PREFEITO DE LINS, EDGAR DE SOUZA
O casamento do prefeito da cidade de Lins, no interior paulista, virou notícia por ser ele o primeiro político declaradamente homossexual a ocupar o comando de um município no Brasil.
O ano é 2017. Já se passaram quase seis desde que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito ao matrimônio homoafetivo. Já se contam 14 anos do primeiro beijo entre duas pessoas do mesmo sexo numa novela de grande audiência. Já faz duas décadas que o país abriga, anualmente, uma das maiores paradas do orgulho LGBT do mundo, em São Paulo.
Mesmo assim, ainda são muito poucos
os ocupantes de cargos públicos eletivos que se sentem à vontade para se
declararem homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e
transgênero.
Embora as eleições municipais de
2016 tenham representado um avanço, com a vitória de mais candidatos
LGBTs – foram 26 pessoas, segundo um balanço do primeiro turno da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) – a quantidade é pouco expressiva em face do universo de postos no Legislativo (cerca de 57 mil vagas nas câmaras municipais) e no Executivo (5.500 prefeitos).
Na atual composição do Congresso
Nacional, que soma 594 parlamentares, nenhum senador e apenas um
deputado afirma, abertamente, a sua homossexualidade. Trata-se de Jean
Wyllys (PSOL-RJ), eleito pela primeira vez em 2010. Para efeito de
comparação, na presente legislatura do Congresso dos Estados Unidos, existem sete legisladores (seis deputados e uma senadora) declaradamente LGBTs. No Reino Unido, esse número chega, hoje, a 35 membros do Parlamento.
Edgar de Souza, o prefeito linense
pelo PSDB, foi alçado ao cargo no pleito de 2012. Na campanha daquele
ano, ele foi o único candidato a prefeito eleito, em todo o país, a
reconhecer em público a sua sexualidade homoafetiva. Na votação de 2016,
outro concorrente que declarou-se gay, Wirley Rodrigues Reis, conhecido
como Têko (PHS), foi escolhido prefeito, em Itapecerica, em Minas
Gerais. Semanas depois, ele foi vítima de agressão homofóbica.
Um espaço de privilégios
É também em decorrência de ataques
como o sofrido por Reis – cuja casa teve os muros pichados com ofensas à
sua orientação sexual – que nem todos sentem-se à vontade para tornar
pública a própria sexualidade. Agravando o cenário, há um meio político
que ainda é um espaço de privilégios, buscando afastar minorias de seus
quadros. É o que argumenta Wyllys, em entrevista ao Nexo.
“A política é dominada por homens
brancos, heterossexuais e ricos. Em sua maioria, empresários,
ruralistas ou pessoas diretamente ligadas aos setores produtivos. Este é
o padrão que, apesar de representar menos de 10% da população, ocupa
cerca de 80% dos cargos no Legislativo federal. Muito disto se deve às
campanhas milionárias, conchavos políticos, toma-lá-dá-cá, e também por
conta dos preconceitos, ódio e difamação que se abatem sobre mulheres,
pessoas negras, LGBTs, pobres, entre outros” Jean Wyllys Deputado federal pelo PSOL-RJ
Marginalização de grupos sociais
Para Evorah Cardoso, doutora em direito pela USP e integrante do coletivo Vote LGBT,
que mapeia candidatos favoráveis a pautas lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgênero, grupos sociais marginalizados
podem se sentir repelidos dos espaços institucionais da política.
“É importante que as pessoas – sejam
mulheres, negras, LGBTs – saibam que elas podem ocupar espaços de
poder. Existem vários grupos que sofrem discriminação e que, muitas
vezes, consideram que não podem ocupar esses espaços. O que não dá para
dizer é que, se hoje elas não os ocupam, é porque os candidatos não
estão declarando [a sua orientação sexual e de gênero]”, afirma ela,
para quem a vitória de um candidato como Fernando Holiday (DEM-SP), a
primeira pessoa abertamente homossexual a se eleger para a Câmara
Municipal da capital paulista, em 2016, também é importante – apesar das críticas dele a programas sociais que beneficiem a população LGBT.
Segundo Felipe Oliva, outro membro
do coletivo, são os líderes partidários que definem quem sai candidato e
quem ganha os recursos eleitorais dentro de cada agremiação, durante as
eleições. Nesse sentido, ele explica, o problema de falta de
representatividade LGBT talvez seja parecido com o déficit de
representantes mulheres que acabam sendo eleitas, preteridas em
detrimento de candidatos homens.
O suplente de deputado estadual pelo
Bruno Maia (PSOL-SP), conhecido como Tomorrow, que é homossexual
declarado, pondera que a luta por mais espaço LGBT nos contextos da
política tradicional constitui fenômeno relativamente novo. “É preciso
ainda ganhar espaço dentro dos partidos para conseguir maior
representatividade. Os grupos que os comandam são os mesmos de 20 anos
atrás: eles não têm interesse em dividir o poder.”
Ainda conforme a sua avaliação, a
política ainda é vista como uma atividade eminentemente masculina e
heteronormativa, e muita gente defendendo bandeiras favoráveis pode
estar simplesmente atrás de votos. “LGBTs devem ficar espertos para não
servirem apenas de degraus para outros.”
Persistência do conservadorismo
Já de acordo com Oliveira, o próprio
conservadorismo de grande parte parte da sociedade brasileira contribui
para a menor presença de minorias nos poderes da República. “Os avanços
[como a união homoafetiva] vieram pelo Judiciário. O Brasil é o país em que mais se matam LGBTs no mundo.”
Jean Wyllys afirma que o discurso
conservador muitas vezes se traduz em práticas violentas e que tende a
eleger um “outro” contra o qual nega direitos fundamentais, inclusive
políticos. “Há um discurso cruel, que demoniza o outro, e que circula
por iniciativa de quem quer impedir que estas pessoas também sejam
reconhecidas como cidadãos de pleno direito.”
Por sua vez, Cardoso sustenta que,
muitas vezes, pessoas que desejam votar em candidatos LGBTs para o
Legislativo não os encontram com facilidade, pela própria falta de
exposição na campanha, que é bem menos aprofundada do que a para cargos
executivos.
“Declarar ou não declarar [a
oriental sexual e de gênero] não deve ser uma obrigação, não deve ser
nada que seja exigido publicamente. Isso faz parte da trajetória da
pessoa. Mas se ela quer construir a política dela em torno disso, ótimo.
E que mais e mais pessoas façam isso, porque, se não, a gente nunca vai
ter direitos LGBTs garantidos. Ou vai ter, mas com pessoas que não são
LGBTs defendendo esses direitos nesses espaços. O que talvez não seja
suficiente, porque, por mais que uma pessoa que não seja negra, não seja
LGBT, não seja mulher seja favorável a essas pautas, muita coisa se
perde.” Evorah Cardoso Doutora em direito e integrante do Vote LGBT
Como é a situação em outros países
Se a situação no poder Legislativo
ainda é desfavorável, no Executivo tampouco é promissora para
representantes LGBTs. Contudo, diversos países já têm, ou tiveram,
representantes lésbicas, gays, bissexuais, transexuais ou transgênero
declarados em postos de destaque. Veja alguns deles, abaixo:
Islândia: em 2009, Jóhanna Sigurðardóttir: foi a primeira homossexual declarada a governar um país
Bélgica: em 2011, Elio Di Rupo transformou-se no segundo homossexual declarado a comandar uma nação
Alemanha: entre 2001 e 2014, Klaus Wowereit foi prefeito de Berlim
Estados Unidos: em 2009, Annise Parker se tornou a primeira lésbica a comandar uma grande cidade no país (Houston, a quarta mais populosa)
Luxemburgo: em 2015, Xavier Bettel tornou-se o primeiro líder gay em exercício da Europa a se casar
Disponível em: http://www.homorrealidade.com.br/2018/02/por-que-politicos-lgbt-eleitos-ainda.html
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