segunda-feira, 24 de outubro de 2016

HOMENAGEM A DOM PAULO EVARISTO ARN’S, TORNA-SE UM ATO DE RESISTÊNCIA A TEMER

A comemoração dos 95 anos do arcebispo emérito de São Paulo, fundamental na luta contra a ditadura, foi marcada por duras críticas ao atual governo .

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Decisiva na luta contra a ditadura, a atuação de dom Paulo Evaristo Arns à frente da Arquidiocese de São Paulo foi rememorada nesta segunda-feira 24 como uma inspiração para a resistência aos retrocessos em curso no País. Embalados pelo público que bradava "Fora, Temer" a cada oportunidade, João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o jornalista Juca Kfouri, o jurista Fábio Konder Comparato e outros nomes ilustres se reuniram no Teatro da Universidade Católica (Tuca), na PUC-SP, para homenagear os 95 anos do arcebispo emérito de São Paulo.
Ao lembrarem a enorme contribuição do franciscano em seus anos à frente da Arquidiocese, quando denunciou as prisões arbitrárias e as sessões de tortura comandadas pela ditadura e tornou-se um incansável defensor da justiça social, os convidados usaram o espaço para criticar as medidas impopulares defendidas pelo governo de Michel Temer.

Dom Paulo 
Embora com dificuldades para falar, dom Paulo fez questão de usar o boné do MST entregue por militantes

Com dificuldades de se expressar por conta da idade avançada, dom Paulo lembrou de Santo Dias, ativista sindical assassinado no fim da ditadura, e fez questão de usar o boné do MST entregue pelos militantes presentes ao Tuca.
Um de seus principais aliados no período como arcebispo da capital paulista, o bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino afirmou que a resistência de dom Paulo à ditadura é uma inspiração para o atual momento.
"Ele é descendente de alemão, mas o rosto dele é da periferia de São Paulo. Quando imagino dom Paulo, eu o imagino com o cheiro do povo, misturado com os bispos, padres, religiosos, leigos e leigas, anunciando a urgência de resistirmos contra toda a mentira. Naquele tempo, a luta era contra a ditadura civil-militar, mas a resistência a que ele nos convida deve ser permanente no Brasil atual também."
Dom Angélico leu ainda a nota recente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que se posicionou contra o congelamento de gastos públicos e as reformas trabalhista, da Previdência e do Ensino Médio. "Não é justo que os mais pobres paguem essa conta", reforçou. "Que essa declaração da CNBB seja uma bandeira da nossa luta." Dom Paulo aplaudiu de forma efusiva e recebeu um beijo na testa do bispo. 

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Ao lembrar um dos lemas de dom Paulo, "Deus só ajuda a quem se organiza", Stédile agradeceu o arcebispo emérito por ajudar a acabar com a ditadura e salvar Leonardo Boff da Inquisição, mas fez um pedido. "Use sua autoridade de quem está sempre próximo com aquele lá de cima para acabar com o Estado de exceção neste País. " 
Comparato lembrou a omissão dos clérigos nativos durante os quase quatro séculos de escravidão e afirmou que "dom Paulo converteu a Igreja no Brasil" quando defendeu os mais pobres durante seu arcebispado. "Não é a religião que vai unir a humanidade, mas o amor ao próximo", sintetizou o jurista. 
Já Kfouri abriu sua fala com "primeiramente, Fora, Temer", para aplausos gerais, e lembrou da admiração do arcebispo emérito pelo Corinthians. O ex-jogador do clube Wladimir, um dos integrantes da Democracia Corinthiana, também participou da homenagem. 
A celebração marcou ainda o pré-lançamento da biografia Dom Paulo: Um homem amado e perseguido, de Evanize Sydow e Marilda Ferri. No evento, as autoras apresentaram em uma brochura o oitavo capítulo da obra, que reconstrói a mobilização de dom Paulo em resposta à morte do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pela ditadura.
O trecho do livro tem início com o telefonema em 1975 de Mino Carta, diretor de Redação de CartaCapital, a dom Paulo para informar o arcebispo de que vários jornalistas, entre eles Herzog, haviam sido presos. 
Trajetória como arcebispo
Dom Paulo tornou-se arcebispo de São Paulo em um momento crucial. Em 1969, um grupo de dominicanos foi preso pelo delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social, sob acusação de manter laços com a Ação Libertadora Nacional, organização de luta armada comandada por Carlos Marighella.
Uma das lideranças dominicanas, Frei Tito foi brutalmente torturado. À época, dom Agnelo Rossi, então arcebispo paulista, preferiu não interceder em favor dos presos. A repercussão dos relatos de Tito publicados na Europa levou o então papa Paulo VI a substituir Rossi por dom Paulo no comando da Arquidiocese.
Pouco após assumir o cargo, dom Paulo não se omitiu ao tomar conhecimento da prisão do padre Giulio Vicini e da assistente social leiga Yara Spaldini pelo Departamento de Ordem Política e Social em 1971. O sacerdote foi pessoalmente ao Deops e testemunhou as agressões físicas sofridas por seus colaboradores.
No ano seguinte, por iniciativa de dom Paulo, a Assembleia da CNBB publicou o Documento de Brodósqui, um relatório que denunciava as prisões arbitrárias, a tortura e o desaparecimento de perseguidos políticos após a aprovação do Ato Institucional nº 5.
A partir de 1973, o arcebispo passou a celebrar missas com forte conteúdo político. O assassinato pelos militares do líder estudantil Alexandre Vannucchi Leme, da ALN, foi respondido com uma missa-protesto na Catedral da Sé para contestar a versão oficial apresentada pela ditadura para sua morte, segundo a qual o estudante teria sido vítima de um atropelamento.
Em 1975, o arcebispo organizou um ato inter-religioso em homenagem a Valdimir Herzog, torturado e assassinado pelos militares. A cerimônia serviu também para manifestar repúdio à versão de que o jornalista teria cometido suicídio.
Além da resistência aos militares, Dom Paulo foi fundamental para a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de integrantes da Igreja quanto de leigos. 

Disponível em:   http://www.cartacapital.com.br/politica/na-homenagem-a-d-paulo-arns-uma-denuncia-do-estado-de-excecao

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