sábado, 22 de outubro de 2016

PARCIAL E INJUSTO, SIM, ASSIM É NOSSO DEUS...

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Lucas 18,9-14

Um catecismo que estudamos quando meninos dizia que Deus “premia aos bons e castiga aos maus”. Porém não concretizava quem eram os bons e quem os maus. E como nossa forma de pensar é com freqüência muito distinta da de Deus, é provável que os que Deus considera bons ou maus não coincidam com os que nós julgamos como tais.
Deus é um Juiz parcial a favor do pobre. Esta é a imagem clara que vemos na Bíblia, por exemplo, na que nos oferece o livro do Eclesiástico (35,15b-17.20-22a). O mais curioso deste texto é que não o escreve um profeta, amante das denuncias sociais e das críticas aos ricos e poderosos, mas sim um judeu culto, pertencente à classe acomodada do século II a.C.: Jesus ben Sirac. E a imagem que oferece de Deus dista muito da que tinham a maioria dos israelitas, inclusive os sacerdotes e os letrados (“doutores”) da Lei. Não é um Deus imparcial, que julga às pessoas por suas obras; é um Deus parcial, que julga às pessoas por sua situação social. Por isso se põe do lado dos pobres, dos oprimidos, dos órfãos e das viúvas; os seres mais débeis e excluídos da sociedade. Começa o autor dizendo: “O Senhor é um Deus justo, que não pode ser parcial”. Porém acrescenta de imediato, com um toque de ironia: “não é parcial contra o pobre”.
Portanto, Deus, um juiz parcial a favor do humilde, pois o evangelho de Lucas nos oferece o mesmo contraste mediante um exemplo distinto, para melhor entender a parábola convém aprofundar na atitude do fariseu.
Na Bíblia encontramos, às vezes, confissões de inocência, como a que nos dá o Salmo 26(25),4-5: “Não me sento com gente falsa, com os mentirosos não vou; detesto a companhia de malfeitores, com os malvados não me sento”, mas existe também a versão positiva, onde a pessoa enumera as coisas boas que fez. Encontramos um esplêndido exemplo no livro de Jó, quando o protagonista proclama (Jó 29,12-17): “Eu livrava o pobre que pedia socorro e o órfão indefeso, recebia a bênção do andarilho e alegrava o coração da viúva pobre; de justiça me vestia e revestia, o direito era meu manto e meu turbante. Eu era olhos para o cego, era pés para o coxo, eu era o pai dos pobres e examinava a causa do desconhecido. Rompia as mandíbulas do iníquo para arrancar-lhe a presa dos dentes”.
E encontramos, também, como é o relato do Evangelho deste domingo, a oração orgulhosa do fariseu: “Oh Deus!, te dou graças, porque não sou como os demais: ladrões, injustos, adúlteros; nem como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Se o fariseu tivesse sido como Jó, teria se limitado às palavras finais: “Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Porém o fariseu também tinha, e cita em sua oração, ódio e desprezo aos outros, aos que considera globalmente pecadores: “ladrões, injustos, adúlteros”. Só ele é bom, e considera que Deus está inclinado para ele, pois ele considera que deus lhe é devedor, como se Deus precisa de suas virtudes para ser Deus.



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Muitas vezes nos deparamos com pessoas assim, que se consideram mais merecedoras de Deus mais que “os outros, os pecadores”, sua oração não é voltada para si, mas para comparar-se com os outros e, na sua avaliação, considerar-se melhor que as outras pessoas; muitas vezes ela não elabora esta oração, mas ela sente isso e, se comporta como se fosse mais e melhor que as outras pessoas, diante de Deus e dos homens; podemos perceber isto até no seu comportamento na igreja, diante do/da líder religioso e, sobretudo, diante dos pecadores e pecadoras... Como sua fé é pouca e superficial, ela pensa que agrada a Deus com o exterior, mas se esquece “que Deus vê e julga o interior” (Lc 16,15; 2Co 5,12; Prov 21,2; 24,12; 1Cr 28,9; Is 29,13; Jr 11,20; ‘7,10; ) e “que Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34), mas “ama a justiça e o direito” (Sl 33,5; Gn 18,19; Lv 19,15; Dt 16,19; Jó 8,3; 27,6; Sl 8,9; 10,18; 15,2; 23,3; 48,10; 50,6; 82,3; 89,14; 119,142; 132,9; 146,7; Pv 11,6; 11,18; 31,9; Is 11,4; 46,13; Jr 22,3;23,5; 33,16; Ez 34,16; Dn 9,7; Mq 6,8; Sf 2,3; Mt 5,20; Lc 11,42; Jo 7,24; Rm 3,5; 2Cor 9,9; Ef 5,9; 6,14; Fp 1,11; 1Tm 6,11; Hb 1,9; Tg 1,20; 1Pe 2,24; 3,14; 1Jo 2,29; Ap 22,11; etc. ) e é um “Deus de justiça” (Is 30,18).
No extremo oposto se encontra a atitude do publicano. Diferente de Jó, não relembra suas boas ações, posto que algumas teria feito em sua vida. Tampouco enumera as más ações que não cometeu, como se dissesse à Deus: “sou racista mas ao sou homossexual” ou como comumente se ouve “mas eu nunca roubei nem matei”, como se o fato de “não roubar” e “não matar” bastasse para se justificar diante de Deus. Mas ao contrário, prescindindo dos fatos concretos se fixa em sua atitude profunda e reconhece humildemente, enquanto bate no peito: “Oh Deus!, tem compaixão deste pecador” (Ou, segundo outra versão: “Senhor, tem piedade de mim que sou pecador”).
Um dos maiores erros dos religiosos é tabelar os pecados e as virtudes, como se uns fossem “grandes pecados” e outros “pecadinhos”, a Bíblia discorda disso quando afirma que “todo homem é pecador” (Rm 3,9; 3,23; 5,12; 1Cor 15,3; Gl 2,17) e “todos precisam da misericórdia de Deus” (Rm 3,23). Os religiosos homofóbicos e racistas, nunca pensam que sua homofobia ou racismo é pecado, pois eles têm uma tabela de virtudes sempre pronta para apresentar a Deus e aos homens. Não se dão conta, coitados, que esta “tabela” é ilusão e falsidade, não passa de vaidade... Quantas pessoas que enchem sua vida de igreja porque seu coração e mente estão vazios de Deus?
No Antigo Testamento há dois casos famosos de confissão da própria culpa: Davi e Ajab. Davi reconhece seu pecado depois do adultério com Betsabé e de ordenar a morte de seu esposo, Urias (2Sm 11-12; Sl 50). Ajab reconhece seu pecado depois do assassinato de Nabot (1Rs 21). Porém em ambos os casos se trata de pecados muito concretos, e também em ambos os casos é preciso que intervenha um profeta (Natã (2Sm 12,1-23) ou Elias) para que o rei advirta a maldade de suas ações. O publicano da parábola mostra uma humildade muito maior. Não diz: “Fiz algo mau”, não necessita que um profeta lhe abra os olhos; ele mesmo se reconhece pecador e necessitado da misericórdia divina.
É por isso que afirmo que Deus é um juiz parcial e injusto, pois ao final da parábola, Deus emite uma sentença desconcertante: o piedoso fariseu é condenado, enquanto que o pecador é declarado inocente: “Lhes digo que este foi para sua casa justificado, e aquele não”. Devemos dizer, contrariando o catecismo, que “Deus premia aos maus e castiga aos bons”? Ou, quem sabe, devemos mudar nossos conceitos de bons e maus, e nossa imagem de Deus?
Em outra passagem Jesus diz que “no dia do Juízo, Sodoma será tratada com mais misericórdia” (Mt 10,15; 11,24; Lc 10,12; 17,29) do que a cidade dos religiosos hipócritas e também diz que “as prostitutas entrarão na frente (dos religiosos hipócritas) no reino dos Céus” (Mt 21,31). Desconfortável isto, não? Pois é, este é o nosso Deus, e não gostamos disso, é por isso que muita gente prefere conceber e construir um deus a sua imagem e semelhança, mas é ilusão, não há outro Deus, só há esse, parcial em favor do pobre, do fraco e do excluído, não há outro.


Foto de Dom Abade Antonio.
Dom Abade Antonio
Mosteiro Domus Mariae

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