quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

"POR QUE POLÍTICOS LGBT ELEITOS AINDA SÃO TÃO RAROS NO BRASIL"

Por Caio do Valle

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PREFEITO DE LINS, EDGAR DE SOUZA

O casamento do prefeito da cidade de Lins, no interior paulista, virou notícia por ser ele o primeiro político declaradamente homossexual a ocupar o comando de um município no Brasil.

O ano é 2017. Já se passaram quase seis desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao matrimônio homoafetivo. Já se contam 14 anos do primeiro beijo entre duas pessoas do mesmo sexo numa novela de grande audiência. Já faz duas décadas que o país abriga, anualmente, uma das maiores paradas do orgulho LGBT do mundo, em São Paulo.

Mesmo assim, ainda são muito poucos os ocupantes de cargos públicos eletivos que se sentem à vontade para se declararem homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero.

Embora as eleições municipais de 2016 tenham representado um avanço, com a vitória de mais candidatos LGBTs – foram 26 pessoas, segundo um balanço do primeiro turno da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) – a quantidade é pouco expressiva em face do universo de postos no Legislativo (cerca de 57 mil vagas nas câmaras municipais) e no Executivo (5.500 prefeitos).

Na atual composição do Congresso Nacional, que soma 594 parlamentares, nenhum senador e apenas um deputado afirma, abertamente, a sua homossexualidade. Trata-se de Jean Wyllys (PSOL-RJ), eleito pela primeira vez em 2010. Para efeito de comparação, na presente legislatura do Congresso dos Estados Unidos, existem sete legisladores (seis deputados e uma senadora) declaradamente LGBTs. No Reino Unido, esse número chega, hoje, a 35 membros do Parlamento.

Edgar de Souza, o prefeito linense pelo PSDB, foi alçado ao cargo no pleito de 2012. Na campanha daquele ano, ele foi o único candidato a prefeito eleito, em todo o país, a reconhecer em público a sua sexualidade homoafetiva. Na votação de 2016, outro concorrente que declarou-se gay, Wirley Rodrigues Reis, conhecido como Têko (PHS), foi escolhido prefeito, em Itapecerica, em Minas Gerais. Semanas depois, ele foi vítima de agressão homofóbica.

 
Um espaço de privilégios
 

É também em decorrência de ataques como o sofrido por Reis – cuja casa teve os muros pichados com ofensas à sua orientação sexual – que nem todos sentem-se à vontade para tornar pública a própria sexualidade. Agravando o cenário, há um meio político que ainda é um espaço de privilégios, buscando afastar minorias de seus quadros. É o que argumenta Wyllys, em entrevista ao Nexo.

“A política é dominada por homens brancos, heterossexuais e ricos. Em sua maioria, empresários, ruralistas ou pessoas diretamente ligadas aos setores produtivos. Este é o padrão que, apesar de representar menos de 10% da população, ocupa cerca de 80% dos cargos no Legislativo federal. Muito disto se deve às campanhas milionárias, conchavos políticos, toma-lá-dá-cá, e também por conta dos preconceitos, ódio e difamação que se abatem sobre mulheres, pessoas negras, LGBTs, pobres, entre outros” Jean Wyllys Deputado federal pelo PSOL-RJ
 
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Marginalização de grupos sociais
 

Para Evorah Cardoso, doutora em direito pela USP e integrante do coletivo Vote LGBT, que mapeia candidatos favoráveis a pautas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero, grupos sociais marginalizados podem se sentir repelidos dos espaços institucionais da política.

“É importante que as pessoas – sejam mulheres, negras, LGBTs – saibam que elas podem ocupar espaços de poder. Existem vários grupos que sofrem discriminação e que, muitas vezes, consideram que não podem ocupar esses espaços. O que não dá para dizer é que, se hoje elas não os ocupam, é porque os candidatos não estão declarando [a sua orientação sexual e de gênero]”, afirma ela, para quem a vitória de um candidato como Fernando Holiday (DEM-SP), a primeira pessoa abertamente homossexual a se eleger para a Câmara Municipal da capital paulista, em 2016, também é importante – apesar das críticas dele a programas sociais que beneficiem a população LGBT.

Segundo Felipe Oliva, outro membro do coletivo, são os líderes partidários que definem quem sai candidato e quem ganha os recursos eleitorais dentro de cada agremiação, durante as eleições. Nesse sentido, ele explica, o problema de falta de representatividade LGBT talvez seja parecido com o déficit de representantes mulheres que acabam sendo eleitas, preteridas em detrimento de candidatos homens.

O suplente de deputado estadual pelo Bruno Maia (PSOL-SP), conhecido como Tomorrow, que é homossexual declarado, pondera que a luta por mais espaço LGBT nos contextos da política tradicional constitui fenômeno relativamente novo. “É preciso ainda ganhar espaço dentro dos partidos para conseguir maior representatividade. Os grupos que os comandam são os mesmos de 20 anos atrás: eles não têm interesse em dividir o poder.”

Ainda conforme a sua avaliação, a política ainda é vista como uma atividade eminentemente masculina e heteronormativa, e muita gente defendendo bandeiras favoráveis pode estar simplesmente atrás de votos. “LGBTs devem ficar espertos para não servirem apenas de degraus para outros.”

 
Persistência do conservadorismo
 

Já de acordo com Oliveira, o próprio conservadorismo de grande parte parte da sociedade brasileira contribui para a menor presença de minorias nos poderes da República. “Os avanços [como a união homoafetiva] vieram pelo Judiciário. O Brasil é o país em que mais se matam LGBTs no mundo.” 

Jean Wyllys afirma que o discurso conservador muitas vezes se traduz em práticas violentas e que tende a eleger um “outro” contra o qual nega direitos fundamentais, inclusive políticos. “Há um discurso cruel, que demoniza o outro, e que circula por iniciativa de quem quer impedir que estas pessoas também sejam reconhecidas como cidadãos de pleno direito.”

Por sua vez, Cardoso sustenta que, muitas vezes, pessoas que desejam votar em candidatos LGBTs para o Legislativo não os encontram com facilidade, pela própria falta de exposição na campanha, que é bem menos aprofundada do que a para cargos executivos.

“Declarar ou não declarar [a oriental sexual e de gênero] não deve ser uma obrigação, não deve ser nada que seja exigido publicamente. Isso faz parte da trajetória da pessoa. Mas se ela quer construir a política dela em torno disso, ótimo. E que mais e mais pessoas façam isso, porque, se não, a gente nunca vai ter direitos LGBTs garantidos. Ou vai ter, mas com pessoas que não são LGBTs defendendo esses direitos nesses espaços. O que talvez não seja suficiente, porque, por mais que uma pessoa que não seja negra, não seja LGBT, não seja mulher seja favorável a essas pautas, muita coisa se perde.” Evorah Cardoso Doutora em direito e integrante do Vote LGBT

 
Como é a situação em outros países
 

Se a situação no poder Legislativo ainda é desfavorável, no Executivo tampouco é promissora para representantes LGBTs. Contudo, diversos países já têm, ou tiveram, representantes lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou transgênero declarados em postos de destaque. Veja alguns deles, abaixo:

Islândia: em 2009, Jóhanna Sigurðardóttir: foi a primeira homossexual declarada a governar um país


Alemanha: entre 2001 e 2014, Klaus Wowereit foi prefeito de Berlim 

Estados Unidos: em 2009, Annise Parker se tornou a primeira lésbica a comandar uma grande cidade no país (Houston, a quarta mais populosa) 

Luxemburgo: em 2015, Xavier Bettel tornou-se o primeiro líder gay em exercício da Europa a se casar

 
Disponível em:  http://www.homorrealidade.com.br/2018/02/por-que-politicos-lgbt-eleitos-ainda.html
 

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