O que as propostas do presidente interino para a economia e a educação podem significar para políticas salariais dos professores.
As medidas podem afetar as políticas de valorização docente, no curto e no médio prazo
Desde que Michel Temer assumiu interinamente a presidência,
ao menos duas movimentações apontam para cenários preocupantes quando
se fala em políticas públicas educacionais. A mais recente foi a
apresentação no Congresso da PEC 241/2016. A Proposta de Emenda
Constitucional enviada por Temer à Câmara dos Deputados em junho tem o
objetivo de aprovar o Novo Regime Fiscal, que pretende limitar o
crescimento do gasto público à inflação e revogar as vinculações,
previstas na Constituição, de percentuais de Receita da União para Saúde
e Educação.
Na prática, significa dizer que as verbas federais destinadas a essas
áreas deixariam de variar conforme a arrecadação e passariam a ser
corrigidas somente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor)
do ano anterior. Se entrar em vigor, o regime durará 20 anos e o
dinheiro economizado será usado para pagar a dívida pública.
Antes da PEC, veio a público em abril o documento de propostas Travessia Social, que na área educacional apresenta sete ideias
para um “programa de apoio e desenvolvimento” da Educação Básica. Sem
citar o Plano Nacional de Educação (PNE), que acaba de completar dois
anos, o texto diz que o governo deverá “dar consequência aos processos e
resultados das avaliações” e criar um “programa de certificação
federal” docente “para efeito de pagamento de um adicional à sua
remuneração regular, custeado pela União” – ideias que sugerem a adoção de políticas de bonificação dos professores.
Embora sejam de naturezas distintas e tenham destinos ainda incertos,
tanto a carta de intenções do Travessia Social quanto a PEC do Novo
Regime Fiscal, já encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ), podem afetar as políticas de valorização docente, no curto e no médio prazo.
Enquanto a PEC-241 prejudicaria de forma direta e mais imediata os
salários dos professores, o documento de ideias do atual presidente
ignora o debate internacional sobre responsabilização do professor e os resultados recentes de pesquisas sobre a eficácia das caras políticas de bonificação.
Para Luiz Araújo, doutor em políticas públicas e professor da
Faculdade de Educação da UnB, em caso de aprovação, a PEC-241
inviabilizará o Piso Nacional dos Professores (Lei 11.738/2008). “A
tendência é que se tente mudar também a lei do piso salarial para não
prolongar um conflito jurídico que surgirá entre ela e a PEC do regime
fiscal”, afirma. Ele explica que, ao limitar a possibilidade de reajuste
somente pela inflação, a emenda proibirá municípios e estados de
corrigir o salário segundo a lei do piso, ou seja, de acordo com o valor
anual mínimo por aluno definido pelo Fundeb.
O cenário preocupa, considerando que mais da metade dos estados já
não cumpre a lei, de acordo com levantamento divulgado este ano pela
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). No total, 14
estados pagam menos do que o piso atual, de R$ 2.135,64 mensais, aos
professores em início de carreira, com formação de nível médio e carga
semanal de trabalho de 40 horas. Além disso, de acordo com análise de
dados feita este ano pelo movimento Todos pela Educação, professores com
Ensino Superior ganham 54% do que recebem pessoas de outras áreas com o
mesmo nível de formação.
É tudo o que o Plano Nacional de Educação
gostaria reverter até 2020 com a meta 17, de “valorizar os(as)
profissionais do magistério das redes públicas da Educação Básica, a fim
de equiparar o rendimento médio dos(as) demais profissionais com
escolaridade equivalente, até o final do 6º ano da vigência deste PNE.” O
problema, segundo Luiz Araújo, é que a PEC pode significar a revogação
do próprio PNE. “Eu digo que revogaria indiretamente, mas revogaria,
porque o crescimento da oferta fica inviável e, logo, o cumprimento do
plano como um todo será comprometido, se não pudermos aumentar o número
de escolas, de pessoal e de vagas”, avalia. Nesse contexto, ele aponta
que o piso só tem sentido quando possibilita aumentar o patamar de
valorização. “O ganho real, acima da inflação, não é o único instrumento
para isso, mas é imprescindível”, diz.
A professora Giovana Caversan, 28 anos, concorda. “Acredito que, além
das políticas óbvias de valorização da carreira docente, é necessário
que se invista na melhoria das condições de trabalho dos professores e
uma medida fundamental para isso é o aumento das horas de planejamento
e a garantia de que essas horas sejam de fato espaços de debate e
construção de um plano de ação que traduza as necessidades de cada
comunidade”, argumenta a antropóloga, que recentemente pediu exoneração
da rede estadual de São Paulo.
O piso salarial dos professores é uma política que acaba de completar
oito anos. Por isso, também são recentes os estudos sobre seus
possíveis efeitos nos diversos aspectos da educação.
Uma dessas pesquisas, ainda em andamento, conseguiu mostrar que até 2013 o piso surtiu efeito na elevação dos salários brutos de professores
nas redes municipais atingidas pela lei, ou seja, que pagavam
salário-base abaixo dos R$ 950 estipulados e passaram a fazer as
correções de acordo com a legislação. Além disso, registrou indícios de
que o aumento salarial decorrente do piso proporcionou uma leve melhora
(de 1 ponto percentual de 2010 a 2013) na qualidade da nota dos
estudantes que ingressaram via Enem nos cursos de pedagogia nos
municípios atingidos pela lei. Estas são, em resumo, as análises
resultantes da tese de doutorado defendida na FGV em janeiro pelo
economista Geraldo Andrade da Silva Filho, especialista em políticas
públicas e gestão governamental, que também atua como pesquisador do
Inep.
O levantamento também permitiu ao economista verificar que a
bonificação baseada no desempenho é, percentualmente falando, quase
inexistente entre as redes municipais brasileiras.
No período de análise, apenas 2,3%, ou 22 municípios, entre 955 que
responderam a esta pergunta da pesquisa, tinham alguma política de
bônus.
Entre as redes estaduais, esse tipo de política está mais presente:
13 estados tinham aderido ao bônus até 2011, segundo levantamento dos
professores Luiz Guilherme Scorzafave e Tulio Andorigan, da Faculdade de
Economia, Administração e Contabilidade da USP em Ribeirão Preto.
Os dois se debruçaram sobre o efeito do programa de bonificação sobre
o desempenho escolar dos alunos na rede de São Paulo, um dos primeiros a
implementar um sistema de bonificação. “A ideia era pesquisar como uma
política que custa caro e é tão relevante no que ela pretende está
funcionando”, conta Scorzafave.
Sem expectativa sobre o que encontrariam nos dados da Prova Brasil, identificaram efeitos positivos para Matemática e
Português para o 5° ano do ensino fundamental entre 2007 e 2009, mas em
2011 verificaram uma diminuição expressiva desse efeito positivo. Já
para o 9° ano não constataram efeitos. “Com o estudo percebemos que os
detalhes do desenho da política são muito importantes para determinar o
resultado dela”, avalia. A opção por centrar o estudo nos resultados da
Prova Brasil foi feita porque o exame nacional não está atrelado ao
pagamento de bônus, como é o caso do Saresp, que por ter essa finalidade
está mais sujeita a fraudes.
O pesquisador aponta que para países em desenvolvimento, a avaliação
dessas políticas costuma apresentar resultados positivos. Já as
evidências nos Estados Unidos
são mais ambíguas, com trabalhos mostrando estados que melhoravam e
outros que não melhoravam os resultados nas provas. “Não me parece que a
questão seja aumentar o valor do bônus, mas olhar para o desenho das
metas e para como os professores enxergam essa política”, analisa,
ressaltando a importância de as pesquisas quantitativas sobre o assunto
acompanharem estudos qualitativos, ouvindo os docentes.
A professora Giovana Caversan afirma que recebeu a bonificação nos
dois anos em que lecionou na rede paulista, mas que não vê a política
como meio de valorização da carreira docente. “O bônus gera uma pressão
imensa para obter resultados no Saresp e controlar a evasão escolar a
qualquer custo. A nota do Saresp passou a ser o objetivo máximo da
escola e das diretorias de ensino, pois quanto maior a nota mais chances
de conseguir o bônus, mas a nota da prova não reflete a realidade das
escolas, está, aliás, muito longe disso”, relata.
Giovana acrescenta que nem mesmo a nota garante o bônus: “Este ano
mesmo foi quase cancelado e depois concedido. Além de tudo, ele não é
incorporado ao salário, que continua sem reajuste pelo segundo ano
consecutivo”.
Já para o professor de sociologia e história João Vitor Inocêncio, 26
anos, bonificar ou não os professores da rede inteira de acordo com o
desempenho de matemática e português é completamente contraditório.
“Primeiro porque o tempo todo somos incentivados a considerar a
avaliação como instrumento para verificar e rever práticas e não como
ferramenta para punir, e segundo porque essa política desconsidera a diversidade cultural e social de cada escola com uma prova universal centrada em apenas duas áreas do conhecimento”, pontua.
Disponível em: http://www.cartaeducacao.com.br/reportagens/pec-241-valorizacao-docente-em-xeque/
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