
O presidente Michel Temer foi pressionado após as delações da JBS, mas ganhou fôlego nos últimos dias
Pressionado por graves denúncias
desde a divulgação da delação premiada da JBS, o presidente Michel Temer
ganhou certo fôlego nos últimos dias com as decisões do Tribunal
Superior Eleitoral de não cassar seu mandato e do PSDB de não deixar o
governo.
No entanto, a expectativa é que até a próxima semana o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente uma denúncia
contra Temer ao Supremo Tribunal Federal, o que abriria nova ameaça ao
seu mandato.
Se isso ocorrer, será a primeira vez que um
presidente brasileiro é denunciado por crime comum no exercício do
cargo. Para que Temer seja julgado pelo STF, porém, a Constituição
estabelece que primeiro a Câmara precisa autorizar a abertura do
processo, em votação similar a de abertura de um processo de
impeachment.
Abaixo, entenda melhor o que esperar dessa denúncia e quais seus possíveis desdobramentos.
1) Qual deve ser o conteúdo da denúncia
A
expectativa é de que Janot apresente uma denúncia tendo como base
investigações iniciadas a partir da delação premiada da JBS, com
autorização do ministro do STF Edson Fachin. No momento, o inquérito
aberto contra Temer apura supostos crimes de corrupção passiva,
obstrução de Justiça e formação de quadrilha.
Temer é suspeito
de ter dado aval para que o empresário Joesley Batista comprasse o
silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso pela Lava Jato.
Uma gravação da conversa entre os dois ainda está sendo periciada pela
Polícia Federal.
Além disso, o presidente também é acusado de ter
indicado seu ex-assessor especial Rodrigo Rocha Loures como
interlocutor de sua confiança para a JBS encaminhar pedidos ao governo.
Posteriormente, Loures foi gravado recebendo uma mala de R$ 500 mil em
propina de um representante do grupo.
2) O que acontece após apresentação da denúncia?
Se
Janot apresentar a denúncia, a expectativa é de que Fachin faça um
exame formal mínimo de seu conteúdo e a encaminhe para a Câmara dos
Deputados.
Lá, o presidente da casa, Rodrigo Maia, não tem poder
individual de barrar o trâmite - diferentemente do que ocorre no pedido
de impeachment - e deve imediatamente encaminhar a questão para uma
análise prévia da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Na
CCJ, há um prazo de dez sessões para o presidente apresentar sua defesa e
mais cinco para o deputado que for indicado como relator do caso
apresentar seu parecer, contra ou a favor do andamento da denúncia. O
relator tende a ser aliado de Temer, já que o governo tem, hoje, maioria
no Congresso.
O
parecer será votado então na CCJ e, seja qual for o resultado, depois
segue para análise do plenário da Câmara. Assim como no processo de
impeachment, quando os deputados decidem se autorizam que o Senado
julgue o presidente por crime de responsabilidade, no caso da denúncia
por crime comum a ser julgado no Supremo, também é preciso um quórum
alto para aprovar a abertura do processo - três quintos da Câmara, ou
342 votos do total de 513.
Hoje,
o governo tem maioria no Congresso e por isso seus aliados se dizem
confiantes de que vão barrar a denúncia. A ideia é não usar os prazos
máximos para apresentação da defesa de Temer e conclusão do relatório,
mas é provável que a oposição tente retardar esse processo, na
expectativa de que aumente o desgaste do presidente.
"Vamos tentar
acelerar isso ao máximo, talvez em dez dias a gente consiga resolver",
disse o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), um dos que esteve à frente da
defesa de Eduardo Cunha e agora se mostra fiel aliado de Temer.

Procurador-geral da República, Rodrigo Janot, deve apresentar denúncia contra Temer ao
Supremo Tribunal Federal
O deputado ressalta, porém, que por enquanto só há "especulações" de
que haverá denúncia. "A denúncia contra o presidente tem que ser calcada
em provas. Quero ver se ela vem, ainda tenho dúvidas com relação a
isso", afirmou.
Para o professor de Direto Constitucional Thomaz
Pereira, da FGV do Rio de Janeiro, o cenário não é totalmente seguro
para Temer, já que novas denúncias e fatos negativos têm surgido a toda
hora contra o presidente e seus aliados.
"Por mais que ele tenha
os votos hoje (para barrar a denúncia na Câmara), ninguém sabe como vai
ser o dia de amanhã. Então, por mais confiante que se esteja, é claro
que tem um risco. Pode acontecer algum fato político que afete esse
cálculo de votos", afirma.
Ele ressalta que a sessão da Câmara
deve ser semelhante a do impeachment, com cada deputado votando
abertamente no microfone, em sessão televisionada ao vivo.
"Esses
deputados vão ter que votar sim ou não pessoalmente, publicamente. Não
está claro o quanto isso afetaria a votação", destaca.
3) Por que a Constituição dá à Câmara poder de barra a denúncia?
Segundo
Thomas Pereira, da FGV, esse desenho institucional tem como objetivo
proteger o presidente de uma eventual perseguição indevida do Ministério
Público e do Judiciário.
Esse é justamente o discurso que Temer
tem adotado em sua defesa, ao acusar Janot de atuar politicamente, com
objetivo de derrubá-lo.
"O freio existe, bem ou mal, para impedir
um outro tipo de crise, que seria uma instituição não eleita (o
Ministério Público) perseguindo um presidente eleito", observa.

Se Temer vier a ser condenado pelo STF, a Constituição determina que sejam convocadas eleições indiretas
"Se não é isso que está acontecendo, e não me parece que seja, o ônus
que os deputados teriam caso não autorizem o prosseguimento de uma
eventual denúncia é explicar sua decisão para a população. A Câmara é
formada por deputados eleitos, o que se imagina é que eles sejam
responsivos ao que os cidadãos consideram de tudo isso", ressalta
Pereira.
A professora de Direito Constitucional da Universidade
Federal do Paraná (UFPR) Estefânia Barboza lembra que um presidente no
Brasil é eleito com mais de cinquenta milhões de votos, o que confere
muita legitimidade a seu mandato.
"É diferente de um deputado, por
exemplo, que é eleito com milhares de votos. Por isso, a Constituição
dá maior proteção ao cargo de Presidente da República, dividindo a
responsabilidade do julgamento entre a Câmara e o Supremo", afirma.
Além
disso, destaca a professora, quando o presidente vira réu, ele fica
afastado do cargo por até 180 dias, enquanto ocorre o julgamento. "É
algo grave, também por isso é preciso dividir a responsabilidade".
4) E se denúncia chegar ao STF?
Caso
a Câmara autorize o STF a julgar Temer, o processo não é aberto
automaticamente. Nesse caso, o plenário do Supremo, formado por onze
ministros, analisará conjuntamente se aceita a denúncia de Janot.
Quem
marca esse julgamento sobre o recebimento da denúncia é a presidente da
corte, Cármen Lúcia, depois que o relator do caso, Edson Fachin,
concluir seu voto.
"Tendo autorização da Câmara, assim que o
Fachin liberar a denúncia, imagino que seria pautada automaticamente
pela presidente. Acho que não existe nada no comportamento do ministro
Fachin que indique que ele demoraria com isso", afirma Pereira.
Se
a maioria decidir tornar Temer réu, ele ficaria afastado por até seis
meses do cargo, período no qual o presidente da Câmara, Rodrigo Maia,
assumiria interinamente o comando do país.

Se a maioria no STF decidir tornar Temer réu, ele ficaria afastado por até seis meses do cargo
Um processo criminal no STF costuma durar em média mais de cinco
anos, segundo dados da FGV, mas um processo contra o presidente, por sua
gravidade, tenderia a ser mais rápido.
"Como ele ficaria
afastado por até seis meses, acredito que o Supremo daria prioridade
absoluta a esse processo, porque cria uma instabilidade muito grande no
país", afirma Estefânia Barboza.
Se Temer vier a ser condenado
pelo STF, como já se passou metade do atual mandato presidencial, a
Constituição determina que sejam convocadas eleições indiretas para que o
Congresso escolha um presidente e um vice para concluir o mandato até
2018.
Se ele for absolvido em eventual processo, retomaria o comando do país.
5) E se a denúncia for barrada na Câmara?
Se
de fato, como o governo espera, a Câmara barrar o andamento da
denúncia, Pereira acredita que Temer continuaria enfraquecido pelas
acusações da Lava Jato, com baixa condição de governabilidade.
"É
claro que, no prazo imediato, o governo ficará aliviado. No entanto, no
médio e no longo prazo, a opinião pública conta, os eleitores contam.
Ele pode até concluir o mandato, mas em que condições vai governar? E em
2018, como isso vai se refletir nas urnas em relação aos partidos que
estão dando sustentação para esse governo nessa situação?", questiona.
"Se
o presidente tem tanta certeza de que não há elementos para esse
processo ir à frente, seria melhor para todo mundo, inclusive para ele,
que, se essa denúncia não for à frente, que não vá por uma decisão
substantiva do Supremo Tribunal Federal, que é a instituição com maior
competência jurídica para fazer essa análise", disse também.
Para
Antonio Lavareda, professor de Ciência Política da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE), se a Câmara barrar o andamento de uma eventual
denúncia, o país continuará a assistir nos próximos meses "a queda de
braço" entre Temer e Janot, cujo mandato termina em setembro.
"Há
claramente uma disposição da Procuradoria de dificultar sua permanência
e sua agenda, e de outro lado há um esforço do presidente e da sua
equipe para manterem a agenda e as condições de governabilidade",
afirmou.
"O Ministério Público é um quarto poder que não está
submetido a nenhum dos três outros (Executivo, Legislativo e
Judiciário). E esse quarto poder, na aliança que fez com a Polícia
Federal e elementos da magistratura (juízes) de primeiro grau, encampou a
tarefa de por fim ao governo Temer, e está fazendo o possível com esse
objetivo", acrescentou.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/internacional-40256404
Nenhum comentário:
Postar um comentário