“Em geral os brasileiros percebem a existência de uma desigualdade
grande. Isso se dá pelo nível de concordância de uma afirmação simples
de que muitas pessoas ganham pouco, enquanto poucas pessoas ganham muito
dinheiro. O nível de concordância, nesse caso, é de 91%”, diz Rafael Georges à IHU On-Line, na entrevista por telefone, ao comentar a pesquisa Nós e as desigualdades. Percepções sobre desigualdades no Brasil, realizada recentemente pela Oxfam e o Datafolha.
Segundo ele, a maioria dos 2025 entrevistados associa desigualdades sociais a fatores socioeconômicos, mais especificamente à renda das famílias. Além disso, de acordo com Georges,
as pessoas se autoclassificaram como sendo mais pobres do que realmente
são. “Quase 90% dos respondentes se colocaram na metade mais pobre numa
escala que vai de zero a cem. Mas boa parte deles, 67%, tem renda
superior a R$ 4.600 reais. Embora essas pessoas se coloquem na metade
mais pobre, na verdade elas estão dentro dos 10% mais ricos. Não é que
as pessoas se vitimizem, mas isso faz com que elas não consigam entender
o tamanho do fosso existente no Brasil entre as
pessoas que têm uma renda muito baixa e aquelas pouquíssimas que têm uma
renda relativamente confortável e, ainda, entre uma parcela muito menor
de pessoas que são aquelas que têm uma super-renda. Esses três
macrogrupos não conseguem ser percebidos pela maioria da população, e
isso faz com que as pessoas se posicionem sempre numa escala mais pobre
do que realmente são”, pontua. E adverte: “As pessoas projetam que, para
fazer parte dos 10% mais ricos, precisam de muito dinheiro, quando no
Brasil não é necessário ter muito dinheiro, porque no país uma renda per capita de três salários mínimos já faz com que a pessoa pertença ao grupo dos 10% mais ricos, o que não é muito”.
Para ele, a percepção das pessoas sobre o que é ser rico ou pobre no
país suscita um debate a ser feito sobre quem de fato é a classe média
brasileira e como ela se diferencia entre si. “Há um debate a ser feito
no Brasil acerca de quem é a classe média. Em nosso relatório de setembro, a Oxfam
classifica como classe média quem tem renda de 3 a 20 salários mínimos.
Muitos economistas acham que isso é um exagero, porque quem ganha 20
salários mínimos já estaria no topo da pirâmide. Mas esse é um topo que,
apesar de ter altos rendimentos, paga muito imposto e não utiliza
serviços públicos de saúde e educação, porque paga por saúde e educação
privadas, e a renda dessas pessoas, no fim do mês, não é muito alta.
Elas sentem o peso da alta tributação, sabem que estão acima da média
brasileira e sabem que existe um topo muito distante ao qual elas não
chegaram e nunca vão chegar, de pessoas que são muito ricas”.
Na avaliação dele, quando ficar claro quem de fato é a classe média,
a sociedade vai perceber que “existe um grupo muito pequeno da
sociedade que é o topo do topo da pirâmide social, que tem um papel
central na redução das desigualdades. É
importante que as pessoas percebam isso, porque a percepção de que
existe um topo do topo é importante para gerarmos mudanças. Aliás, esse
topo do topo não são as pessoas que estavam na avenida Paulista vestidas de amarelo e pedindo para não pagar o pato”.
Rafael Georges
Foto: Arquivo Pessoal/Twitter
Rafael Georges é graduado em Ciências Sociais pela
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, mestre em
Ciência Política pela Universidade de Brasília - UnB, onde atualmente
cursa o doutorado em Ciência Política. Foi coordenador de campanhas no
Greenpeace, assessor parlamentar na Câmara Federal, assessor político na
Oxfam Internacional. Atualmente é coordenador de campanhas da Oxfam
Brasil.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como foi feita a pesquisa de opinião da
Oxfam/Datafolha sobre a Percepção do Brasileiro em Relação à
Desigualdade? Qual é o perfil dos entrevistados?
Rafael Georges – A pesquisa foi feita por proposta da Oxfam Brasil.
Consultamos algumas pessoas, formulamos um questionário sobre
percepções gerais de desigualdades e percepções de causas e soluções,
incluindo temas específicos como tributação, mérito e discriminação, que
são temas que já estamos trabalhando desde o último relatório publicado
em setembro. Conversamos com o Datafolha e aplicamos a pesquisa. O Datafolha
tem uma metodologia própria: ele entrevista periodicamente uma
amostragem de 2.025 pessoas, que pode ser estratificada, mas com alguns
cuidados, senão a margem de erros sobe. Então, o perfil amostral tenta
traçar um perfil do brasileiro sob alguns aspectos: 52% dos
entrevistados são mulheres, 48% são homens, e as faixas etárias são
distribuídas de acordo com a faixa geral da população, do mesmo modo que
ocorre com as distribuições por raça. Essa é a estrutura da pesquisa em
termos de amostra.
As pessoas subestimam de maneira fantástica as desigualdades no Brasil
IHU On-Line - Qual é a percepção dos brasileiros sobre as
desigualdades? As percepções variam segundo os estratos sociais, sexo,
raça ou região do país a que pertencem os entrevistados?
Rafael Georges – Isso variou bastante por conta das perguntas. Em geral os brasileiros percebem a existência de uma desigualdade
grande. Isso se dá pelo nível de concordância de uma afirmação simples
de que muitas pessoas ganham pouco, enquanto poucas pessoas ganham muito
dinheiro. O nível de concordância, nesse caso, é de 91%. Existe, então,
a percepção da desigualdade.
Quando perguntamos para as pessoas o que é a desigualdade, o maior grupo responde que desigualdade é uma diferença socioeconômica,
ou seja, alguns ganham muito e outros ganham pouco. Depois, há um grupo
grande, de 8%, que classifica desigualdade como carência de recursos e
serviços. Então existe uma concentração das respostas na questão
socioeconômica e na carência de recursos e serviços oferecidos pelo
Estado. Existe ainda um grupo fragmentado que, se agregado, pode ser
classificado como “atitudes pessoais”, que acham que as desigualdades
estão associadas a “se achar melhor que o outro”, “não ser solidário”
etc. Esse tipo de resposta forma um grupo de 7% dos respondentes.
IHU On-Line – Como você mencionou, a desigualdade é percebida
majoritariamente como diferença socioeconômica. Entretanto, os
pesquisadores sempre chamam atenção para o fato de que as desigualdades
devem ser entendidas para além da questão econômica. Como você
interpreta essa resposta específica da pesquisa e o que ela revela sobre
o modo como se percebe e se trata a questão das desigualdades no país?
Rafael Georges – A maioria do povo brasileiro trabalha para viver, e os dados de desigualdades são muito apoiados nas rendas do trabalho.
Portanto, isso faz com que aumente a percepção entre desigualdade e
renda, o que está de acordo com qualquer visão de desigualdade fora do
Brasil.
O que, para nós, chama atenção — e isso é um desafio para agendas futuras — é que as pessoas subestimam de maneira fantástica as desigualdades no Brasil.
Isso fica mais evidente em outras perguntas. Por exemplo, quase 90% dos
respondentes se colocaram na metade mais pobre numa escala que vai de
zero a cem, mas boa parte deles, 67%, tem renda superior a R$ 4.600.
Embora essas pessoas se coloquem na metade mais pobre, na verdade elas
estão dentro dos 10% mais ricos.
Não é que as pessoas se vitimizem, mas isso faz com que elas não
consigam entender o tamanho do fosso existente no Brasil entre as
pessoas que têm uma renda muito baixa e aquelas pouquíssimas que têm uma
renda relativamente confortável e, ainda, entre uma parcela muito menor
de pessoas que são aquelas que têm uma super-renda. Esses três
macrogrupos não conseguem ser percebidos pela maioria da população, e
isso faz com que as pessoas se posicionem sempre numa escala mais pobre
do que realmente são.
Além disso, as pessoas projetam que, para fazer parte dos 10% mais
ricos, precisam de muito dinheiro, quando no Brasil não é necessário ter
muito dinheiro, porque no país uma renda per capita de três salários
mínimos já faz com que a pessoa pertença ao grupo dos 10% mais ricos, o
que não é muito. E 47% dos respondentes, quase metade da população,
acredita que precisa ter mais de R$ 20 mil mensais, algo em torno de 7
salários mínimos, para fazer parte dos 10% mais ricos.
1% dos mais ricos tem quase um terço de toda a riqueza que se produz no Brasil
IHU On-Line – Segundo esses dados que você cita, parece que a
pobreza e a riqueza são sempre medidas a partir da renda dos próprios
entrevistados. Por exemplo, 67% dos brasileiros entrevistados dizem que é
necessário mais de R$ 5 mil mensais para compor os 10% mais ricos, 47%
acreditam serem necessários R$ 20 mil por mês para compor o grupo dos
10% mais ricos e apenas 19% dizem que os 10% mais ricos têm renda de R$
100 mil mensais. Como você interpreta essa visão tão díspar das pessoas
sobre o que é ser rico? É possível estabelecer um critério objetivo para
medir que renda, de fato, deve ser associada aos mais ricos?
Rafael Georges – Há um debate a ser feito no Brasil acerca de quem é a classe média. Em nosso relatório de setembro, a Oxfam
classifica como classe média quem tem renda de 3 a 20 salários mínimos.
Muitos economistas acham que isso é um exagero, porque quem ganha 20
salários mínimos já estaria no topo da pirâmide. Mas esse é um topo que,
apesar de ter altos rendimentos, paga muito imposto e não utiliza
serviços públicos de saúde e educação, porque paga por saúde e educação
privadas, e a renda dessas pessoas, no fim do mês, não é muito alta.
Elas sentem o peso da alta tributação, sabem que estão acima da média
brasileira e sabem que existe um topo muito distante ao qual elas não
chegaram e nunca vão chegar, de pessoas que são muito ricas. Então, esse
é um debate que precisa ser feito no Brasil acerca de quem é a classe
média e qual é o papel dela na redução das desigualdades.
Pode ser que hoje seja equivocado agrupar as pessoas pelos 10% mais
ricos. Talvez seja mais adequado fazer uma classificação agrupando os
90% mais pobres, depois os que vão de 91 a 99%, ou seja, a classe média,
e o 1% que se descola desses outros segmentos e que tem rendimentos extremamente altos.
É por isso que o 1% dos mais ricos tem quase um terço de toda a riqueza
que se produz no Brasil. Como esses são números abstratos, é difícil
para as pessoas captarem essa diferença: quanto mais próximo do topo,
mais você sabe que tem gente acima. Tanto que a projeção de quanto se
tem que ganhar para fazer parte dos 10% acompanha as faixas de renda:
quanto mais pobre você for, menos você acha que tem que ganhar para
fazer parte dos 10% mais ricos, e quanto mais você ganha, mais você acha
que tem que ganhar para fazer parte dos 10% mais ricos, porque você não
se coloca dentro dos 10% mais ricos.
Em resumo, o debate é: quem é a classe média e quem é quem nas estratificações do Brasil.
Isso tem que ficar mais claro para a população brasileira. Quando isso
ficar claro, vamos concluir que existe um grupo muito pequeno da
sociedade que é o topo do topo da pirâmide social, que tem um papel
central na redução das desigualdades. É importante que as pessoas
percebam isso, porque a percepção de que existe um topo do topo é
importante para gerarmos mudanças. Aliás, esse topo do topo não são as
pessoas que estavam na avenida Paulista vestidas de amarelo e pedindo
para não pagar o pato. Existe um topo do topo que paga muito pouco
imposto e que tem um papel diferente na hora de reduzir as
desigualdades.
Quem recebe de 3 a 20 salários mínimos é classe média, de 20 a 80
salários mínimos é o 1%, e de 80 salários mínimos para cima é o 0,1%,
que é a nata da nata do topo
IHU On-Line – Pelas pesquisas feitas até agora, quem é quem no estrato social brasileiro?
Rafael Georges – No relatório de setembro, fizemos um recorte por perfil, de 10 em 10%, e o que se percebe é que o estrato dos 60% mais pobres tem uma renda média equivalente ao salário mínimo, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad de
2015. Os dados da Pnad analisam a população brasileira, mas é mais
difícil de chegar ao topo. Agora, os dados tributários são mais
fidedignos acerca de quem está no topo, porque quem declara imposto no
Brasil é quem tem um rendimento mínimo de R$ 1.900,00, e quem ganha
acima disso está entre os 20% mais ricos. Digamos que os dados
tributários tratam somente dos 20% mais ricos e oferecem um grau elevado
de detalhamento de quem são os super-ricos e de quanto
imposto eles pagam. O que concluímos é que, entre os 10% mais ricos, os
9% iniciais são de pessoas com rendimentos de 3 a 20 salários mínimos,
que têm uma isenção média de impostos de 17%, enquanto o 1% mais rico tem uma isenção média de quase 50% e o 0,1% tem uma isenção de 66%; ou seja, dois terços de tudo que eles ganham é isento, e eles têm rendas altíssimas.
A Oxfam está traçando estas linhas: quem recebe de 3 a 20 salários mínimos é classe média, de 20 a 80 salários mínimos é o 1%, e de 80 salários mínimos para cima é o 0,1%, que é a nata da nata do topo. Quanto mais alto você sobe na pirâmide, menos você paga. Essa é a realidade.
O Brasil tem uma carga tributária bruta relativamente alta para o padrão de vida que se tem no país
IHU On-Line – Que tipo de tributação seria adequado para
resolver as desigualdades, já que há muita diferença nos salários do que
se define por classe média, entre quem recebe de 3 a 20 salários
mínimos?
Rafael Georges – Primeiro seria preciso dizer que o Brasil tem uma carga tributária bruta relativamente alta
para o padrão de vida que se tem no país. Então, existe uma
insatisfação com a quantidade de impostos que se paga, e por isso a
pesquisa aponta que as pessoas não querem que se aumente imposto em
geral. A maioria das pessoas, acertadamente, sente que paga muito
imposto e essa maioria é o pessoal de baixa renda e a classe média.
Dentro desse contexto, sem ampliar a tributação, e sem ampliar a carga
tributária bruta no Brasil, que hoje é 33% do PIB, o ideal seria
redistribuir, ou seja, tirar de quem paga muito e jogar para quem paga
pouco. Como se faz isso? Não existe resposta simples, mas existem
caminhos. O primeiro deles é aumentar a progressividade da tributação de renda.
Então, no Brasil, em teoria, um sistema progressista tributário deveria
tributar alíquotas maiores para quem ganha mais, e quem ganha menos
deveria pagar 3%, 5%, 7% e assim sucessivamente.
No Brasil essa curva faz um “U”
ao contrário, pois ela sobe, sobe até determinado ponto e de repente
começa a cair, isto é, quanto maior a renda, menor a alíquota efetiva de
imposto, ou seja, menor o imposto que se paga. Essa progressividade vai
caindo e torna-se regressiva: é um Robin Wood ao
contrário. Portanto, é preciso corrigir essa distorção, e para isso
algumas medidas precisam ser tomadas, como, por exemplo, tributar lucros
e dividendos distribuídos — que é o salário dos super-ricos.
A maioria das pessoas do país recebe salário, holerite, e a
tributação acontece na fonte. Os super-ricos não têm salário, porque a
pessoa que é muito rica é dona de empresa, é investidora, e recebe
lucros e dividendos dessa empresa. Quando esse valor cai na conta dessa
pessoa, cai limpo, porque ela não precisa pagar imposto, e isso faz com
que nenhum percentual seja repassado ao Estado.
Para finalizar esse ponto, existe uma necessidade de redistribuir a carga entre impostos diretos e indiretos: os impostos diretos
são aqueles que recaem sobre a renda e são mais justos, porque quem
ganha mais, paga mais; e os indiretos são aqueles que recaem sobre bens e
serviços, que são os impostos sobre alimentos, remédios, gasolina,
transporte etc. Esses impostos indiretos são
repassados, porque as empresas pagam o imposto, mas aumentam o valor do
produto para poderem fechar a conta no fim do mês. Quando elas repassam
esses impostos, eles chegam ao bolso de todo mundo de maneira igual, só
que ele é mais pesado para os mais pobres. Essa é a discussão a ser
feita para redistribuição de carga tributária direta e indireta. Existem
várias outras discussões, como a de aumentar a tributação sobre o
patrimônio.
A corrupção é importante, mas talvez não seja a causa central para o país ser tão desigual
IHU On-Line - A percepção das pessoas sobre as causas —
corrupção, desemprego e qualidade da educação — e soluções das
desigualdades coincidem com o que os especialistas afirmam serem as
causas e soluções das desigualdades?
Rafael Georges — A percepção pública está de acordo com o que muitos dos estudos já apontam como causas e soluções. Claro que a corrupção
ocupa um espaço desproporcional na agenda, porque ela provoca nas
pessoas algo que vai muito além da razão, porque está ocupando um espaço
muito grande na agenda nacional. A corrupção é importante, mas talvez
não seja a causa central para o país ser tão desigual.
Quando cai a oferta de emprego, aumenta a
desigualdade no país, porque os que estão na parte de baixo da pirâmide —
os menos qualificados — são os primeiros a serem dispensados numa onda
de corte de vagas, sobretudo nos empregos formais. Então, se a pessoa
tinha um pouco de renda e passa a não ter nada de renda, realmente a
desigualdade aumenta muito rápido.
E a educação é uma causa estrutural, que é estudada há décadas, como
fator gerador de desigualdade. O Brasil teve bastantes avanços na
questão educacional, só que a jornada é tão longa, que a “maratona”
acabou de começar; tivemos uma boa largada, mas ainda faltam muitos
quilômetros pela frente. As pessoas percebem isso como causa e
acertadamente apontam como solução a correção desses problemas.
Existem outros pontos que ficaram de fora ou tiveram atenção secundária, como o sistema tributário
e investimento em saúde, questão que na pesquisa só teve relevância
como solução. E, de fato, é realmente importante, porque as pessoas que
não têm acesso à saúde pública dedicam boa parte da sua renda a gastos
com saúde privada, pois se a pessoa tem uma doença, ela tem que comprar o
remédio e ponto. Se existe um programa de farmácia popular que subsidia
esses medicamentos, se existe SUS, se existe um hospital próximo que
pode fornecer esses medicamentos, isso abre espaço no orçamento
doméstico e reduz a desigualdade.
Corrigir a corrupção é fundamental no Brasil, porque
a corrupção desvia recursos — e desvia muitos recursos públicos que
deveriam ir para saúde e educação. Mas é preciso corrigi-la, sobretudo,
em razão da descrença que ela provoca no sistema político, pois as
pessoas deixam de acreditar que é possível reduzir as desigualdades por
meio institucional. Dessa forma, a confiança nos partidos políticos,
nos deputados, na Câmara e no Executivo cai, e óbvio que não se vê um
caminho de redução de desigualdades que não passe por um Estado
fortalecido, pela confiança nas instituições.
IHU On-Line — A maioria dos entrevistados defende maior intervenção do Estado.
Rafael Georges — Sim, porque o brasileiro não é a favor do Estado mínimo,
apesar de essa ser a agenda que está em voga hoje. Mas essa é a agenda
que está sendo empurrada neste governo; não é à toa que o governo tem
uma aprovação baixíssima. As pessoas esperam que o Estado aja, para que
correções sejam feitas nas desigualdades de acesso a esses serviços.
IHU On-Line — Um dos temas que tratamos na última entrevista é
sobre a percepção de que houve melhorias sociais no país nos últimos
anos, mas, de outro lado, as pesquisas recentes mostram que isso não
significou a redução das desigualdades. A pesquisa da Oxfam indica que
58% da população entrevistada acredita que nada ou pouco mudou no
passado recente. Como você interpreta essa percepção especificamente?
Rafael Georges — Houve redução de desigualdade,
sobretudo da renda do trabalho entre a base da pirâmide e a classe
média, ou seja, aumentou a renda geral das pessoas que estão entre os
mais pobres e a classe média, ao longo dos últimos 15 anos. As
pesquisas, mesmo aquelas que apontam que o topo não se alterou, apontam
esse ganho. A base da pirâmide — 40% mais pobres — teve rendimento
superior à média nacional ao longo de vários anos. Então, sim, teve
ganhos. Mas é impossível dizer que o Brasil de 2015 é o mesmo Brasil de
2001. Isso nos sugere que existe algo a mais a ser investigado, ou seja,
é preciso investigar por que as pessoas não enxergam essa melhoria.
De fato, no geral, a desigualdade no Brasil não caiu ou caiu muito pouco, especialmente porque o topo se manteve sempre no topo, com fatias grandes e cada vez maiores: o número de bilionários no Brasil nunca foi tão grande
— há 43 bilionários no país. Isso é efeito de um sistema que faz o topo
crescer, faz a base crescer e puxa para baixo a classe média. Talvez
isso explique boa parte da insatisfação da classe média hoje. Existe
também essa percepção de que sempre há uma elite governando,
de que, entra governo e sai governo, nunca deixa de ser a elite que
está tomando as decisões que estão no topo da distribuição de renda.
Seria muito bom — no mundo ideal — que as pessoas percebessem mais a
ação do Estado. Mas pesquisas recentes mostram que nem sempre os
brasileiros são sensíveis a isso, porque se eles não conseguem entender
que políticas públicas fazem a diferença na vida deles — investimento em
saúde, educação, assistência social etc. —, fica muito difícil defender
que essas sejam as soluções para a redução das desigualdades. Na
interpretação da Oxfam, existe um desafio extra: fazer com que as pessoas percebam que políticas públicas fazem a diferença nas suas vidas.
A sonegação no Brasil não é vista como um problema tão grande quanto a corrupção, infelizmente
IHU On-Line – Esse seu comentário está diretamente
relacionado a outro dado do relatório, que diz respeito ao percentual
das pessoas que são contra e a favor do aumento de impostos: 75% dos
brasileiros entrevistados são contra o aumento geral de impostos para
custear políticas sociais e 71% são a favor do aumento de impostos para
pessoas muito ricas. Essa posição está relacionada com a percepção de
que há uma elite muito rica? Como você avalia, de modo geral, a posição
dos brasileiros em relação à tributação?
Rafael Georges — Essas respostas são muito coerentes
quando conjugadas. Em geral ninguém quer pagar impostos, nem eu e nem
você; todos queremos pagar cada vez menos. Quem paga muito imposto já
não quer mais nem ouvir falar em aumento. Agora, quando jogamos a
pergunta sobre os muito ricos pagarem impostos, a nossa interpretação é
que as pessoas sabem que eles pagam pouco imposto. A sonegação no Brasil não
é vista como um problema tão grande quanto a corrupção, infelizmente, e
essa é uma batalha a ser travada por muitas organizações, inclusive a
nossa. Mas, existe, sim, a percepção de que os ricos não cumprem seu
papel no Brasil — e veja que no questionário é a primeira vez que usamos
o termo “muito ricos”. Então, as pessoas sabem que não é com elas que
está sendo falado. Claro que as primeiras perguntas mostram que, em
geral, a população sempre se coloca mais pobre do que realmente é, mas
aqui estamos falando dos muito ricos, de um grupo que está totalmente
descolado.
IHU On-Line — Além dos aspectos já citados, que outros pontos
mencionados pelos entrevistados mais chamaram a atenção nas respostas?
Rafael Georges — O que nos chamou mais atenção foram os seguintes aspectos:
1) As pessoas percebem as desigualdades, mas as subestimam;
2) Existe um amplo apoio à atuação do Estado na redução de desigualdades, e o brasileiro não é pró-Estado mínimo;
3) O brasileiro espera que os super-ricos tenham um papel maior no financiamento do Estado.
Tudo isso é muito coerente com a realidade, segundo nossa interpretação. Outros temas que nos chamaram a atenção:
- Discriminação contra mulheres e negros: Em que
pese não ter sido uma das maiores interpretações sobre o que é
desigualdade, quando fizemos a pergunta aberta, metade dos brasileiros
acredita que negros ganham menos por serem negros e mulheres ganham
menos por serem mulheres. Essa percepção é positiva, apesar de ainda ter
muito trabalho a ser feito para aumentar essa fatia. Estamos dizendo
aqui que esse é um dos temas centrais para a redução das desigualdades.
- Meritocracia: Da mesma forma, a ideia de que é só
querer que você consegue, ou seja, a questão do mérito, na pesquisa
também ficou evidente que não é bem assim. A meritocracia no Brasil não existe
para a maioria dos brasileiros. Quando fizemos a pergunta sobre se
trabalhadores pobres que se esforçam mais vivem situações de menos
desigualdade, ou a pergunta sob o ponto de vista da educação, no sentido
de que se pessoas pobres tivessem mais acesso à educação teriam
situações de menor desigualdade, ficou evidente que essas questões não
são suficientes para equalizar oportunidades. Logo, tem mais coisas
agindo sobre as desigualdades do que só as oportunidades oferecidas. Em
resumo, isso é o que a pesquisa nos comunica e é o que vamos tomar como
caminho para seguir a campanha.
A meritocracia no Brasil não existe para a
maioria dos brasileiros
IHU On-Line — A partir dos resultados, quais políticas devem
ser vistas como centrais para o enfrentamento da questão das
desigualdades, além do aspecto da mudança na tributação?
Rafael Georges — Além da tributação, é preciso ampliar, melhorar a qualidade, aumentar a transparência e a progressividade do gasto social, derrubar o teto de gastos, pelo menos para os gastos sociais. ]
Na questão da discriminação, é preciso fazer políticas afirmativas,
como a ampliação de cotas, punição da discriminação institucionalizada —
como a que a Polícia faz com os jovens negros ou como o sistema de
saúde faz com as mulheres negras.
Na questão do mercado de trabalho, é preciso continuar as boas
políticas que foram feitas, como ampliação do salário mínimo, controle
inflacionário, voltar a pontos da reforma trabalhista que são perdas de
direitos evidentes, ampliar o acesso à educação, combater a evasão
educacional no Brasil, que é muito alta.
Por fim, mudar alguns pontos do sistema político para aumentar a transparência
e aproximar a política institucional da população. Esses são os
caminhos que acreditamos que deveríamos seguir; é uma agenda bem larga.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/574450-o-topo-do-topo-quem-e-a-classe-media-e-quem-e-quem-nas-estratificacoes-do-brasil-entrevista-especial-com-rafael-georges
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