O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ataca novamente. Ele defendeu, nesta segunda (31),
em entrevista à Voz do Brasil, a imposição de um limite para o
crescimento do gastos públicos – o que deve afetar áreas como educação e
saúde a partir de 2018 e pelos próximos 20 anos. Veja o que ele disse:
''Só
seria necessário [aumento de impostos] se as DESPESAS continuassem a
crescer DESCONTROLADAMENTE. No momento em que o governo CORTA NA CARNE,
elimina a necessidade de AUMENTAR IMPOSTOS''.
Não, ele não gritou. Fui eu quem coloquei as palavras em caixa alta (em maiúsculas).
A
linguagem é um troço engraçado, né? As palavras que escolhemos usar ou
deixar de usar, consciente ou inconscientemente, explicam o lugar em que
estamos na sociedade.
Por exemplo, peguemos os termos que
destaquei na fala do ministro. Elas são pertinentes do ponto de vista do
governo de Michel Temer e de uma parcela dos empresários e da sociedade
civil que acreditam que o povão deve pagar a conta da crise econômica
sozinho.
Agora, vamos trocar o ponto de vista:
''Só seria
necessário [aumento de impostos] se OS INVESTIMENTOS EM EDUCAÇÃO E SAÚDE
continuassem a crescer PARA REDUZIR NOSSA PROFUNDA DESIGUALDADE SOCIAL.
No momento em que o governo CORTA NA CARNE APENAS DOS MAIS POBRES,
elimina a necessidade de AUMENTAR IMPOSTOS DOS MAIS RICOS''.
Daí
você escolhe em quem acreditar. Mas, quando seus filhos e netos
estiverem pagando para usar a escola e o hospital públicos, não venha
com mimimi.
O país vive uma grave crise econômica, social e
política que começou no governo de Dilma Rousseff. Mas não é arrancando
apenas de quem mais depende do Estado que o problema será resolvido. Ao
contrário do que Meirelles disse na entrevista, a Proposta de
Emenda Constitucional 55/2016 (esse é o número no Senado Federal; ela já
foi aprovada na Câmara dos Deputados sob o número 241/2016) vai
impactar sim as áreas da educação e da saúde – das quais dependem as
classes mais humildes.
O ministro falou na TV que o país gasta
mais do que arrecada, o que é verdade. Mas não discutiu o porquê. Nem
quais devem ser as prioridades do Estado e o que deve ser cortado.
O
aumento da destinação de recursos em gastos públicos, como educação e
saúde, tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas – em parte
para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e,
consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o
reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos um
reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria,
permanecendo tudo como estava.
Se a qualidade do serviço público
segue, mesmo assim, insuficiente para a garantia da dignidade da
população, imagine quando novos investimentos para além da inflação
forem cortados.
Educação e saúde, até hoje, eram atreladas a uma
porcentagem do orçamento (o montante da saúde, em nível federal, cresce
baseado na variação do PIB, e o da educação, deve ser de, pelo menos,
18% da receita). Como o governo está propondo um teto para a evolução
das despesas públicas baseado na variação da inflação (ou seja, sem
crescimento real), precisará restringir, a partir de 2018, o que é gasto
nessas áreas pois não poderá cortar de outros lados protegidos, como o
salário e verba de custeio de deputados federais, senadores, ministros e
presidente.
Ninguém nega que o déficit público precisa ser
equacionado e que soluções amargas devem ser propostas e discutidas. E
todos terão que dar sua contribuição. Mas Michel Temer e Henrique
Meirelles demonstram um carinho grande com o andar de cima ao propor uma
medida que limitará gastos que mexem diretamente com a qualidade de
vida dos mais pobres e evitam aplicar remédios amargos entre os mais
ricos.
Por exemplo, como venho sempre defendendo aqui, a volta da
taxação de dividendos recebidos de empresas e uma alteração decente na
tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de
quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média). Isso sem
falar na regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e um
aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo
norte-americano ou europeu).
Enquanto isso, uma reforma tributária que leve à justiça social sumiu. Ninguém sabe, ninguém viu.
Sobre o autor
Leonardo Sakamoto
É
jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.
Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos
direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi
pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova
York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É
diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas
para Formas Contemporâneas de Escravidão.
Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/10/31/os-pobres-pagarao-a-conta-da-crise-deveria-dizer-o-ministro-da-fazenda/
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