segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

COMO MARIANA AJUDA A EXPLICAR BRUMADINHO

O incidente ambiental que ocorreu em 2015 não provocou o endurecimento da legislação ambiental e houve ainda o enfraquecimento da fiscalização, fatores decisivos para um novo desastre com proporções ainda maiores na última sexta-feira, explicam especialistas.


2019 Barragem rompe na mina Feijão, em Brumadinho. Mortes confirmadas, até agora: 58 Douglas Magno / AFP
2019 Barragem rompe na mina Feijão, em Brumadinho. Mortes confirmadas, até agora: 58 Douglas Magno / AFP












Três anos, dois meses e vinte e dois dias separam o rompimento da barragem do Fundão, no município de Mariana, de quando uma das quatro barragens da Mina Feijão, do município de Brumadinho, se rompeu. Ambas as cidades em Minas Gerais, separadas por 149 quilômetros, e as duas de responsabilidade da mineradora Vale.
Contudo, esse intervalo de tempo parece não ter sido suficiente para que fossem tomadas as medidas necessárias não apenas para evitar um novo desastre ambiental dessa envergadura, como minimizar os impactos da tragédia anterior. "Aquilo era para ser um grande alerta, mas não foi. Não tomaram a lição ainda", resume Sérgio Bezerra, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e que realiza estudos sobre os impactos Ambientais causados após o desastre em Mariana.

A impunidade dos responsáveis pelo crime ambiental em Mariana, além da flexibilização da legislação ambiental e um enfraquecimento na fiscalização, são fatores essenciais para entender porque a tragédia se repete. A aprendizagem com o incidente anterior não ocorreu, houve, por outro lado, recuo na proteção ao meio ambiente e negligência quanto aos riscos de futuros desastres.
"Esses acidentes são previsíveis desde que ocorra um monitoramento adequado", afirma o professor de Geografia da UFC, Jeovah Meireles. Contudo, a fiscalização de empreendimentos dessa natureza ainda é um entrave. "Os fiscais são perseguidos. O Estado tem como uma das atividades mais precárias justamente essa ação de fiscalização, principalmente no estado de Minas", critica. Um dos agravantes é que, em alguns casos, "a própria empresa faz o seu monitoramento e a sua fiscalização".

Dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) permitem conclusão semelhante à de Meireles. O Relatório de Segurança de Barragens de 2017, publicado no ano passado, informa que o trabalho de fiscalização limitou-se a 211 vistorias, o que equivale a 27% das 790 barragens de rejeito espalhadas pelo País.
A carência dessa fiscalização une-se a um enfraquecimento da legislação ambiental. Em Minas Gerais, após o rompimento da barragem em Mariana, houve tentativa de aprovações projetos de endurecimento das leis ambientais, que foram rejeitados pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
Em contraponto a isso, o secretário de Meio Ambiente do governo anterior, Germano Luiz Gomes Vieira, assinou em dezembro de 2017 norma que alterou os critérios de risco de algumas barragens, o que permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no Estado. "(Há uma) Pressão política pela rapidez do licenciamento, elaborado em um conselho que tem interesses particulares e não leva em conta os laudos elaborados, porque fatalmente inviabilizaram essa estrutura', argumenta Meireles.
"É uma negligência não respeitar as normas com relação a estudos geotécnicos e geofísicos, porque existe uma proporção quando vai se fazer uma barreira de contenção dessas. Isso não é respeitado", concorda Sérgio Bezerra. Além disso, mesmo existindo "50 barragens com baixo nível de proteção, esses projetos continuam sendo licenciados, a expansão deles continua sendo aprovada. Inclusive, com essa flexibilização de normas ambientais", completa a professora de direito Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Talita Furtado.
O que favorece que casos como esses possam se repetir. "Não tomaram a lição ainda, pode ter certeza que ainda vão ocorrer novamente em outros lugares ou até lá mesmo", acredita Bezerra. "Vai ser como um dominó, vai gerando novos volumes, vai interferindo nos outros barramentos que estão adiante e que certamente não foram projetados para receber esse volume tão brusco diante de um colapso de uma barragem", resume Jeovah Meireles.
Com riscos do País voltar a lidar com tragédias como essa, a responsabilização pelos crimes ambientais cometidos, em Mariana e em Brumadinho, beira a inexistência. "De Mariana para cá o que a gente tem notícia é que não houve um processo de responsabilização da empresa", critica Talita Furtado. Existe ainda uma tentativa de patrimonializar as indenizações dos afetados pelo rompimento da barragem, "sem considerar toda a teia de relações sociais que é perdida, a memória, as vidas, as relações com o ambiente".
"(Isso) É irreparável, do ponto de vista financeiro, mas as empresas disputam essa lógica de tentar monetizar esses danos e portanto reduzi-los ao máximo possível", argumenta ela. "Existe uma altíssima assimetria social e econômica entre os executores do processo, a Vale, e as populações que foram impactadas pelo rompimento", completa Meireles.
Para Furtado, o caminho é a mudança para um modelo de desenvolvimento sustentável. "É preciso ainda fortalecer a informação, os órgãos ambientais e a política de proteção ambiental, o que não foi feito de mariana para cá e que não vem sendo feito nos últimos anos", defende. 
(Com agências) 

LUANA BARROS
Disponível em:   https://www.opovo.com.br/jornal/reportagem/2019/01/como-mariana-ajuda-a-explicar-brumadinho.html?fbclid=IwAR0dIIhL5cXjSVfcrk6IFMw21x3sGGIzEDWO6jR2W5GJj0MR2kyKD3Jxv_w

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