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A boa alimentação é a base para um corpo saudável. Mas comer bem não significa gastar com comida cara, em grandes restaurantes e em quantidade absurda. Ainda mais quando se é pago com dinheiro público. Porém, alguns deputados federais estão abusando da cota parlamentar para custeio de alimentação. Somente a bancada cearense gastou R$ 29.442 com alimentação durante o 1º semestre de 2015, o que representa uma média de R$ 1.840,13 por político, segundo cálculo feito com base nos gastos de 16 deputados que declararam suas despesas.
Esse montante pode ainda ser maior, já que os deputados têm até 90 dias para apresentar a nota fiscal e ter o valor gasto reembolsado. O saldo não utilizado acumula-se ao longo do exercício financeiro, vedada a acumulação de um exercício financeiro para o seguinte.
O dinheiro disponível para os parlamentares, a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (Ceap), foi instituída em 2009 e serve para cobrir despesas dos políticos da Câmara como transporte aéreo, serviços postais, divulgação de campanha e alimentação. Ela é diferente para cada estado, pois leva em consideração o preço das passagens aéreas de Brasília até a capital do estado pelo qual o deputado foi eleito.
Para os cearenses, o montante disponível mensalmente é de cerca R$ 42 mil, o sétimo maior valor entre as unidades da federação.
”Gourmetização” das refeições
Até junho deste ano, o deputado que mais gastou com alimentação usando a Cota Parlamentar André Figueredo (PDT), com um total de R$ 5.799,30 e média mensal de R$ 966,55 segundo dados auditados junto à Câmara Federal.
No dia 4 de fevereiro, dois dias após o início das atividades da Câmara em 2015, André Figueredo esteve no Recanto do Camarão, restaurante luxuoso em Taguatinga, na cidade de Brasília, e pagou um total de R$ 242 pela refeição. O curioso é que, com este valor, seria possível pagar quase a metade de um pacote para 10 pessoas com direito Isca de peixe com gergelim de entrada; o prato principal com opção de camarão cremoso, peixe grelhado ou escalope de filé-mignon; e ainda suco de laranja, refrigerantes e água como opção de bebida.
A nota emitida pelo restaurante não tem descrição dos itens comprados – como, por exemplo, se o prato foi para mais de uma pessoa, o que é proibido – assim como do horário da refeição, mas o Tribuna do Ceará entrou em contato com o Recanto do Camarão para saber o prato mais caro para uma pessoa. De acordo com o cardápio do estabelecimento, o prato para uma pessoa de maior preço é um fettuccine com camarão alho e óleo: R$ 44,90. Pelas notas fiscais apresentadas até 1º de julho, o local é o terceiro onde o parlamentar mais gastou com alimentação.
Ao efetuar os reembolsos da despesa à conta da Ceap, a Coordenação de Gestão da Cota Parlamentar observa se os comprovantes apresentados atendem às exigências fiscais e contábeis contidas no Ato citado – caso contrário, não há reembolso. Assim, ao realizar a conferência do documento fiscal apresentado pelo parlamentar para reembolso, verifica-se a quitação da despesa na própria nota fiscal ou cupom.
A “liderança” no ranking de gastos com alimentação mostra que André Figueredo é um bom gourmet. Ele ainda pagou refeições de R$ 240 no restaurante de comida argentina Corrientes 348, no dia 23 de maio; R$ 237,93 no estabelecimento Carne do Sol 111 (lá, o prato individual mais caro que serve até duas pessoas custa R$ 51,70), no dia 31 de janeiro – e ainda em recesso parlamentar; e R$ 235 no restaurante Toscana Eventos Gastronômicos em 13 de março. O curioso é que todas os maiores gastos de André citados aqui não possuem descrição na nota fiscal, apenas “despesas com refeição”.
Em resposta aos questionamentos da reportagem, a assessoria do político afirmou que eles estava viajando durante a produção desta matéria e resumiu tudo “está dentro da lei”. Na lista dos mais gastões, quem vem em segundo é o deputado petista José Airton com R$ 4,2 mil pagos em refeições. As notas fiscais enviadas à Câmara Federal mostram que o parlamentar foi reembolsado por gastos de até R$ 234. Este valor, o mais alto pago pelo cearense chama atenção. No documento que o Tribuna do Ceará teve acesso, o valor total do gasto foi de R$ 511. Na nota, registrada no dia 13 de janeiro no restaurante Fogo de Chão, em Brasília, o valor pago pelo deputado foi de R$ 312,10 com cartão de crédito, isto é, um consumo dividido com, pelo menos, outra pessoa. Mas dinheiro ressarcido foi de R$ 234.
O Tribuna do Ceará pricurou a assessoria do deputado para esclarecimentos dos gastos, mas até a publicação desta matéria, as respostas não foram enviadas.
Outro gasto exorbitante, mas também reembolsado somente uma porcentagem para José Airton foi um verdadeiro banquete no restaurante Coco Bambu, um dos mais caros de Fortaleza. Na tarde do dia 16 de abril, o petista gastou nada menos que R$ 2.059,40com itens que vão de pasteis a frutos do mar. Outro fato peculiar é que o petista não deixa passar nada, até mesmo uma água consumida em um hotel de Juazeiro do Norte de R$ 3,85. No 1º semestre ele já acumula um reembolso de R$ 4,2 mil. Outro deputado do Ceará que não tem economizado no uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar é Ronaldo Martins (PRB). Apesar da média de gastos com alimentação ser menor do que os parlamentares citados, o volume de notas apresentadas para ressarcimento é dos grandes.
E para o povo, o básico
Enquanto a Câmara banca tais regalias, o cidadão assalariado tem que suar para comprar o feijão com arroz. E não está fácil. Em 12 meses, entre julho de 2014 e junho último, 18 cidades onde o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realiza a Pesquisa da Cesta Básica de Alimentos, houve alta no preço da cesta básica. Destacam-se as elevações registradas em Salvador (14,72%), Campo Grande (13,17%) e Belém (11,86%). Os menores aumentos aconteceram em Natal (3,51%) e Recife (3,61%).
Em Fortaleza, o valor da cesta corresponde a 44% do salário-mínimo, ou seja, R$ 325,40. A capital cearense é, inclusive, a segunda cidade com maior aumento em 2015 (16,05%), ficando atrás somente de Salvador, que acumula alta de 19,49% no ano. Já Brasília, terra dos parlamentares, a variação em 2015 é menor do que em Fortaleza, 9,09%, e R$ 10,97 nos últimos 12 meses. Segundo ainda dados do Dieese, o trabalhador fortalezense cuja remuneração equivale ao salário mínimo necessitou cumprir, em junho, jornada de 90 horas e 51 minutos, para colocar comida na mesa. Enquanto o deputado federal precisa apenas ir à Câmara apenas três dias na semana e receber seu salário de R$ 26.723,13, pago com dinheiro do contribuinte.
De olho neles
Procurada pela reportagem, a Câmara afirma que cabe exclusivamente ao deputado responsabilizar-se pela compatibilidade do objeto do gasto com a legislação, fato que o parlamentar atestará expressamente mediante declaração escrita. Ao apresentar a nota fiscal e solicitar o reembolso, o parlamentar assina um ato no qual declara inteira responsabilidade pela liquidação da despesa, que o objeto do gasto obedece aos limites fixados pela legislação e que a documentação apresentada é autêntica e legítima.
Para evitar fraudes, a Câmara dos Deputados tem adotado várias medidas para aprimorar os procedimentos de controle e utilização da cota parlamentar. Entre elas está a obrigatoriedade de digitalização das imagens dos comprovantes de despesa, que passaram a ser publicadas no Portal da Transparência da Câmara dos Deputados. A iniciativa facilita a fiscalização e o controle dos gastos parlamentares pela sociedade e pelos órgãos de fiscalização externa.
Disponível em: http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/politica/na-contramao-da-crise-deputados-gastam-r-18-mil-com-refeicoes-gourmet-pagas-com-dinheiro-publico/
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