Presidente da entidade diz que eventual decisão neste sentido pode representar 'retrocesso social'. Resolução que impedia profissionais de verem homossexualidade como doença foi 'derrubada' no dia 15.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) decidiu “auxiliar” a defesa do Conselho Federal de Psicologia na ação popular que "derrubou" a resolução 001/1990, que impedia os profissionais de ofertarem "cura gay" e de verem homossexualidade como doença. De acordo com o presidente nacional, Claudio Lamachia, uma eventual decisão neste sentido pode representar “retrocesso social”.
A decisão foi tomada durante reunião nesta terça-feira (19). Com isso, a
OAB vai ingressar como amicus curiae – “amigo da corte” ou “amigo do
tribunal”, entidade estranha à causa que traz esclarecimentos sobre
questões essenciais ao processo.
“A OAB tem de ingressar em juízo na condição de amicus curiae para que
eventual decisão de mérito nessa ação não represente de forma alguma
retrocesso social que implique no tratamento de homossexuais como
portadores de doença, o que é inaceitável”, disse Lamachia.
Na última sexta (15), o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal, liberou psicólogos a tratarem gays e lésbicas como doentes, podendo fazer terapias de “reversão sexual”, sem sofrerem qualquer tipo de censura por parte dos conselhos de classe.
O magistrado argumentou "liberdade científica" para tomar a decisão. A
medida é liminar e acata uma ação popular movida por profissionais que
dizem acreditar na "cura gay".
Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual
representam “uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer
embasamento científico”. Desde 1990, a homossexualidade deixou de ser
considerada doença pela Organização Mundial da Saúde. O presidente do
CFP, Rogério Giannini, afirmou ao G1 nesta terça-feira (20) que deve entrar com recurso nesta quarta.
Relator da proposta no Plenário do Pleno da OAB, o conselheiro federal
Marcello Terto e Silva (GO) disse que a tentativa de classificar
homossexuais como portadores de uma doença é inaceitável e anacrônica.
“É uma abordagem que já foi descartada há muito tempo no plano
internacional, em 1990. Então essa decisão de ingressar como amicus
curiae é o cuidado em acompanhar essa discussão em juízo para que não
haja uma distorção em relação à aplicação da resolução que vem impedir
que os profissionais da psicologia possam agir dessa forma, tratando as
pessoas que os procuram como portadores de patologia.”
Ação popular
Uma das autoras da ação popular que questionava a resolução é a
psicóloga Rozângela Alves Justino, que oferecia terapia para que gays e
lésbicas deixassem de ser homossexuais. Ela foi punida em 2009 pela
prática.
Na época, Rozângela disse ao G1
que considera a homossexualidade um distúrbio, provocado principalmente
por abusos e traumas sofridos durante a infância. Ela afirmou ter
"aliviado o sofrimento" de vários homossexuais.
“Estou me sentindo amordaçada e impedida de ajudar as pessoas que,
voluntariamente, desejam largar a atração por pessoas do mesmo sexo",
disse Rozângela na ocasião.
O que diz a decisão?
A decisão liminar (provisória) derruba uma resolução de 1999 do
Conselho Federal de Psicologia, que proibia qualquer tipo de conduta dos
psicólogos na tentativa de "curar" a homossexualidade. Essa
resolução se baseia no entendimento da Organização Mundial de Saúde
(OMS), que, desde 1990, não entende as questões de orientação sexual
como doenças.
A decisão do juiz Waldemar Cláudio de Carvalho acata parcialmente o
pedido de uma ação popular, assinada por psicólogos defensores das
"terapias de reversão sexual". Sob alegação de garantir a plena
liberdade científica, o magistrado disse entender que não se pode
"proibir o aprofundamento dos estudos científicos relacionado à (re)
orientação sexual".
Na decisão, Carvalho diz que a resolução continua a valer, mas não pode
ser interpretada "de modo a impedir os psicólogos de promoverem estudos
ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente à
(re)orientação sexual". Na prática, essa liminar abre espaço para que os
psicólogos tentem "curar" gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e
travestis.
Para o Conselho Federal de Psicologia, terapias de reversão sexual
representam “uma violação dos direitos humanos e não têm qualquer
embasamento científico”.
“A gente sente muito que ainda hoje a gente tenha que estar discutindo e
gastando muita energia com uma coisa que a gente já entende que não tem
que estar discutindo isso, a gente tem é que reforçar o respeito ao
direito humano, respeitar as diversas formas de as pessoas serem e
estarem no mundo", diz o psicólogo e representante do conselho Paulo
Aguiar.
Ele também contesta o trecho da decisão que cita uma suposta "proibição
dos estudos" sobre a sexualidade humana. "Nós não temos inferências
sobre isso. Quem regula são os comitês de éticas das universidades, o
Ministério da Saúde e órgãos como a Capes que regulam isso."
Casos recentes
Nos últimos cinco anos, o Conselho Federal de Psicologia recebeu queixas contra três profissionais que ofertavam tratamento para homossexualidade.
De acordo com o presidente do órgão, Rogério Giannini, uma psicóloga –
que está entre os autores da ação – teve o registro cassado por causa da
prática.
De acordo com o conselho, a resolução trouxe impactos positivos no
enfrentamento a preconceitos e proteção de direitos da população
homossexual no país, “que apresenta altos índices de violência e mortes
por LGBTfobia”. A oferta de tratamentos de “cura gay” eram passíveis de
punição.
Repercussão
O deputado federal Orlando
Silva (PCdoB-SP) acionou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta
terça, para que o órgão "tome providências" em relação ao juiz federal. Segundo o parlamentar, a decisão atenta contra a cidadania.
"[...] A decisão do magistrado, além de afrontar os princípios
constitucionais aludidos, vai contra a promoção da cidadania, o
desenvolvimento e a inclusão social, objetivos perseguidos por este
Conselho Nacional de Justiça", diz a representação.
No texto, Orlando Silva diz ainda que a decisão judicial "enfraquece
toda e qualquer ação que contribua para o fortalecimento da educação e
da consciência dos direitos, deveres e valores do cidadão".
Nesta quarta (20), o deputado federal Jean Wyllys anunciou que também
vai acionar o CNJ. Para o deputado, o argumento de que o juiz está
permitindo a liberdade científica é "falacioso e enviesado", já que a
homossexualidade não é um transtorno psíquico – por isso, nenhuma
terapia de reversão pode ser aplicada.
Disponível em: https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/oab-decide-ajudar-conselho-federal-de-psicologia-em-acao-que-contesta-autorizacao-para-cura-gay.ghtml
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