
"Ou questionamos e encontramos um outro modelo de desenvolvimento ou
continuaremos no modelo colonial de exportação de produtos primários",
escreve Henrique Cortez, jornalista, ambientalista e editor do portal EcoDebate.
Eis o artigo.
O governo (este e os anteriores) sempre demonstra permanente submissão aos interesses do agronegócio de exportação, principalmente os pecuaristas e sojicultores
que, aliados aos grandes grupos econômicos e financeiros, apenas
percebem os ativos ambientais como recursos econômicos a serem
livremente apropriados.
O manejo sustentável dos recursos naturais, a agroecologia e a agricultura familiar
não estão na agenda de compromissos dos grandes interesses econômicos
e, por consequência, também não estão na agenda do governo.
Nesta lógica, o governo mantém a opção pelo incentivo à produção e
exportação de produtos primários como cláusula pétrea da economia
nacional.
Como em outras áreas, é a versão século XXI do modelo colonial, no qual as colônias exportavam produtos primários
(com pequeno valor agregado) para beneficiamento pelas metrópoles, as
quais os processavam e reexportavam (com grande valor agregado). Foi
assim que as colônias financiaram o desenvolvimento dos países
colonialistas e ainda é assim que o terceiro mundo financia os países que se dizem desenvolvidos.
Esta pauta colonial de exportação está na origem de tantos desencontros e ambiguidades, tal como a encontrada na produção do biodiesel, cujo programa foi lançado com o argumento de que seria a “redenção” da agricultura familiar no norte e nordeste do país. No entanto, o biodiesel é majoritariamente produzido a partir da soja (70% do total), passando ao largo da agricultura familiar. Mostrou-se como mais um projeto para beneficiar os mesmos de sempre, como sempre.
A bancada ruralista no Congresso, reiteradas vezes, provou o seu imenso poder, guiando políticas públicas, mesmo quando elas serão desastrosas no longo prazo.
Os exemplos são muitos, vão do ‘novo’ Código Florestal ao esvaziamento do Incra e da Funai. O empenho ruralista em impedir novas demarcações de terras indígenas e quilombolas é público e notório. Mais recentemente, a poderosa bancada ruralista aprovou um projeto de lei, o ‘PL do Veneno’, que altera o registro, fiscalização e controle dos agrotóxicos no país.
Tudo em nome da expansão das áreas de cultivo e pecuária, quaisquer que sejam as consequências.
É indiscutível a pressão que a bancada ruralista faz pela ‘flexibilização’ da legislação socioambiental e até mesmo da Constituição, sempre argumentando pela necessidade de ampliar a produção de alimentos, como se já não produzíssemos mais do que o suficiente para consumir e exportar milhões de toneladas, mesmo com um desperdício médio de 35% do que produzimos.
No Brasil e no mundo não faltam alimentos, mas as pessoas passam fome porque não tem dinheiro suficiente para comprá-los.
O modelo agrícola brasileiro, baseado na agropecuária intensiva e extensiva, ainda é um reflexo do modelo de ocupação territorial aplicado desde a colonização. A agricultura
e seus marcos legais podem e devem ser modernizados, incorporando os
novos conceitos, tecnologias e conhecimentos científicos acumulados ao
longo das últimas décadas. Mas modernização é algo completamente
diferente do que o proposto pela bancada ruralista, que reafirma as práticas do inicio do século 20. Uma ‘modernização’ que, mais uma vez, nos colocará na vanguarda do atraso.
Para o governo e seus aliados, a agenda desenvolvimentista continuará
intocada, quaisquer que sejam os danos sociais ou ambientais deste
modelo equivocado de desenvolvimento. O ministério do meio ambiente continuará no papel de objeto cênico, um mero ‘biombo’ verde, porque esta é a vontade expressa do governo.
Mas não podemos negar a nossa responsabilidade por tudo isso. Nossa
omissão, nossa ausência nas discussões sobre o nosso futuro, permitem
que esta situação se agrave cada vez mais. Podemos e devemos resistir ao
avanço do ‘trator’ ruralista e de sua agenda ambientalmente
insustentável.
Além disso, cotidianamente, precisamos iniciar as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários,
com destaque para minério, alumínio primário, carne e grãos. É
necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.
Ou questionamos e encontramos um outro modelo de desenvolvimento ou continuaremos no modelo colonial
de exportação de produtos primários. É o que fazemos desde o
descobrimento (apenas mudamos de senhores ao longo do tempo) e ainda não
chegamos lá.
Precisamos, desde já, nas eleições de 2018, construir uma agenda de sustentabilidade
e organizar nosso apoio aos candidatos que tenham clara compreensão do
desenvolvimento sustentável como sendo socialmente justo, economicamente
inclusivo e ambientalmente responsável.
Pouco ou nada poderá ser feito para garantir um futuro minimamente
sustentável se, para cada parlamentar comprometido com as causas sociais
e ambientais, forem eleitos 30 representantes dos ruralistas, dos
agroquímicos, da grande industria, etc. Esta é a proporção atual e já
sabemos as consequências.
Nesse ritmo, o país que conhecemos deixará de existir, sendo
transformado na “Fazendona Brasil”, a neocolônia que preferiu abandonar o
seu futuro para tornar-se o “celeiro do mundo”.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/582236-o-parlamento-na-vanguarda-do-atraso-e-a-opcao-pelo-desenvolvimentismo-ruralista
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