O pior de uma ditadura civil ou militar é sempre para o povo. As novas gerações não conhecem a crueldade de uma ditadura total. É de gelar a alma o silêncio da sociedade diante da atual conjuntura.
Leonardo Boff*
O que vivemos atualmente no Brasil não pode sequer ser chamado de democracia
de baixíssma intensidade. Se tomarmos como referência mínima de uma
democracia sua relação para com o povo, o portador originário do poder,
então ela se nega a si mesma e se mostra como farsa.
Para as decisões que afetam profundamente o povo,
não se discutiu com a sociedade civil, sequer se ouviram movimentos
sociais e os corpos de saber especializado: o salário mínimo, a
legislação trabalhista, a previdência social, as novas regras para a
saúde e a educação, as privatizações de bens públicos fundamentais como
é, por exemplo, a Eletrobrás e
campos importantes de petróleo do pré-sal, bem como as leis de definem a
demarcação das terras indígenas e, o que é um verdadeiro atentado à
soberania nacional, a permissão de venda de terras amazônicas a
estrangeiros e a entrega de vasta região da Amazônia para a exploração
de variados minérios a empresas estrangeiras.
Tudo está sendo feito ou por PECs, decreto ou por
medidas provisórias propostas por um presidente, acusado de chefiar uma
organização criminosa e com baixíssimo apoio popular que alcança apenas
3%, propostas estas enviadas, a um parlamento com 40% de membros
acusados ou suspeitos de corrupção.
Que significa tal situação senão a vigência de um
Estado de exceção, mais, de uma verdadeira ditadura civil? Um governo
que governa sem o povo e contra o povo, abandonou o estatuto da
democracia e claramente instaurou uma ditadura civil. Assim pensa um de
nossos maiores analistas politico Moniz Sodré, entre outros. É
exatamente isso que estamos vivendo neste momento no Brasi.
Na perspectiva de quem vê a realidade política a
partir de baixo, das vítimas deste tipo novo de violência, o país
assemelha-se a um voo cego como um avião sem piloto. Para onde vamos?
Nós não sabemos. Mas os golpistas o sabem: criar as condições políticas
para o repasse de grande parte da riqueza nacional para um pequeno grupo
de rapina que segundo o IPEA não passa de 0,05 de populacão brasileira,
(um pouco mais de 70 mil milhardários) que constituem as elites
endinheiradas, insaciáveis e representantes da Casa Grande, associadas a
outros grupos de poder anti-povo, especialmente de uma mídia
empresarial que sempre apoiou os golpes e teme a democracia.
Transcrevo um artigo de um atento observador da
realidade brasileira, vivendo no semi-árido e participando da paixão das
vítimas de uma das maiores estiagens de nossa história: Roberto
Malvezzi. Seu artigo é uma denúncia e um alarme: Da ditadura civil para a militar.
“Antes do golpe de 2016 sobre a maioria do povo
brasileiro trabalhador ou excluído, já comentávamos em Brasília, num
grupo de assessores, sobre a possibilidade de uma nova ditadura no
Brasil. E nos ficava claro que ela poderia ser simplesmente uma
“ditadura civil”, sem necessariamente ser militar. Entretanto, como em
1964, ela poderia evoluir para uma ditadura militar. Naquele momento
pouquíssimos acreditavam que o governo poderia ser derrubado”.
Para mim não há dúvida alguma que estamos em plena
ditadura civil. É um grupo de 350 deputados, 60 senadores, 11 ministros
do Supremo, algumas entidades empresariais e as famílias donas da mídia
tradicional que impuseram uma ditadura sobre o povo.
As instituições funcionam, como dizem eles, mas
contra o povo e apenas em favor de uma reduzidíssima classe de
privilegiados brasileiros. Claro, sempre conectados com as
transnacionais e poderes econômicos que dominam o mundo.
Portanto, nós, o povo, fomos postos de fora. Tudo é
decidido por um grupo de pessoas que, se contadas nos dedos, não devem
atingir mil no comando, com um grupo um pouco maior participando
indiretamente.
Acontece que o golpe não fecha, não se conclui,
porque a corrupção, velha fórmula para aplicar golpes nesse país, hoje é
visível graças a uma mídia alternativa presente e cada vez mais
poderosa. E a corrupção está em todos os níveis da sociedade brasileira,
sobretudo nos hipócritas que levantaram essa bandeira para impor seus
interesses.
Mas, a corrupção é apenas o pretexto. Segundo a
visão de Leonardo Boff, o objetivo do golpe é reduzir o Brasil que
funcione apenas para 120 milhões de brasileiros. Os 100 milhões
restantes vão ter que buscar sobreviver de bicos, esmolas e participação
em gangs, quadrilhas e tráfico de armas e drogas.
Então, começam aparecer sinais do verdadeiro
pensamento de quem está no comando, uma reunião da Maçonaria, um general
falando a verdade do que vai nos bastidores, a velha mídia com a
opinião de “especialistas”, nas mídias sociais os saudosos da antiga ditadura dizendo que “quem não é corrupto não precisa ter medo dos militares”.
Enfim, estão plantando a possibilidade da ditadura
militar. Para o pequeno grupo que deu o golpe ela é excelente, a melhor
das saídas. Nunca foram democráticos. Não gostam do povo. Inclusive
nessa Câmara e nesse Senado, poucos vão perder seus cargos ou ir para a
cadeia.
O pior de uma ditadura civil ou militar é sempre para o povo. As novas gerações não conhecem a crueldade de uma ditadura total.
É de gelar a alma o silêncio da sociedade diante das “declarações do referido general”. Que Deus e o povo organizado nos salvem.
*Leonardo Boff é teólogo, filósofo, professor, ecologista e escritor
Disponível em: https://www.pragmatismopolitico.com.br/2017/09/boff-ditadura-civil-rumo-militar.html
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