Lucas 18,9-14
Um catecismo que estudamos quando meninos dizia
que Deus “premia aos bons e castiga aos maus”. Porém não concretizava
quem eram os bons e quem os maus. E como nossa forma de pensar é com
freqüência muito distinta da de Deus, é provável que os que Deus
considera bons ou maus não coincidam com os que nós julgamos como tais.
Deus é um Juiz parcial a favor do pobre. Esta é a imagem clara que vemos na Bíblia, por exemplo, na que nos oferece o livro do Eclesiástico (35,15b-17.20-22a). O mais curioso deste texto é que não o escreve um profeta, amante das denuncias sociais e das críticas aos ricos e poderosos, mas sim um judeu culto, pertencente à classe acomodada do século II a.C.: Jesus ben Sirac. E a imagem que oferece de Deus dista muito da que tinham a maioria dos israelitas, inclusive os sacerdotes e os letrados (“doutores”) da Lei. Não é um Deus imparcial, que julga às pessoas por suas obras; é um Deus parcial, que julga às pessoas por sua situação social. Por isso se põe do lado dos pobres, dos oprimidos, dos órfãos e das viúvas; os seres mais débeis e excluídos da sociedade. Começa o autor dizendo: “O Senhor é um Deus justo, que não pode ser parcial”. Porém acrescenta de imediato, com um toque de ironia: “não é parcial contra o pobre”.
Portanto, Deus, um juiz parcial a favor do humilde, pois o evangelho de Lucas nos oferece o mesmo contraste mediante um exemplo distinto, para melhor entender a parábola convém aprofundar na atitude do fariseu.
Na Bíblia encontramos, às vezes, confissões de inocência, como a que nos dá o Salmo 26(25),4-5: “Não me sento com gente falsa, com os mentirosos não vou; detesto a companhia de malfeitores, com os malvados não me sento”, mas existe também a versão positiva, onde a pessoa enumera as coisas boas que fez. Encontramos um esplêndido exemplo no livro de Jó, quando o protagonista proclama (Jó 29,12-17): “Eu livrava o pobre que pedia socorro e o órfão indefeso, recebia a bênção do andarilho e alegrava o coração da viúva pobre; de justiça me vestia e revestia, o direito era meu manto e meu turbante. Eu era olhos para o cego, era pés para o coxo, eu era o pai dos pobres e examinava a causa do desconhecido. Rompia as mandíbulas do iníquo para arrancar-lhe a presa dos dentes”.
E encontramos, também, como é o relato do Evangelho deste domingo, a oração orgulhosa do fariseu: “Oh Deus!, te dou graças, porque não sou como os demais: ladrões, injustos, adúlteros; nem como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Se o fariseu tivesse sido como Jó, teria se limitado às palavras finais: “Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Porém o fariseu também tinha, e cita em sua oração, ódio e desprezo aos outros, aos que considera globalmente pecadores: “ladrões, injustos, adúlteros”. Só ele é bom, e considera que Deus está inclinado para ele, pois ele considera que deus lhe é devedor, como se Deus precisa de suas virtudes para ser Deus.
Muitas vezes nos deparamos com pessoas assim, que se consideram mais merecedoras de Deus mais que “os outros, os pecadores”, sua oração não é voltada para si, mas para comparar-se com os outros e, na sua avaliação, considerar-se melhor que as outras pessoas; muitas vezes ela não elabora esta oração, mas ela sente isso e, se comporta como se fosse mais e melhor que as outras pessoas, diante de Deus e dos homens; podemos perceber isto até no seu comportamento na igreja, diante do/da líder religioso e, sobretudo, diante dos pecadores e pecadoras... Como sua fé é pouca e superficial, ela pensa que agrada a Deus com o exterior, mas se esquece “que Deus vê e julga o interior” (Lc 16,15; 2Co 5,12; Prov 21,2; 24,12; 1Cr 28,9; Is 29,13; Jr 11,20; ‘7,10; ) e “que Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34), mas “ama a justiça e o direito” (Sl 33,5; Gn 18,19; Lv 19,15; Dt 16,19; Jó 8,3; 27,6; Sl 8,9; 10,18; 15,2; 23,3; 48,10; 50,6; 82,3; 89,14; 119,142; 132,9; 146,7; Pv 11,6; 11,18; 31,9; Is 11,4; 46,13; Jr 22,3;23,5; 33,16; Ez 34,16; Dn 9,7; Mq 6,8; Sf 2,3; Mt 5,20; Lc 11,42; Jo 7,24; Rm 3,5; 2Cor 9,9; Ef 5,9; 6,14; Fp 1,11; 1Tm 6,11; Hb 1,9; Tg 1,20; 1Pe 2,24; 3,14; 1Jo 2,29; Ap 22,11; etc. ) e é um “Deus de justiça” (Is 30,18).
No extremo oposto se encontra a atitude do publicano. Diferente de Jó, não relembra suas boas ações, posto que algumas teria feito em sua vida. Tampouco enumera as más ações que não cometeu, como se dissesse à Deus: “sou racista mas ao sou homossexual” ou como comumente se ouve “mas eu nunca roubei nem matei”, como se o fato de “não roubar” e “não matar” bastasse para se justificar diante de Deus. Mas ao contrário, prescindindo dos fatos concretos se fixa em sua atitude profunda e reconhece humildemente, enquanto bate no peito: “Oh Deus!, tem compaixão deste pecador” (Ou, segundo outra versão: “Senhor, tem piedade de mim que sou pecador”).
Um dos maiores erros dos religiosos é tabelar os pecados e as virtudes, como se uns fossem “grandes pecados” e outros “pecadinhos”, a Bíblia discorda disso quando afirma que “todo homem é pecador” (Rm 3,9; 3,23; 5,12; 1Cor 15,3; Gl 2,17) e “todos precisam da misericórdia de Deus” (Rm 3,23). Os religiosos homofóbicos e racistas, nunca pensam que sua homofobia ou racismo é pecado, pois eles têm uma tabela de virtudes sempre pronta para apresentar a Deus e aos homens. Não se dão conta, coitados, que esta “tabela” é ilusão e falsidade, não passa de vaidade... Quantas pessoas que enchem sua vida de igreja porque seu coração e mente estão vazios de Deus?
No Antigo Testamento há dois casos famosos de confissão da própria culpa: Davi e Ajab. Davi reconhece seu pecado depois do adultério com Betsabé e de ordenar a morte de seu esposo, Urias (2Sm 11-12; Sl 50). Ajab reconhece seu pecado depois do assassinato de Nabot (1Rs 21). Porém em ambos os casos se trata de pecados muito concretos, e também em ambos os casos é preciso que intervenha um profeta (Natã (2Sm 12,1-23) ou Elias) para que o rei advirta a maldade de suas ações. O publicano da parábola mostra uma humildade muito maior. Não diz: “Fiz algo mau”, não necessita que um profeta lhe abra os olhos; ele mesmo se reconhece pecador e necessitado da misericórdia divina.
É por isso que afirmo que Deus é um juiz parcial e injusto, pois ao final da parábola, Deus emite uma sentença desconcertante: o piedoso fariseu é condenado, enquanto que o pecador é declarado inocente: “Lhes digo que este foi para sua casa justificado, e aquele não”. Devemos dizer, contrariando o catecismo, que “Deus premia aos maus e castiga aos bons”? Ou, quem sabe, devemos mudar nossos conceitos de bons e maus, e nossa imagem de Deus?
Em outra passagem Jesus diz que “no dia do Juízo, Sodoma será tratada com mais misericórdia” (Mt 10,15; 11,24; Lc 10,12; 17,29) do que a cidade dos religiosos hipócritas e também diz que “as prostitutas entrarão na frente (dos religiosos hipócritas) no reino dos Céus” (Mt 21,31). Desconfortável isto, não? Pois é, este é o nosso Deus, e não gostamos disso, é por isso que muita gente prefere conceber e construir um deus a sua imagem e semelhança, mas é ilusão, não há outro Deus, só há esse, parcial em favor do pobre, do fraco e do excluído, não há outro.
Deus é um Juiz parcial a favor do pobre. Esta é a imagem clara que vemos na Bíblia, por exemplo, na que nos oferece o livro do Eclesiástico (35,15b-17.20-22a). O mais curioso deste texto é que não o escreve um profeta, amante das denuncias sociais e das críticas aos ricos e poderosos, mas sim um judeu culto, pertencente à classe acomodada do século II a.C.: Jesus ben Sirac. E a imagem que oferece de Deus dista muito da que tinham a maioria dos israelitas, inclusive os sacerdotes e os letrados (“doutores”) da Lei. Não é um Deus imparcial, que julga às pessoas por suas obras; é um Deus parcial, que julga às pessoas por sua situação social. Por isso se põe do lado dos pobres, dos oprimidos, dos órfãos e das viúvas; os seres mais débeis e excluídos da sociedade. Começa o autor dizendo: “O Senhor é um Deus justo, que não pode ser parcial”. Porém acrescenta de imediato, com um toque de ironia: “não é parcial contra o pobre”.
Portanto, Deus, um juiz parcial a favor do humilde, pois o evangelho de Lucas nos oferece o mesmo contraste mediante um exemplo distinto, para melhor entender a parábola convém aprofundar na atitude do fariseu.
Na Bíblia encontramos, às vezes, confissões de inocência, como a que nos dá o Salmo 26(25),4-5: “Não me sento com gente falsa, com os mentirosos não vou; detesto a companhia de malfeitores, com os malvados não me sento”, mas existe também a versão positiva, onde a pessoa enumera as coisas boas que fez. Encontramos um esplêndido exemplo no livro de Jó, quando o protagonista proclama (Jó 29,12-17): “Eu livrava o pobre que pedia socorro e o órfão indefeso, recebia a bênção do andarilho e alegrava o coração da viúva pobre; de justiça me vestia e revestia, o direito era meu manto e meu turbante. Eu era olhos para o cego, era pés para o coxo, eu era o pai dos pobres e examinava a causa do desconhecido. Rompia as mandíbulas do iníquo para arrancar-lhe a presa dos dentes”.
E encontramos, também, como é o relato do Evangelho deste domingo, a oração orgulhosa do fariseu: “Oh Deus!, te dou graças, porque não sou como os demais: ladrões, injustos, adúlteros; nem como esse publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Se o fariseu tivesse sido como Jó, teria se limitado às palavras finais: “Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de tudo o que tenho”. Porém o fariseu também tinha, e cita em sua oração, ódio e desprezo aos outros, aos que considera globalmente pecadores: “ladrões, injustos, adúlteros”. Só ele é bom, e considera que Deus está inclinado para ele, pois ele considera que deus lhe é devedor, como se Deus precisa de suas virtudes para ser Deus.
Muitas vezes nos deparamos com pessoas assim, que se consideram mais merecedoras de Deus mais que “os outros, os pecadores”, sua oração não é voltada para si, mas para comparar-se com os outros e, na sua avaliação, considerar-se melhor que as outras pessoas; muitas vezes ela não elabora esta oração, mas ela sente isso e, se comporta como se fosse mais e melhor que as outras pessoas, diante de Deus e dos homens; podemos perceber isto até no seu comportamento na igreja, diante do/da líder religioso e, sobretudo, diante dos pecadores e pecadoras... Como sua fé é pouca e superficial, ela pensa que agrada a Deus com o exterior, mas se esquece “que Deus vê e julga o interior” (Lc 16,15; 2Co 5,12; Prov 21,2; 24,12; 1Cr 28,9; Is 29,13; Jr 11,20; ‘7,10; ) e “que Deus não faz acepção de pessoas” (At 10,34), mas “ama a justiça e o direito” (Sl 33,5; Gn 18,19; Lv 19,15; Dt 16,19; Jó 8,3; 27,6; Sl 8,9; 10,18; 15,2; 23,3; 48,10; 50,6; 82,3; 89,14; 119,142; 132,9; 146,7; Pv 11,6; 11,18; 31,9; Is 11,4; 46,13; Jr 22,3;23,5; 33,16; Ez 34,16; Dn 9,7; Mq 6,8; Sf 2,3; Mt 5,20; Lc 11,42; Jo 7,24; Rm 3,5; 2Cor 9,9; Ef 5,9; 6,14; Fp 1,11; 1Tm 6,11; Hb 1,9; Tg 1,20; 1Pe 2,24; 3,14; 1Jo 2,29; Ap 22,11; etc. ) e é um “Deus de justiça” (Is 30,18).
No extremo oposto se encontra a atitude do publicano. Diferente de Jó, não relembra suas boas ações, posto que algumas teria feito em sua vida. Tampouco enumera as más ações que não cometeu, como se dissesse à Deus: “sou racista mas ao sou homossexual” ou como comumente se ouve “mas eu nunca roubei nem matei”, como se o fato de “não roubar” e “não matar” bastasse para se justificar diante de Deus. Mas ao contrário, prescindindo dos fatos concretos se fixa em sua atitude profunda e reconhece humildemente, enquanto bate no peito: “Oh Deus!, tem compaixão deste pecador” (Ou, segundo outra versão: “Senhor, tem piedade de mim que sou pecador”).
Um dos maiores erros dos religiosos é tabelar os pecados e as virtudes, como se uns fossem “grandes pecados” e outros “pecadinhos”, a Bíblia discorda disso quando afirma que “todo homem é pecador” (Rm 3,9; 3,23; 5,12; 1Cor 15,3; Gl 2,17) e “todos precisam da misericórdia de Deus” (Rm 3,23). Os religiosos homofóbicos e racistas, nunca pensam que sua homofobia ou racismo é pecado, pois eles têm uma tabela de virtudes sempre pronta para apresentar a Deus e aos homens. Não se dão conta, coitados, que esta “tabela” é ilusão e falsidade, não passa de vaidade... Quantas pessoas que enchem sua vida de igreja porque seu coração e mente estão vazios de Deus?
No Antigo Testamento há dois casos famosos de confissão da própria culpa: Davi e Ajab. Davi reconhece seu pecado depois do adultério com Betsabé e de ordenar a morte de seu esposo, Urias (2Sm 11-12; Sl 50). Ajab reconhece seu pecado depois do assassinato de Nabot (1Rs 21). Porém em ambos os casos se trata de pecados muito concretos, e também em ambos os casos é preciso que intervenha um profeta (Natã (2Sm 12,1-23) ou Elias) para que o rei advirta a maldade de suas ações. O publicano da parábola mostra uma humildade muito maior. Não diz: “Fiz algo mau”, não necessita que um profeta lhe abra os olhos; ele mesmo se reconhece pecador e necessitado da misericórdia divina.
É por isso que afirmo que Deus é um juiz parcial e injusto, pois ao final da parábola, Deus emite uma sentença desconcertante: o piedoso fariseu é condenado, enquanto que o pecador é declarado inocente: “Lhes digo que este foi para sua casa justificado, e aquele não”. Devemos dizer, contrariando o catecismo, que “Deus premia aos maus e castiga aos bons”? Ou, quem sabe, devemos mudar nossos conceitos de bons e maus, e nossa imagem de Deus?
Em outra passagem Jesus diz que “no dia do Juízo, Sodoma será tratada com mais misericórdia” (Mt 10,15; 11,24; Lc 10,12; 17,29) do que a cidade dos religiosos hipócritas e também diz que “as prostitutas entrarão na frente (dos religiosos hipócritas) no reino dos Céus” (Mt 21,31). Desconfortável isto, não? Pois é, este é o nosso Deus, e não gostamos disso, é por isso que muita gente prefere conceber e construir um deus a sua imagem e semelhança, mas é ilusão, não há outro Deus, só há esse, parcial em favor do pobre, do fraco e do excluído, não há outro.
Dom Abade Antonio
Mosteiro Domus Mariae
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