A economista Patrícia
Pelatieri comenta a atual situação de desemprego do Brasil desde 2014 e
informa que os jovens das regiões metropolitanas do País estão entre os
mais afetados pela crise.
A única forma de enfrentar o desemprego que atinge mais de 13 milhões
de brasileiros é garantir o retorno do “crescimento econômico, com
desenvolvimento político e social. Não há milagre, é preciso implementar
um projeto de desenvolvimento nacional que leve em conta as
necessidades da população”, afirma a economista Patrícia Pelatieri à IHU
On-Line. Entretanto, pontua, a aprovação da PEC95, que institui o teto
dos gastos públicos, conduzirá o País para outra direção. “Infelizmente,
a Reforma do Estado imposta pela PEC 95 vai significar empobrecimento
da população, em decorrência da contenção das políticas públicas, e
diminuição da capacidade do Estado em alavancar o crescimento e promover
o desenvolvimento. E sabemos que a retomada de um ciclo de crescimento
exige uma longa e penosa travessia”, adverte.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Patrícia
Pelatieri comenta a atual situação de desemprego que atinge o País desde
2014 e informa que os jovens das regiões metropolitanas do País estão
entre os mais afetados pela crise. “A taxa de desemprego entre os jovens
aumentou em quase todas as regiões pesquisadas, na comparação de 12
meses, atingindo 48,7% na região de Salvador e 42,9% no Distrito
Federal”.
Na avaliação dela, a reforma trabalhista que entra em vigor a partir
do próximo mês não ajudará a enfrentar esse fenômeno. Ao contrário, diz,
“essa reforma permitirá e facilitará um imenso processo de
reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores, uma vez que
cria diversas formas de flexibilizar contratos de trabalho e salários.
Possivelmente, desestruturará o ‘pedaço’ do mercado de trabalho
brasileiro, hoje estruturado (correspondente a 50%), dificultando ainda
mais o acesso dos trabalhadores à previdência social”.
Patrícia Pelatieri é economista e coordenadora de Pesquisas do DIEESE.
Confira a entrevista.
Como avalia a reforma trabalhista que entrará em vigor nos próximos dias? Quais diria que são seus pontos positivos e negativos?
Patrícia Pelatieri - Essa reforma é ruim para os trabalhadores e para
os futuros trabalhadores e ruim para o País. Essa reforma inverte a
lógica do nosso sistema de relações do trabalho à medida que reduz a
proteção institucional aos trabalhadores por parte do Estado e
do Sindicato, e aumenta as garantias e a autonomia das empresas nas
relações de trabalho.
Essa reforma permitirá e facilitará um imenso processo
de reconcentração de renda e empobrecimento dos trabalhadores, uma vez
que cria diversas formas de flexibilizar contratos de trabalho e
salários. Possivelmente, desestruturará o “pedaço” do mercado de
trabalho brasileiro, hoje estruturado (correspondente a 50%),
dificultando ainda mais o acesso dos trabalhadores à previdência social.
Nos últimos anos o Brasil comemorou o ingresso de muitos
brasileiros no mercado formal de trabalho e o aumento do salário mínimo.
Considerando a atual crise de desemprego, como avalia, em
retrospectiva, as medidas que foram adotadas para garantir a
sustentabilidade do mercado de trabalho no País?
É verdade que, superando um longo período de altas taxas de
desemprego (principalmente nos anos de 1990 e início dos anos 2000), no
período 2004-2014, a) o Brasil apresentou contínua redução do desemprego
e da desocupação; b) o crescimento da população economicamente ativa,
ou seja, a ampliação do contingente populacional à procura de emprego,
foi acompanhado de um aumento mais expressivo de criação de postos de
trabalho. Segundo o registro da Relação Anual de Informações Sociais do
Ministério do Trabalho e Emprego - RAIS-MTE, o País atingiu cerca de 50
milhões de vínculos formais de trabalho em 2014, um crescimento de mais
de 20 milhões de novos vínculos formais sobre o estoque de 2003; c) o
salário mínimo cresceu, fruto da política de valorização oriunda do
acordo firmado entre o Governo Federal e as Centrais Sindicais. O
aumento real superou 74% no período. O crescimento do salário mínimo
acima da inflação fez aumentar o poder de compra dos trabalhadores da
base da pirâmide laboral e repercutiu positivamente no incremento da
massa salarial. Os efeitos do crescimento do salário mínimo repercutiram
positivamente, também, nos benefícios pagos aos aposentados, bem como
nas demais políticas sociais como o seguro-desemprego e o abono
salarial.
Em uma economia que crescia com um mercado de trabalho dinâmico e
contratante, os trabalhadores, por meio dos sindicatos, passaram a ter
negociações coletivas que além de recuperar o poder de compra, repondo a
variação da inflação no período entre datas-bases, logravam celebrar
acordos com aumentos dos salários e avanços nos itens sociais e
sindicais da pauta negocial.
Entretanto, desde 2014, e especialmente no primeiro semestre de 2015,
o mercado de trabalho sofre uma mudança radical. Os indicadores
apontavam que ao longo de 2014 ocorria uma diminuição significativa na
dinâmica positiva de geração de emprego. O enfrentamento da crise exigia
medidas que melhorassem a capacidade das políticas públicas e das
negociações coletivas de: a) proteger os empregos; b) de criar condições
para a manutenção da renda diante do infortúnio do desemprego; e ainda
c) melhorar a oferta de políticas voltadas para as oportunidades de
ocupação autônoma, do trabalho cooperado ou iniciativas de economia
solidária, entre outras medidas. Lamentavelmente o caminho escolhido foi
no sentido oposto, aprofundando a crise, a perda da arrecadação e o
desemprego.
Quais têm sido os principais retrocessos no mercado de trabalho brasileiro nos últimos anos? A que atribui essa situação?
O processo de terceirização tem sido a principal forma de
precarização do trabalho, tanto em relação às condições diferenciadas de
trabalho, salário e benefícios, quanto em relação à segurança e saúde
dos trabalhadores. Até a reforma trabalhista, esse processo ainda era
balizado pela intervenção da Justiça do Trabalho e ao fato de não ser
possível terceirizar a atividade-fim.
Outro elemento a ser considerado é a intensificação do trabalho,
através dos avanços tecnológicos, que afetam enormemente a saúde dos
trabalhadores, principalmente as doenças mentais. Esses ajustes no custo
do trabalho são formas de o capital se ajustar à globalização, sem
mexer na sua margem de lucro e sem arriscar nos investimentos.
Em que regiões do Brasil as taxas de desemprego são mais altas?
No geral, nas regiões pesquisadas pela PED-DIEESE, a taxa de
desemprego praticamente dobrou em relação a janeiro de 2015 e impactou
todos os segmentos populacionais, conforme demonstra o gráfico abaixo.
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED-DIEESE), taxa de desemprego - Em %
Qual é a situação dos jovens brasileiros desempregados? Por que o desemprego entre os jovens tem aumentado no País?
Patrícia Pelatieri - No desemprego medido, segundo a Pesquisa de
Emprego e Desemprego (DIEESE/Seade/parceiros regionais) realizada nas
regiões metropolitanas, as taxas continuam altas, com diferenças entre
os segmentos e as regiões. A taxa de desemprego entre os jovens aumentou
em quase todas as regiões pesquisadas, na comparação de 12 meses,
atingindo 48,7% na região de Salvador e 42,9% no Distrito Federal. Na
região de Porto Alegre, houve redução de 23,7% para 22,8%, equivalente a
0,9%. Ainda que em menor proporção, a taxa de desemprego para a faixa
dos 25 a 39 anos de idade elevou-se nas quatro regiões.
Os jovens trabalhadores enfrentam grandes dificuldades na transição
escola-trabalho, em especial os provenientes de famílias com renda
familiar baixa que os impelem ao trabalho mais cedo. Dificuldade para
adentrar o mercado de trabalho, postos de trabalho com alta
rotatividade, baixos salários e distante de seus domicílios são
características comuns nas ocupações destes jovens.
O que seria uma medida para reverter o desemprego entre os jovens?
A juventude brasileira é trabalhadora e em sua absoluta maioria se
esforça para combinar trabalho e estudo. As condições de inserção no
mercado de trabalho para os/as jovens apresentam condições desiguais às
dos adultos, tanto em termos de salários e horas trabalhadas, quanto
nas taxas de informalidade, apontando para a necessidade não apenas de
aumentar as oportunidades, mas também a qualidade das opções de emprego e
trabalho para a juventude brasileira.
Um elemento a ser revisto é que os serviços públicos de suporte
e acesso ao empregoainda atingem muito pouco a população jovem. Outro
ponto a ser considerado é que a permanência das desigualdades de gênero e
raça no mercado de trabalho são significativas para o segmento jovem –
mesmo apresentando níveis educacionais um pouco mais elevados que os dos
homens, as mulheres jovens ainda recebem, em média, rendimentos
menores. Além de ainda possuírem, em média, níveis de escolaridade um
pouco mais baixos que dos brancos, os jovens pretos e pardos também
possuem uma remuneração média do trabalho inferior à dos demais.
Por fim, estima-se que há um potencial de contratação de 1,5 milhão
de jovens como aprendizes em médias e grandes empresas. Esta contratação
pode ser articulada com o sistema de intermediação pública de mão de
obra (SINE), priorizando as ocupações que contribuam para a formação
profissional do jovem.
Hoje muitos sociólogos criticam o chamado fenômeno da
uberização, mas, de outro lado, essa tem sido uma via alternativa para
trabalhadores que estão desempregados. Como analisa esse fenômeno no
contexto brasileiro?
É confortável para o capital e para o governo responsabilizar
individualmente o trabalhador pela sua “empregabilidade”, e se eximir de
qualquer culpa. A grande mídia enaltece uma imagem de liberdade nessa “modernização”
e parte da opinião pública fica convencida de que só existe esse
caminho. O discurso segundo o qual o “ajuste” é um sacrifício necessário
para o restabelecimento das condições que permitem a retomada do
crescimento visa legitimar e viabilizar as perdas de direitos sociais e
de perspectiva de desenvolvimento com equidade.
Como é possível enfrentar o desemprego sem aumentar a precarização do trabalho?
A forma de enfrentar o desemprego é a promoção do crescimento
econômico, com desenvolvimento político e social. Não há milagre, é
preciso implementar um projeto de desenvolvimento nacional que leve em
conta as necessidades da população. Infelizmente, a Reforma do Estado
imposta pela PEC 95 vai significar empobrecimento da população, em
decorrência da contenção das políticas públicas, e diminuição da
capacidade do Estado em alavancar o crescimento e promover o
desenvolvimento. E sabemos que a retomada de um ciclo de crescimento
exige uma longa e penosa travessia.
Disponível em: https://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/10939-reforma-trabalhista-reconcentracao-de-renda-e-empobrecimento-dos-trabalhadores
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