Uma pesquisa do Dieese mostra que a maioria dos sem-teto da ocupação em São Bernardo do Campo trabalha em funções vítimas da precarização.
O artigo é de Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, em artigo publicado por CartaCapital.
Eis o artigo.
"Que esta pesquisa do Dieese sirva para enfrentar a violência simbólica que pesa contra aqueles que tiveram a coragem de lutar dignamente por um direito"
Como se não bastasse a violência de não ter acesso a direitos fundamentais, milhões de brasileiros sofrem ainda uma segunda violência quando se levantam para lutar por eles: o estigma.
Como se não bastasse a violência de não ter acesso a direitos fundamentais, milhões de brasileiros sofrem ainda uma segunda violência quando se levantam para lutar por eles: o estigma.
No caso dos trabalhadores sem-teto, quando ocupam um espaço por
completa falta de alternativa, são chamados de “vagabundos” que querem
“levar vantagem” em vez de obter uma casa por seu trabalho.
Essa violência simbólica pressupõe a ideia de que quem trabalha pode
morar dignamente e, portanto, quem ocupa não quer trabalhar.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos prestou um serviço inestimável para desmontar esse preconceito, por meio de uma pesquisa realizada com as famílias da Ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo do Campo, cujos resultados foram apresentados na última semana.
Ao ouvir quem está por trás da lona, além de revelar que a ocupação
retrata o abismo social brasileiro, a pesquisa demonstra o absurdo do
estigma atribuído aos sem-teto. Vamos aos dados.
A maioria dos ocupantes são mulheres (53,4%) e negros (61,6%).
Mais de um terço estuda (35,5%) e a enorme maioria paga ou tenta
pagar aluguel (69,3%). O que leva esse montante de indivíduos para a
ocupação não é uma opção por facilidades, mas o fato de 78% dessas
famílias receberem menos de um salário mínimo e meio, comprometendo
grande parte do ordenado com o pagamento de aluguel.
Diferentemente de opinião difundida, a maioria das famílias
pesquisadas é composta de três integrantes ou menos (70,2%) e somente
uma minoria tem acesso ao Bolsa Família (30,7%).
Entre os pesquisados, 23,8% eram trabalhadores da indústria e 50,1% dos serviços.
Os sem-teto são diaristas, ajudantes gerais, auxiliares de limpeza,
garçons, motoristas, auxiliares administrativos, operadores de máquinas,
operadores de telemarketing, pedreiros, porteiros, vendedores
ambulantes, cozinheiros e vigilantes, para citar as profissões
principais identificadas pela pesquisa.
Todas essas categorias, que há anos sofrem com a precarização do trabalho, tiveram perdas com a recessão e o aumento do desemprego e enfrentarão dias ainda mais duros com a entrada em vigor da reforma trabalhista.
Talvez os dados mais fortes da pesquisa sejam a taxa de participação,
número de ocupados ou em busca de trabalho, e de desemprego. A taxa de
participação na Ocupação Povo Sem Medo é de 73,1%, consideravelmente acima da média da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), de 62,1%.
Ou seja, a enorme maioria dos ocupantes trabalha ou busca oportunidade de trabalho.
Por que então ocupam? A resposta vem no índice seguinte: a taxa de
desemprego entre os ocupantes é de 41,8%, mais do que o dobro da média
da RMSP (17,9%). Ali está, portanto, uma parcela dos trabalhadores que foram mais afetados pela recessão e a política criminosa de austeridade.
A instabilidade da situação de emprego e renda obviamente reflete-se
na instabilidade das condições de moradia, não apenas para aqueles que
hoje estão nas ocupações de terrenos e prédios, mas para a enorme
maioria do povo brasileiro. Como pagar o aluguel se não há emprego? A
escolha entre comer e morar é um dilema gritante para cada vez mais
gente em nosso país.
O que os pesquisadores encontraram na Ocupação Povo Sem Medo de São Bernardo é um retrato do que é o Brasil e que insiste em desmentir o otimismo oficial. Um povo batalhador que se espreme para sobreviver com salários de fome.
Esse cenário agrava-se ainda com a queda do investimento público, que
se expressa na redução drástica de praticamente todos os programas
sociais, a começar pelo próprio Minha Casa Minha Vida.
Se olharmos adiante, o ataque aos direitos trabalhistas e
previdenciários anuncia um futuro sombrio para o povo brasileiro. Um
presente de trabalho intermitente, quando tiver, um aluguel incerto em
um barraco qualquer e um futuro sem aposentadoria para a enorme maioria
dos trabalhadores.
Longe de ser uma opção “vitimista” daqueles que vivem do Bolsa Família,
ocupar uma área abandonada, e, portanto, fora da lei, é uma necessidade
de quem trabalha e vê a sua renda ser insuficiente até mesmo para
assegurar um teto para a sua família.
Que esta pesquisa do Dieese sirva para enfrentar a violência simbólica que pesa contra aqueles que tiveram a coragem de lutar dignamente por um direito.
Guilherme Boulos, líder do MTST
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/574505-no-mtst-a-maioria-trabalha-e-ocupa-por-nao-conseguir-pagar-aluguel
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