Já tramita na Câmara Federal sob o título de PEC 287 a Proposta de Emenda à Constituição que visa alterar as regras de aposentadoria no Brasil. Assinada por Michel Temer e pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles, a Reforma da Previdência é
vista como uma ameaça à aposentadoria da população do campo. Segundo
lideranças e agricultoras entrevistadas, as novas regras inviabilizam
que a população rural acesse o direito à aposentadoria.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 20-02-2017.
Pelas as novas regras que podem ser estabelecidas pela PEC 287,
o trabalhador rural só poderá se aposentar com idade mínima de 60 anos
(para homens) e 55 anos (mulheres), um aumento de 10 anos de trabalho em
comparação com as regras atuais. E mesmo com 60 e 55 anos, esses
camponeses só conseguirão aposentadoria se contribuírem mensalmente com o
Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) por 25 anos. Mas caso queiram recebem a aposentadoria no valor integral, terão que contribuir por 49 anos.
O ponto da contribuição mensal é um dos maiores incômodos do
presidente da Federação dos Trabalhadores em Agricultura do Estado de
Pernambuco (FETAPE), Doriel de Barros. “Não pode ser
assim. O trabalhador urbano tem salário, mas a renda do trabalhador
rural depende da produção. Olhe para o Nordeste, que enfrenta uma seca
há seis anos. Como é que pagaremos ao INSS todo mês?”, pergunta Barros.
“Além disso é uma proposta mentirosa, que se ancora num suposto déficit
da previdência que na prática não existe. Eles querem fazer
‘terrorismo’, afirmando que aposentados ficarão sem receber”, completa.
Segundo a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), a Previdência Social é superavitária, ao contrário do que diz o Governo Federal, que propôs a Reforma da Previdência para solucionar um suposto “rombo”.
Agricultor familiar da comunidade rural de Poço Dantas, na cidade de Tabira, Sertão de Pernambuco, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em Pernambuco, Carlos Veras,
acredita que a nova regra que obriga a contribuição mensal vai tirar o
direito à aposentadoria rural. “Os recursos que essas famílias têm são
para seu sustento. Essa reforma vai acabar com o direito à
aposentadoria. Nós vamos trabalhar a vida toda e morrer sem se
aposentar”, se queixa Veras. O sindicalista, que vê a Previdência Social como “a principal fonte de distribuição de renda do País”, se refere ainda à seca para exemplificar a dificuldade do agricultor da região Nordeste.
“Muitas famílias estão quase sem renda, dependendo de benefícios e dos
programas sociais. Como é que essas famílias vão pagar mensalmente a Previdência Social? Nessa seca, qual a renda mensal de um trabalhador rural?!”, provoca.
O dirigente Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) Jaime Amorim avalia que a Reforma da Previdência é “o pior golpe dentro desse golpe”. “Como é que camponeses que plantam para a subsistência pagarão taxas mensais?”, questiona Amorim. “Teremos que pagar desde jovens, mas jovens não produzem excedente financeiro para pagar o INSS.
Qualquer taxa mínima é inviável. A reforma é inviável para a economia e para a sobrevivência das pessoas”, reclama.
O advogado trabalhista André Barreto explica que
pelas regras atuais, o trabalhador rural pode acessar a aposentadoria
por duas vias: a comum para os trabalhadores empregados rurais, que têm
recolhimento mensal de impostos para o INSS; e a
‘aposentadoria especial’, em geral para pequenos agricultores e
comunidades tradicionais. “A aposentadoria especial não necessita
pagamento mensal da Previdência, não precisa pagar ao
INSS mensalmente, bastando ao trabalhador comprovar documentalmente que
ao longo de 15 anos ou mais ele era trabalhador rural, que estava
produzindo, comercializando”, diz Barreto. “Mas com a
reforma da previdência a modalidade especial fica extinta. A
aposentadoria fica por idade e tempo de contribuição, inclusive para o
agricultor familiar”.
A agricultora aposentada Alaíde Martins, 55, da cidade de Triunfo, Sertão pernambucano, conquistou a aposentadoria após provar que exerceu o trabalho durante décadas. “Eu precisei apresentar o ITR (Imposto Territorial Rural), mais de 200 cópias de documentos, mostrei que minha família recebeu o Seguro Safra
durante tantos anos, comprovante de quitação eleitoral para mostrar que
eu estava mesmo morando na cidade durante esses tempo e ainda os
comprovantes de que recebi as sementes do IPA (Instituto Agroeconômico de Pernambuco)”, recorda.
A aposentada alega que o pagamento mensal de INSS é
financeiramente inviável para as famílias camponesas. “A maioria dos
agricultores não tem outra renda além da agricultura. Como é que ele vai
fazer para pagar ao INSS durante 25 anos? Eu pagava só R$ 13 ao Sindicato
e ainda pesava no meu orçamento. Imagine pagar o INSS, que deve ser
mais de R$ 30?! O agricultor não tem condições de pagar isso”, se
queixa. “A pessoa fica a vida inteira trabalhando, suando para se
aposentar. Mas com a mudança, com essa história de pagar o INSS todo
mês, a pessoa não vai mais conseguir se aposentar. Daqui para quando a
pessoa consiga pagar 25 anos de INSS, ela já não vai mais estar viva”,
avalia Martins. Em sua opinião, caso a Reforma da Previdência
seja aprovada, “daqui uns anos os agricultores idosos estarão morrendo
de fome, porque não terão condições de trabalhar e nem estarão
aposentados”.
Ana Paula Ferreira, 30, do município de Afogados da Ingazeira, Sertão pernambucano, afirma que a proposta do Governo Temer vai ter grande impacto negativo. “Vai abalar bastante quem é da agricultura familiar. Estamos numa seca de seis anos no Nordeste e não estamos tendo renda. Com certeza as famílias não conseguirão pagar o INSS. E não vamos conseguir nos aposentar”, lamenta. O presidente da FETAPE acredita que o Governo Federal está punindo quem não tem culpa pela crise.
“É um absurdo colocar trabalhadores rurais para pagar a conta da
crise, para cobrir os juros da dívida pública, impondo a milhões de
trabalhadores uma condição de nunca se aposentar”. Cerca de 36% da
população brasileira é rural, segundo levantamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2015.
Pelas regras propostas na PEC 287,
os homens trabalhadores rurais que hoje têm 50 anos e as mulheres
camponesas com 45, idade de se aposentar pelas regras de hoje, também
sentirão o impacto, mas dentro de uma “transição”. Para se aposentar
recebendo o valor para o qual se programavam, terão de pagar um
“pedágio” de 50% sobre o tempo que faltaria para se aposentar pela nova
regra (ou seja, terão que pagar 50% do valor que pagariam até completar
60 e 55 anos.
O advogado André Barreto avalia que as medidas têm o
objetivo de impedir que as pessoas consigam se aposentar. “Essas
famílias de agricultores obtêm recurso por safra, não têm condições de
pagar esses valores mensalmente. Então o que acontece é que essa
população não vai conseguir se aposentar. Vai trabalhar até o fim da
vida. As regras estão colocadas para impedir o acesso ao direito de se
aposentar”.
Outro ponto crítico da Reforma da Previdência é a desvinculação da aposentadoria à política de salário mínimo. A agricultora Alaíde Martins
conta que, ao se aposentar, passou a ter uma vida mais digna e a fazer
feira com mais tranquilidade, mas não livre de dificuldades financeiras.
“A aposentadoria vinculada ao salário mínimo já dá ‘a continha’ certa
para fazer a feira do mês e comprar um ou outro remédio. Mas com essa
mudança, não vai dar nem para manter a alimentação e a saúde, que é o
básico. Isso vai acabar com o povo”, diz. “A desvinculação pode fazer
com que, daqui a 10 anos, a aposentadoria seja equivalente à metade de
um salário mínimo”, completa Jaime Amorim.
Cidades do Interior
Os entrevistados também foram unânimes na avaliação de que o ataque à
aposentadoria rural não atinge apenas as famílias agricultoras, mas
todas as cidades do interior do Brasil. “Hoje a
economia dos municípios menores, os que não têm indústria, dependem do
pequeno comércio, dos mercadinhos, das bodegas. E o recurso que circula é
o da previdência. É a fonte de renda dos municípios”, afirma o
presidente da CUT Pernambuco. “Com essa reforma essas
cidades vão quebrar. As prefeituras não têm como dinamizar a economia.
As prefeituras irão falir. E a consequência é o êxodo rural seguido da
favelização. Essa reforma vai inchar as cidades”, avalia Carlos Veras.
A jovem Ana Paula acredita que a reforma pode acabar com o comércio da sua cidade. “A população de Afogados depende do comércio de hortaliças e pequenos animais”. Jaime Amorim,
do MST, também prevê essa situação. “Os pequenos municípios dependem
economicamente desse recurso que vem da aposentadoria dos camponeses.
Mensalmente os trabalhadores rurais aposentados gastam esse dinheiro no
comércio das pequenas cidades”, diz Amorim. “A reforma da previdência
vai reduzir drasticamente o número de pessoas que conseguem se
aposentar, especialmente mulheres. Os idosos falecem, o recurso deixa de
circular e não entra novo recurso, porque as pessoas não conseguem se
aposentar. Isso inviabiliza a economia rural e dos municípios, atingindo
milhões de pessoas que trabalharam duramente para construir esse país”,
completa.
Veras acredita que a PEC 287 é um caminho para o Nordeste
voltar à condição de “exportador de mão de obra barata para outras
regiões”, em contraponto com a última década, quando os estados
nordestinos viveram o oposto, com as famílias retornando para
reconstruir suas vidas na região. “E no caso do campo corremos o risco
de voltar aos tempos de medidas de emergências, saques e aumento da
pobreza. Com certeza essa reforma vai colocar o Brasil de novo no Mapa da Fome. O projeto é muito prejudicial às economias locais e ainda tira as mínimas condições de vida das pessoas”, lamenta.
Resistência
Doriel de Barros avisa que a FETAPE está mobilizada para enfrentar a Reforma da Previdência.
“Estamos organizando as bases para denunciar e enfrentar essa Reforma
da Previdência, pois essa medida visa tirar os direitos conquistados
pela classe trabalhadora. Queremos debater com a sociedade nos próximos
meses”, avisa. “A expectativa de vida média dos trabalhadores rurais é
de 67 anos. Se essa proposta passar, muitos trabalhadores rurais não
conseguirão se aposentar”, reclama o sindicalista. Carlos Veras,
da CUT, reforça o coro. “O camponês começa a trabalhar com 5 anos de
idade, seja menino ou menina. Impedir que essa pessoa se aposente é uma
crueldade que não pode ser aceita”. E Jaime Amorim, dirigente do MST, afirma que “mexer na Previdência é declarar guerra aos camponeses. Os trabalhadores rurais de todo o País resistirão”.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/565103-reforma-da-previdencia-pode-ser-o-fim-da-aposentadoria-rural-afirmam-agricultores
Nenhum comentário:
Postar um comentário