
Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de queimar com ela seu presente e seu futuro.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País.
Eis o artigo.
O incêndio que destruiu o Museu Nacional do Rio, e com ele 200 anos da história do Brasil, foi mais do que um incêndio. As chamas são o triste símbolo de um país que abandona a espinha dorsal da ciência, a da cultura e da arte
para privilegiar uma política mesquinha de pequenos interesses pessoais
dos que deveriam ser os guardiões da maior riqueza de um país, que é a
memória da sua cultura.
Não é por caso que, ainda neste ano, nem um só ministro do Governo tenha participado das festividades do bicentenário do Museu Nacional no Rio. Não é por caso que todos os mecanismos de proteção do museu estavam abandonados, e que os professores tivessem que pagar a passagem de ônibus das faxineiras do museu, que já havia sido abandonado à própria sorte.
As imagens dessas labaredas queimando o coração cultural e histórico do Brasil, que estão correndo o mundo, poderiam ser um triste presságio, às vésperas de uma eleição presidencial que se prenuncia incendiária e incerta para este país. Quem estranha os surtos autoritários e direitistas que estamos observando deveria analisar o Museu Nacional
em chamas, pela incúria de quem deveria ter cuidado de preservar sua
riqueza histórica. Poderia assim entender melhor o voto de raiva de
milhões de brasileiros desiludidos com um sistema democrático que agoniza a partir da morte de seus valores culturais.
Um país que deixa sua memória histórica arder corre o perigo de
queimar com ela seu presente e seu futuro, comprometidos pelo abandono
de seus melhores valores, que agonizam asfixiados por uma classe política
incapaz de entender que não existem saltos na formação das novas
gerações. Elas se constroem, se aperfeiçoam e se modernizam a partir
dessa memória do passado. Sem memória, os jovens que deverão criar o
novo Brasil
sem romper o cordão umbilical com o que seus antepassados lhe deixaram
acabarão como náufragos sem bússola, num mar já muito agitado pela
incerteza e pelas nuvens negras antidemocráticas e obscurantistas que o ameaçam.
Sem esperança, então? Não. Brasil é maior que seus melhores museus, e todos os povos aprenderam na escola sobre seus fracassos e derrotas. Que, das cinzas tristes e amargas do Museu Nacional do Rio, um novo Brasil possa ressuscitar como a ave fênix da mitologia. Um Brasil que só será melhor e mais justo se a cultura e a ciência chegarem a todos, em vez de serem apenas patrimônio dos privilegiados.
Que as chamas do Museu Nacional, que hoje entristecem o Brasil
e o mundo, sirvam de alarme e de exame de consciência na hora de
digitar, dentro de algumas semanas, o voto na urna eletrônica, para não
escolher de novo os que têm sido incapazes de preservar a rica memória
deste país que hoje parece, como o museu que ardeu, abandonado à própria sorte.
LEANDRO KARNAL 🔥Incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro | 3/9/2018
https://www.youtube.com/watch?v=TlFGXqxJGhA
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/582454-mais-que-um-incendio-um-triste-simbolo-de-um-pais-que-abandona-a-si-mesmo
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