Em todo o mundo, juízes se deparam com a difícil tarefa de conciliar a
aplicação de leis com a complexidade de decidir quem tem mais direito
sobre a água em uma disputal judicial.
A reportagem é publicada por Agência Brasil.
“Cada vez vemos mais leis da água que estão
fortemente subsidiadas pelos avanços científicos, no entendimento dos
fenômenos naturais, que envolve o complexo meio ambiente onde a água
está inserida”, disse o presidente executivo da Associação Internacional
para Direito da Água (Aida), Stefano Burchi, durante a conferência de juízes e promotores no 8º Fórum Mundial da Água.
Pela primeira vez, juristas estão reunidos no fórum para tratar das perspectivas, desafios e soluções no âmbito do direito para problemas envolvendo a água e seus usos. O evento começou no dia 18 e vai até 23 de março, em Brasília.
Para Burchi, nesse contexto, as mudanças climáticas aumentam os conflitos judiciais – por causa de escassez ou excesso de água, a concorrência pelo uso do recurso e o impacto sobre os bens materiais. “As águas subterrâneas, por exemplo, são um recurso complexo e se tornam mais importantes de forma estratégica quando se conjugam com os recursos hídricos superficiais.
Trata-se de algo que está assumindo um valor. E tenho testemunhado
gerações de juízes que tem tentado decifrar os meandros das evidências
hidrogeológicas”, contou.
Com essa demanda crescente, juízes têm de tomar decisões, recorrendo
não somente às leis, como também à ciência. “Não tenho inveja de vocês
juízes que serão convocados a interpretar a lei, principalmente nesse
ambiente contemporâneo, quando as leis se tornam mais complexas,
expostas a desafios complexos ocasionados pela mudança do clima”, disse Burchi.
“Corrupção no setor hídrico”
O representante do Programa de Governança da Água da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Hakam Tropp,
alerta que esse cenário exige de governo, instituições públicas, setor
privado e organizações civis ações que priorizem a transparência,
responsabilização e participação. E, para ele, a Justiça ainda tem pela frente a missão de impedir “a corrupção no setor hídrico”.
“Algo que estamos observando é que há um risco grande de corrupção no setor hídrico
e ela pode se dar em diferentes níveis. Já somos testemunhas da
corrupção em pequena escala, como, por exemplo, fazer um gato no
hidrômetro”, disse. “Isso é algo que torna o setor menos capaz de
responder aos desafios da água e que leva à falta recursos financeiros para investimentos”, ressaltou.
Para Tropp, é possível intensificar o trabalho de prevenção em relação à corrupção,
por exemplo, a partir dos princípios da governança. “Agimos só depois
do fato acontecido, mas como colaborar para evitar que esses problemas
aconteçam? Com transparência, responsabilização e participação”, disse,
chamando o Judiciário para participar e complementar o trabalho de profissionais do setor de recursos hídricos.
Resiliência
Para o diretor do Programa Global da Água da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), Mark Smith, a Justiça pode ajudar na adaptação para o enfrentamento das mudanças climáticas com infraestrutura e tecnologias sustentáveis; aspectos sociais e políticos; e aprendizado e conhecimento.
“São os quatro elementos da resiliência no enfrentamento às mudanças climáticas”, disse. Para Smith, a resiliência é fortalecida pela biodiversidade e diversidade econômica e toda lei ambiental que protege a biodiversidade e a Justiça ambiental merece esforços.
No âmbito da infraestrutura, é preciso considerar obras concluídas
como barragens e transposições, além da infraestrutura natural, como
alagadiços e florestas. “O direito ambiental e sua aplicação é um
componente crítico na avaliação de impactos ambientais para que a
infraestrutura seja construída de maneira adequada e transparente”,
explicou.
Sobre os aspectos sociais, políticos e de conhecimento, Smith
explicou que as comunidades precisam reagir aos impactos das mudanças.
Para isso, precisam participar do processo de governança em diferentes
instituições. “O aspecto legal tem a ver com garantir que as
organizações sejam equipadas para adaptar-se à medida que as mudanças climáticas causam impacto”, disse.
Injustiça ambiental
Para o juiz norte-americano Michael Wilson, da Suprema Corte do Havaí, não é possível falar em Justiça,
mas sim em injustiça ambiental. “Trata-se de uma emergência declarada.
Estamos criando a maior injustiça internacional e ambiental por causa do
planeta que estamos passando adiante”, disse, sobre os estudos que
mostram que não será possível limitar o aquecimento global e como isso
impactará as gerações futuras.
Segundo Wilson, os juristas reunidos no fórum estão na vanguarda da Justiça ambiental.
“O mundo com aumento de 2 ou 3 graus [Celsius] é ilegal. Onde vocês
veem na lei que isso é condizente com as condições de vida?”,
questionou. “O nosso juramento é de resgatar as espécies, de constituir
uma Justiça verde, para assegurar que pelo menos tentamos mudar o
futuro”, disse, criticando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que defende a economia do carbono e diz que o aquecimento global é um mito.
O juiz da Suprema Corte criticou ainda o alto número
de assassinatos de ativistas ambientais, quatro por semana, segundo
ele, fazendo um paralelo ao assassinato da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, defensora dos direitos humanos. “Pessoas perdem suas vidas quando defendem seus valores”, disse.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/577315-mudancas-climaticas-aumentam-disputas-judiciais-por-agua-e-desafiam-juizes
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