Ao não cobrar sonegadores e conceder renúncias fiscais, a União alimenta
o problema que diz combater, avalia Denise Gentil, da UFRJ.
"Essa reforma tem um conteúdo privatizante muito forte", avalia a economista Denise Gentil, da UFRJ
De Brasília
A reforma da Previdência proposta por Michel Temer
no fim de 2016 tem como objetivo oculto privatizar o setor. Essa é a
avaliação da economista Denise Gentil, professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
Na avaliação dela, as exigências impostas aos trabalhadores são tão altas e as perspectivas de obter uma boa aposentadoria, com valor integral, foram reduzidas a tal ponto que estimularão a busca por fundos de previdência privada complementar.
A economista alerta, ainda, para o esvaziamento da própria
Previdência pública, uma vez que, ao não vislumbrar o acesso a um
benefício digno ao fim da vida, muitas pessoas podem acabar optando por
não contribuir ao longo dos anos.
Em entrevista à CartaCapital, a professora
explica que a reforma alterará o caráter da Seguridade Social passando a
uma visão financeira do setor. Segundo ela, entre janeiro e outubro de
2016, os bancos venderam 21% a mais de planos nos fundos privados.
Denise participou do seminário “Em defesa do direito à aposentadoria
para todos”, realizado pela Federação Nacional das Associações do
Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae) e Associação Nacional dos
Participantes de Fundo de Pensão (Anapar), em Brasília, na sexta-feira
27, com a presença de centrais sindicais e outras entidades
representativas.
Confira, abaixo, a íntegra da entrevista:
CartaCapital: A reforma da Previdência acabará,
de acordo com a senhora, por pressionar o trabalhador a buscar outras
alternativas de renda para garantir uma velhice tranquila. Por isso que a
reforma induz a uma privatização do setor?
Denise Gentil:
Quando o governo anuncia uma reforma que vai exigir um tempo maior de
contribuição e uma idade maior para a aposentadoria, ele sinaliza ao
trabalhador que terá dificuldade para acessar essa aposentadoria e que,
portanto, deve procurar uma previdência privada complementar. Essa reforma tem um conteúdo privatizante muito forte.
O recado é: Quem não buscar os fundos de previdência complementar
pode cair na pobreza. A reforma também tem outro objetivo: achatar os
gastos públicos. Ao fazer isso com a Previdência e com a Assistência
Social, ela também vai liberar mais recursos para pagar juros. E os
grandes proprietários de títulos públicos no Brasil são os mesmos dos
fundos de previdência, que são os fundos dos bancos.
CC: O governo anunciou a reforma como uma das
soluções para a crise econômica, dentro do ajuste fiscal. Qual seria a
melhor alternativa?
DG: Se a reforma tivesse a
ver com ajuste fiscal, o governo tentaria aumentar as receitas da
Seguridade Social. Ao invés disso, busca comprimir os gastos. O governo
poderia, por exemplo, abrir mão das renúncias fiscais em favor de
empresas que não dão nada em contrapartida ou cobrar a dívida dos
sonegadores da Previdência.
Ou seja, a União não cobra das empresas sonegadoras e ainda entrega a
elas a possibilidade de pagarem menos tributos legalmente. Então, é
próprio governo que provoca o déficit. Não é o aumento dos gastos. O
governo sabe que tem superávit. Tanto tem que ele faz desonerações
tributárias, se dá o luxo de não cobrar sonegadores.
"A União não cobra das empresas sonegadoras e ainda entrega a elas
a possibilidade de pagarem menos tributos legalmente. Então, é próprio
governo que provoca o déficit"
CC: Então o déficit é uma falácia?
DG:
Sim. Em primeiro lugar, porque o déficit foi provocado pelo pagamento
de juros, o maior gasto do orçamento do governo. Enquanto o déficit
anunciado da Previdência pelo governo é de 149,7 bilhões de reais, o
governo entrega ao setor privado algo em torno de 501 bilhões ao ano, ou
seja, 8% do PIB. A conta não fecha, principalmente, pelo gasto com a dívida pública.
O ajuste fiscal que pretende cortar os gastos da Previdência não vai
resolver o problema das contas do governo porque, para isso, é preciso
corrigir a política monetária. A verdadeira reforma teria que ser na
política monetária e cambial do Brasil, porque é responsável pelo
crescimento da dívida pública. A população precisa saber disso.
CC: A reforma tramita no Congresso. A senhora
acredita que pode haver grandes mudanças na proposta inicial ou não
haverá muito debate?
DG: O Congresso é muito
conservador e favorável à reforma da Previdência, mas ele também é
sensível aos apelos da população. Acredito, também, que os parlamentares
têm uma boa dose de desconhecimento das suas consequências, porque uma
reforma como essa não é favorável ao crescimento econômico. Isso impacta
muito a sociedade, inclusive os empresários, porque ela vai reduzir
drasticamente o consumo das famílias e isso tem impacto no crescimento
do PIB.
Se os congressistas tiverem o devido esclarecimento das consequências
dessa reforma, do quanto eles perderão de voto... Os idosos são
eleitores, os trabalhadores também. Será que o Congresso vai querer se
indispor com a grande massa de eleitores? Precisa ter uma conta muito
bem feita sobre o benefício e o custo de ser favorável a uma reforma da
Previdência.
"O desemprego aumentou, o consumo das famílias caiu e a produção das
empresas também. Então, não há porque ter essa expectativa de
crescimento diante desse cenário"
CC: A análise do Tribunal de Contas da União sobre as contas apresentadas pelo governo poderá trazer resultados divergentes?
DG:
A sociedade espera do TCU clareza sobre isso, porque ele também é
responsável por avaliar o quanto o governo desvia da Seguridade Social.
Ele julga as contas do governo. Se o governo estiver praticando atos
ilegais, tem de ser responsabilizado por isso dentro das leis. TCU tem
que zelar pela verdade dos relatórios que são entregues pelo governo.
CC: Alguns economistas têm dito que economia brasileira já dá sinais de melhora. A senhora concorda com essa análise?
DG: O cenário não é de crescimento. O PIB deve fechar negativo em 4%, essa é a expectativa. O desemprego aumentou,
o consumo das famílias caiu e a produção das empresas também. Então,
não há porque ter essa expectativa de crescimento diante desse cenário. O
governo diz que essas reformas sinalizam para o investidor e o setor
produtivo que a economia vai crescer, mas não adianta anunciar ilusões.
Ficções não funcionam. Na prática, tem que de haver mercado para as
empresas investirem.
Denise Gentil: “Reforma da previdência é excludente”
https://www.youtube.com/watch?v=Tf4_V-cmQsk
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/economia/e-o-proprio-governo-que-provoca-o-deficit-da-previdencia-alerta-economista?utm_source=social_monitor&utm_medium=widget_vertical
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