lotada do outro".
Isso demandava "sistemas reproduzíveis e universalmente aplicáveis para
uma administração social que pudesse ser implementada em larga escala".
No
passado, esses sistemas podiam ser baseados na religião, mas o "novo
Estado secular exigia uma justificativa secular para suas leis", diz
Blank. Aí entram especialistas como Krafft-Ebing, que deixou claro que a
classe média ascendente não podia considerar o desvio da sexualidade
normal (hétero) como simplesmente um pecado, mas como uma degeneração
moral - um dos piores rótulos que alguém poderia ter então.
"Chame um homem de 'canalha' e você define seu
status social", escreveu William James em 1895. "Chame ele de
'degenerado' e você o colocou no grupo mais repugnante da raça humana".
Como diz Blank, degeneração sexual se tornou uma régua para medir as
pessoas.
A degeneração, afinal de contas, era o processo contrário
do darwinismo social. Se o sexo procriador era fundamental para a
evolução contínua das espécies, desviar dessa norma era uma ameaça para
toda a sociedade. Por sorte, esse desvio poderia ser revertido, se fosse
observado cedo o bastante, pensavam os especialistas da época.
A
formação da "inversão sexual" acontecia, para Krafft-Ebing, em vários
estágios e era curável já no primeiro. "Krafft-Ebing enviou uma mensagem
clara contra a degeneração e a perversão. Todas as pessoas com dever
cívico deveriam se tornar observadoras", escreve Ralph M. Leck, autor do
livro Vita Sexualis.
E isso certamente era uma questão de
civilidade: a maioria do efetivo colonial vinha da classe média, que era
grande e estava em crescimento.
Freud
Apesar
de Krafft-Ebing ter ficado relativamente conhecido, foi Freud quem deu
ao público maneiras científicas de pensar sobre sexualidade. Por mais
que seja difícil reduzir as teorias do médico a algumas frases, seu
maior legado é a teoria psicossexual do desenvolvimento, segundo a qual
as crianças desenvolvem suas sexualidades por meio de uma dança
psicológica elaborada dos pais.
Para Freud, heterossexuais não
nascem assim, mas são feitos assim. Como diz Katz, a heterossexualidade
para Freud foi uma conquista, aqueles que a conquistavam com sucesso
navegavam por seu desenvolvimento infantil sem sair da linha.
Ainda
assim, como diz Katz, exigia muita imaginação classificar essa
navegação em termos de normalidade. Segundo Freud, o caminho
convencional para a normalidade heterossexual é pavimentado com o tesão
incestuoso do menino e da menina pelo pai ou mãe, com o desejo das
crianças de assassinar seus rivais - ou seja, o pai no caso do menino e a
mãe no caso da menina - e com o desejo de exterminar qualquer irmão ou
irmã rivais.
Ou seja, a estrada para a heterossexualidade é
pavimentada de tesão e desejo de sangue. A invenção do heterossexual, na
visão de Freud, é uma criação profundamente perturbada.
O fato
dessa visão de Édipo ter sobrevivido por tantos anos, assim como a
explicação para a sexualidade normal, "é uma das maiores ironias da
história da heterossexualidade", diz Katz.
Ainda assim, a explicação de Freud parecia
satisfazer a maioria do público, que, continuando com sua obsessão com a
regulação sobre todo e qualquer aspecto da vida, aceitou de bom grado a
nova ciência sobre a normalidade.
Essas atitudes tiveram um novo embasamento científico com o trabalho de Alfred Kinsey, cujo estudo Comportamento Sexual do Macho Humano,
de 1948, classificava a sexualidade dos homens em uma escala de zero
(exclusivamente heterossexual) a seis (exclusivamente homossexual).
Suas
descobertas o levaram a concluir que grande parte da população
masculina "tem ao menos uma experiência homossexual entre a adolescência
e a idade avançada".
Enquanto o estudo de Kinsey ampliou as
categorias de homo e hétero ao permitir um certo contínuo sexual, ele
também "reafirmou enfaticamente a ideia de que a sexualidade é dividida
entre dois polos", como diz Katz.
O futuro da heterossexualidade
Essas
categorias permanecem até hoje. "Ninguém sabe exatamente por que
heterossexuais e homossexuais seriam diferentes", escreveu Wendell
Rickets, autor do estudo Pesquisa Biológica sobre Homossexualidade, de 1984.
A
melhor resposta que temos é um tanto tautológica: "Heterossexuais e
homossexuais são considerados diferentes porque eles podem ser divididos
em dois grupos com base na crença de que eles podem ser divididos em
dois grupos".
Apesar da divisão hétero/homo parecer eterna e um
fato indestrutível da natureza, ela não o é. Trata-se meramente de uma
gramática recente que os humanos inventaram para falar sobre o que o
sexo significa para nós.
A heterossexualidade, afirma Katz, "é
inventada no discurso como algo que está fora do discurso. Ela é
construída como se fosse um discurso que é universal e fora da
temporalidade". Ou seja, é uma construção, mas é apresentada como se não
fosse.
Como qualquer filósofo francês ou criança com um lego
poderá lhe dizer, qualquer coisa que foi construída pode ser
desconstruída também. Se a heterossexualidade não existia no passado,
ela não precisa existir no futuro.
Jane Ward, autora de Not Gay ("Não Gay", em tradução livre), questiona o futuro da sexualidade.
"O
que significaria pensar sobre a capacidade das pessoas para cultivar
seus desejos sexuais da mesma maneira em que cultivam um gosto por uma
certa comida?"
Apesar da preocupação de alguns com a possibilidade de uma fluidez sexual, é importante lembrar que vários argumentos na linha Born This Way ("eu nasci assim", em tradução livre) não são aceitos por boa parte dos cientistas.
Eles
não sabem exatamente qual é a "causa" da homossexualidade e eles
certamente rejeitam qualquer teoria que proponha uma origem simples,
como um "gene gay".
Desejos sexuais, como todos os nossos
desejos, mudam e são reorientados ao longo de nossas vidas - e é o que
eles fazem, frequentemente nos sugerem novas identidades. Se isso for
verdade, então a sugestão de Ward de que podemos cultivar preferências
sexuais parece fazer sentido.
Por trás da pergunta de Ward há um
desafio sutil: se estamos desconfortáveis com o quanto de poder temos -
se é que temos algum - sobre a nossa sexualidade, qual é o motivo? Da
mesma maneira, por que estaríamos desconfortáveis ao questionar a crença
de que a homossexualidade, e por extensão a heterossexualidade, são
verdades eternas da natureza?
Em uma entrevista ao jornalista Richard Goldstein, o
romancista e dramaturgo James Baldwin disse
ter fantasias boas e ruins
sobre o futuro. Uma das boas era que "ninguém teria que se definir como
gay", um termo para o qual Baldwin dizia não ter paciência. "Ele
responde a um argumento falso, a uma acusação falsa", dizia.
Que acusação é essa?
"A
de que você não tem o direito de estar aqui, que você precisa provar
seu direito de estar aqui. Eu estou dizendo que não tenho o que provar. O
mundo também pertence a mim."
Era uma vez em que a
heterossexualidade era necessária porque os humanos modernos precisavam
provar quem eram e por que eram, e eles precisavam defender seu direito
de estar ali. Conforme o tempo foi passando, porém, esse rótulo parece
na verdade limitar o leque de maneiras pelas quais os humanos entendem
seus desejos, amores e medos.
Talvez essa seja uma razão pela
qual uma pesquisa britânica recente descobriu que menos da metade dos
jovens de 18 a 24 anos se identificam como "100% heterossexual".
Isso
não sugere que a maioria desses jovens sejam bissexuais ou
homossexuais, mas que eles não precisem mais desse termo como as
gerações passadas precisavam no século 20.
Debates a respeito de
orientação sexual tendem a focar em um conceito mal definido de
"natureza". Porque o sexo entre genitais diferentes geralmente resulta
na reprodução da espécie, damos a ele um status moral especial.
Mas
a "natureza" não nos revela nossas obrigações morais - somos
responsáveis por determiná-las, mesmo quando não percebemos que estamos
fazendo isso. Como observou o filósofo David Hume, pular de uma
observação de como é a natureza para uma fórmula do que a natureza deve
ser é uma falácia lógica.
Por que julgar o que é natural e ético para um ser
humano de acordo com sua natureza animal? Muitas das coisas que os
humanos valorizam, como medicina e arte, não são naturais. Ao mesmo
tempo, humanos detestam muitas coisas que são naturais, como doenças e
morte.
Se considerarmos alguns fenômenos naturais como éticos e
outros como não-éticos, isso significa que as nossas mentes (os que
observam) estão determinando o que fazer com a natureza (o que é
observado). A natureza não existe em algum lugar "lá fora",
independentemente de nós - sempre estamos interpretando-a de dentro
dela.
Até este momento da história do planeta, a espécie humana
se multiplicou por meio do coito de sexos diferentes. Cerca de um século
atrás, demos significados específicos a esse tipo de relação sexual,
parcialmente porque queríamos encorajá-las.
Mas o nosso mundo
está bastante diferente hoje. Tecnologias como a implantação de
diagnóstico genético e fertilização in vitro (FIV) estão sendo cada vez
mais desenvolvidas. Em 2013, mais de 63 mil bebês nasceram a partir de
FIV. Na verdade, mais de cinco milhões de crianças nasceram através de
tecnologias reprodutivas. Esse número ainda mantém esse tipo de
reprodução como minoria, mas toda evolução tecnológica começou com os
números contra ela.
Socialmente,
também, a heterossexualidade está "perdendo terreno". Se havia um tempo
em que indiscrições homossexuais eram o escândalo do dia, mudamos para
um outro mundo cheio de casos heterossexuais de políticos e
celebridades, com fotos, mensagens de texto e vários vídeos de sexo. A
cultura popular está repleta de imagens de relações e casamentos
heterossexuais disfuncionais.
Além disso, entre 1960 e 1980, a
taxa de divórcio aumentou em 90%, lembra Katz. E enquanto ela caiu
consideravelmente durante nas últimas três décadas, ela não se recuperou
ao ponto em que seja possível falar que "instabilidade de
relacionamento" seja algo exclusivo dos homossexuais, diz Katz.
A
tênue linha entre heterossexualidade e homossexualidade não é apenas
borrada, como alguns interpretam a partir da pesquisa de Kinsey - é uma
invenção, um mito, que já está defasado, diga-se. Homens e mulheres
continuarão fazendo sexo entre genitais diferentes até o fim da espécie
humana. Mas a heterossexualidade enquanto marcador social, estilo de
vida e identidade pode morrer muito antes disso.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-40093671
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