Brasil deixa de arrecadar pelo menos R$ 1,3 bilhão com isenções aos agrotóxicos. Setor que movimentou cerca de R$ 30 bilhões no ano recolheu em média 12% de ICMS e não paga nada de IPI. Além disso, cada dólar gasto com agrotóxico corresponde a R$ 1,28 com tratamentos de saúde.
Só em 2017, as indústrias de agrotóxicos movimentaram cerca de R$ 30 bilhões, conforme o próprio setor. E pelas contas feitas pelas organizações Terra de Direitos e FIAN Brasil, junto com a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA),
o país deixou de arrecadar pelo menos R$ 1,3 bilhão com as isenções
concedidas a esses produtos. Estão isentos de Imposto sobre Produtos
Industrializados (IPI) e não recolhem praticamente nada de Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em muitos estados.
O valor é o mesmo do orçamento deste ano da cidade de Palmas, capital do Tocantins,
com 286 mil habitantes. Ou mesmo o da redução do orçamento do
Ministério do Meio Ambiente de 2018 (3,7 bilhões) quando comparado ao de
R$ 5 bilhões de 2013, que vai fazer uma falta danada. Muitos parques
não terão recursos para fazer prevenção contra incêndios, por exemplo.
Além de deixar de arrecadar tudo isso, o país ainda
tem de custear o atendimento médico prestado às pessoas que adoecem
devido às intoxicações agudas causadas por esses mesmos venenos que
praticamente não pagam impostos.
As mesmas entidades calculam que, para cada US$ 1
gasto com agrotóxicos, são dispendidos US$ 1,28 com tratamento médico
com intoxicações. Mas o valor está subdimensionado porque a exposição,
com o tempo, causa diversos tipos de câncer, e outros males que vão
aparecer nos trabalhadores rurais – e nos consumidores de alimentos
envenenados – muitos anos depois.
Também não entram na conta os incalculáveis danos
ambientais, a perda da biodiversidade, como o extermínio de insetos
polinizadores, entre eles abelhas, e a contaminação do solo e das águas,
que por sua vez trará doenças e mais prejuízos financeiros para todos.
Na esfera estadual as perdas são igualmente incalculáveis. No entanto, uma estimativa feita em São Paulo
a partir de dados oficiais pelo defensor público da Defensoria Estadual
de Santo André, Marcelo Novaes, mostra que em 2015, o governo de Geraldo Alckmin (PSDB)
deixou de arrecadar pelo menos R$ 1,2 bilhão – daí a desconfiança de o
Brasil perde muito mais do que a estimativa das entidades.
O valor é o mesmo do déficit estadual naquele ano. Em outros estados, como o Rio Grande do Sul, o Fórum Gaúcho de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos
está levantando informações junto ao governo para fazer uma estimativa
de quanto se paga ali para a população ser envenenada. Um dos maiores
consumidores de agrotóxicos no país, o RS tem regiões que lideram
ranking nacional de casos de câncer, conforme o Instituto Nacional do
Câncer José de Alencar (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde.
As isenções aos agrotóxicos dividem setores do governo de Michel Temer. Órgãos como o Ibama, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
e o próprio Inca são contra. Já a Advocacia-Geral da União (AGU)
entende que elevar impostos de agroquímicos aumenta o custo dos
alimentos. E o Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos (CTA),
que tem participação de representantes dos ministérios da Agricultura,
do Meio Ambiente, e da Saúde, e a Secretaria de Política Econômica do
Ministério da Fazenda, já manifestaram a tendência de manter as regras
atuais.
A imoralidade é tamanha que em 2016 advogados ligados à Rede Nacional dos Advogados Populares (Renap), por meio do Partido Socialismo e Liberdade (Psol),
ingressaram com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.553.
Eles questionam a legalidade das cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº
100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011.
Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao
mercado de agrotóxicos, com redução de até 60% da base de cálculo do
ICMS, além da isenção total do IPI de determinados tipos de agrotóxicos.
Em outubro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, divulgou o parecer da PGR sobre a questão, analisada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ministro Edson Fachin. Na avaliação, Raquel diz que os instrumentos tributários no país percorrem um caminho inverso. “Eis
que, ao estipularem benefícios fiscais aos agrotóxicos, intensificam o
seu uso e, portanto, sujeitam o meio ambiente, a saúde e a coletividade
dos trabalhadores aos perigos inerentes ao manuseio em larga escala”. E que “o
magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal inclina-se a dar
preferência ao direito ao meio ambiente, quando necessita ponderá-lo
com outros interesses coletivos”.
Os fabricantes já estão pressionando o STF.
A sociedade, ainda não. Por isso, na última segunda-feira (5) a Terra
de Direitos, a FIAN Brasil, a Campanha Permanente e a ABA protocolaram
no STF pedido para ingressar como Amicus Curiae no processo que
questiona a constitucionalidade do benefício. A condição de Amicus
permite que as organizações possam contribuir com a discussão e fornecer
mais elementos para os ministros do STF avaliarem a questão.
De acordo com a advogada popular da Terra de
Direitos e do Coletivo Jurídico da Campanha Permanente Contra os
Agrotóxicos, Naiara Bittencourt, a redução na base de cálculo do ICMS de
até 60% por causa do convênio que está sendo questionado no STF além de
outras políticas agrícolas que induzem o consumo de agrotóxicos no país
sustentam “a configuração do modelo agrícola concentrado, dependente e envenenado”.
O agricultor e estudante de Direito Thales
Mendonça, acrescenta que esses benefícios fiscais foram concedidos sem
justificativa concreta e sem debate com a sociedade. O argumento é a sua
importância para a economia. “Esses
insumos são produzidos em sua maioria por empresas transnacionais,
concentradas, e utilizados em larga escala na produção brasileira.Tanto é
que somos o país que mais consome agrotóxicos no mundo”, diz.
Segundo Naiara e Thales, entre os argumentos
técnicos para manter esses benefícios fiscais estão os princípios da
essencialidade e seletividade tributárias. São eles que determinam que,
quanto maior a importância social do bem, haverá maiores benefícios e
incentivos fiscais do Estado. Ou seja, se é essencial para a
coletividade, deve ter isenções ou reduções tributárias.
Tal princípio, importante para reduzir as
desigualdades sociais e facilitar o consumo de bens básicos para a
reprodução da vida da população, no entanto, acaba desvirtuado e
aplicado equivocadamente. Afinal, os agrotóxicos não são bens
essenciais, como são os medicamentos, por exemplo.
Para eles, trata-se, na verdade, de uma transferência de recursos públicos aos setores privados, de forma obscura e implícita. “Tais
prejuízos são socializados entre toda a população. E além de receberem
incentivos fiscais para a venda de agrotóxicos, as indústrias raramente
despendem recursos para reparar danos causados à saúde e ao meio
ambiente”, destaca Naiara.
“Abrir mão de receita pública em um momento de
congelamento de investimento em áreas sociais, por 20 anos, por meio da
Emenda Constitucional 95/2016, sob o pretexto de enfrentamento de
déficits, é uma afronta”, afirma Thales.
Em vez dos benefícios concedidos aos agrotóxicos,
as entidades que eles representam – e que ingressaram com o Amicus –
defendem incentivos fiscais aos alimentos em sua comercialização final
ou produtos e maquinários que facilitam práticas agrícolas
ambientalmente sustentáveis.
De todo alimento que chega à mesa dos brasileiros,
70% vem da agricultura familiar, em muitos casos de bases tradicionais e
ecológicas. Apesar dos latifúndios, a agricultura convencional em larga
escala não alimenta a população e muito menos paga impostos
proporcionalmente ao tamanho do setor dentro da economia nacional.
Dados da Receita Federal mostram que o setor
agropecuário, que não abre mão dos agrotóxicos, também é bem tratado do
ponto de vista tributário. Em 2015, o país arrecadou um total R$ 826
bilhões em impostos, vindos de todos os setores da economia. O setor
agricultura, pecuária e relacionados contribuiu com apenas R$ 1,92
bilhão, o que corresponde a 0,23% do bolo. Um valor é irrisório quando o
agronegócio festejado em cadeia nacional, em horário nobre da TV,
responde por 25% da riqueza produzida no país.
Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2018/03/bondade-de-temer-com-o-agronegocio-faz-brasil-perder-r-13-bilhao.html
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