Do estereótipo do "bem dotado" à marginalização, o Brasil mostra ser o país do escárnio e da violência.
Ato contra a violência contra os negros: a desumanização está na raiz do problema
Escrevi diversas vezes sobre o modo
pelo qual a população negra é desumanizada. Desde representações que a
colocam como inferior, violenta e objetificada até a violência que
extermina um jovem negro a cada 23 minutos. Julgo importante discutir
representação, pois a imposição dessas imagens justifica inclusive a
morte. Não à toa homens negros são os principais suspeitos e alvos da
polícia. Debater racismo é mais amplo do que se pode imaginar, pois as violências se dão das mais variadas formas.
Vamos analisar casos recentes. A produtora Padrão Carvalheira, do Recife, realiza um concurso de fantasias todos os anos. A “fantasia” vencedora foi a de homens brancos fazendo blackface
e com pênis enormes, personificando o estereótipo racista de que homens
negros são "bem dotados", ou melhor, reduzindo seres humanos a seus
órgãos genitais. Além de ser ofensivo por ser blackface, desumaniza o homem negro o animalizando.
Pessoas brancas nunca são representadas em grupo. Uma pessoa se
fantasia de Hugh Jackman ou Luciano Huck, por exemplo. Os indivíduos são
representados. No caso das pessoas negras, julgam que podem reduzir
todo um grupo a somente um tipo de representação como se a diversidade
fosse monopólio da branquitude.
Assim como pessoas brancas, somos altos, baixos, gordos, magros,
pessoas com pênis de variados tamanhos. Mas esse é um dos cernes da
desumanização: homogeneizar. Lembrando que homens negros eram utilizados
como reprodutores no período colonial para “fornecer” mão de obra
escravizada e manter lucrativa a exploração. Um absurdo que pessoas
ainda se sintam autorizadas a cometer esse tipo de violência.
Os responsáveis pela produtora vão se esquivar dizendo que os
vencedores foram eleitos pelo público, mas eles sequer deveriam ter
autorizado a entrada na competição porque trata-se de um caso de racismo.
Não há justificativa possível, pois além de autorizar, premiaram com
uma viagem a Fernando de Noronha e postaram a foto em um blog recifense.
Utilizam pessoas negras como escárnio, para serem ridicularizadas, ao mesmo tempo em que legitimam violência.
Um outro caso recente. No Twitter, um homem que se intitula produtor
cultural enaltece o modo pelo qual policiais abordaram, segundo ele, um
rapaz suspeito de roubar um aparelho celular. O rapaz foi algemado e
colocado deitado de costas, evidenciando a truculência da ação. Mesmo
que fosse suspeito, justifica ser tratado dessa forma?
Esse ímpeto sanguinário em relação a homens negros é o que faz com que muitos sejam amarrados em postes e espancados
enquanto que em relação a homens brancos que cometem crimes o
tratamento é outro. Só há sede de vingança quando é para o sangue negro
ser derramado. A naturalização da violência é algo chocante.
Na semana passada, um outro caso me comoveu absurdamente. Uma mulher negra é agredida por seguranças de um supermercado
por ser suspeita de roubar comida. Os homens se esbaldam em humilhá-la e
agredi-la. Num dos países mais desiguais do mundo, uma mulher é punida
por roubar para se alimentar. E, o pior, por pessoas que também são exploradas.
Aqueles homens não conseguiram perceber que estão a serviço de
uma mesma lógica que também os violenta. O vídeo é extremamente triste, o
modo pelo qual uma mulher é desumanizada duplamente: por viver a fome e
por ser agredida por viver a fome.
O Brasil é o país da violência e do escárnio. No carnaval, humilham
se “fantasiando” de negro e no resto do ano contribuem para a
marginalização. Pau grande, mas de cabeça baixa, de preferência no chão.
É assim que nos querem. Mas o que comove alguns portais é mulher branca dizer que não pode usar turbante. A hashtag desse país é: vai ter preto humilhado sim.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/pau-grande-mas-subjugado-vai-ter-preto-humilhado-sim
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