A comemoração dos 95 anos do arcebispo emérito de São Paulo, fundamental
na luta contra a ditadura, foi marcada por duras críticas ao atual
governo
.
Decisiva na luta contra a ditadura, a atuação de dom Paulo Evaristo Arns à
frente da Arquidiocese de São Paulo foi rememorada nesta segunda-feira
24 como uma inspiração para a resistência aos retrocessos em curso no
País. Embalados pelo público que bradava "Fora, Temer" a cada
oportunidade, João Pedro Stédile, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o jornalista Juca Kfouri, o jurista Fábio Konder Comparato
e outros nomes ilustres se reuniram no Teatro da Universidade Católica
(Tuca), na PUC-SP, para homenagear os 95 anos do arcebispo emérito de
São Paulo.
Ao lembrarem a enorme contribuição do franciscano em seus anos à
frente da Arquidiocese, quando denunciou as prisões arbitrárias e as
sessões de tortura comandadas pela ditadura e
tornou-se um incansável defensor da justiça social, os convidados
usaram o espaço para criticar as medidas impopulares defendidas pelo
governo de Michel Temer.
Embora com dificuldades para falar, dom Paulo fez questão de usar o boné do MST entregue por militantes
Com dificuldades de se expressar por conta da idade avançada, dom
Paulo lembrou de Santo Dias, ativista sindical assassinado no fim da
ditadura, e fez questão de usar o boné do MST entregue pelos militantes presentes ao Tuca.
Um de seus principais aliados no período como arcebispo da capital
paulista, o bispo Dom Angélico Sândalo Bernardino afirmou que a
resistência de dom Paulo à ditadura é uma inspiração para o atual
momento.
"Ele é descendente de alemão, mas o rosto dele é da periferia de São
Paulo. Quando imagino dom Paulo, eu o imagino com o cheiro do povo,
misturado com os bispos, padres, religiosos, leigos e leigas, anunciando
a urgência de resistirmos contra toda a mentira. Naquele tempo, a luta
era contra a ditadura civil-militar, mas a resistência a que ele nos
convida deve ser permanente no Brasil atual também."
Dom Angélico leu ainda a nota recente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
que se posicionou contra o congelamento de gastos públicos e as
reformas trabalhista, da Previdência e do Ensino Médio. "Não é justo que
os mais pobres paguem essa conta", reforçou. "Que essa declaração da
CNBB seja uma bandeira da nossa luta." Dom Paulo aplaudiu de forma
efusiva e recebeu um beijo na testa do bispo.
Ao lembrar um dos lemas de dom Paulo, "Deus só ajuda a quem se
organiza", Stédile agradeceu o arcebispo emérito por ajudar a acabar com
a ditadura e salvar Leonardo Boff
da Inquisição, mas fez um pedido. "Use sua autoridade de quem está
sempre próximo com aquele lá de cima para acabar com o Estado de exceção
neste País. "
Comparato lembrou a omissão dos clérigos nativos durante os quase
quatro séculos de escravidão e afirmou que "dom Paulo converteu a Igreja
no Brasil" quando defendeu os mais pobres durante seu arcebispado. "Não
é a religião que vai unir a humanidade, mas o amor ao próximo",
sintetizou o jurista.
Já Kfouri abriu sua fala com "primeiramente, Fora, Temer", para
aplausos gerais, e lembrou da admiração do arcebispo emérito pelo
Corinthians. O ex-jogador do clube Wladimir, um dos integrantes da
Democracia Corinthiana, também participou da homenagem.
A celebração marcou ainda o pré-lançamento da biografia Dom Paulo: Um homem amado e perseguido,
de Evanize Sydow e Marilda Ferri. No evento, as autoras apresentaram em
uma brochura o oitavo capítulo da obra, que reconstrói a mobilização de
dom Paulo em resposta à morte do jornalista Vladimir Herzog,
assassinado pela ditadura.
O trecho do livro tem início com o telefonema em 1975 de Mino Carta, diretor de Redação de CartaCapital, a dom Paulo para informar o arcebispo de que vários jornalistas, entre eles Herzog, haviam sido presos.
Trajetória como arcebispo
Dom Paulo tornou-se arcebispo de São
Paulo em um momento crucial. Em 1969, um grupo de dominicanos foi preso
pelo delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social,
sob acusação de manter laços com a Ação Libertadora Nacional,
organização de luta armada comandada por Carlos Marighella.
Uma das lideranças dominicanas, Frei Tito
foi brutalmente torturado. À época, dom Agnelo Rossi, então arcebispo
paulista, preferiu não interceder em favor dos presos. A repercussão dos
relatos de Tito publicados na Europa levou o então papa Paulo VI a
substituir Rossi por dom Paulo no comando da Arquidiocese.
Pouco após assumir o
cargo, dom Paulo não se omitiu ao tomar conhecimento da prisão do padre
Giulio Vicini e da assistente social leiga Yara Spaldini pelo
Departamento de Ordem Política e Social em 1971. O sacerdote foi
pessoalmente ao Deops e testemunhou as agressões físicas sofridas por
seus colaboradores.
No ano seguinte, por iniciativa de
dom Paulo, a Assembleia da CNBB publicou o Documento de Brodósqui, um
relatório que denunciava as prisões arbitrárias, a tortura e o
desaparecimento de perseguidos políticos após a aprovação do Ato
Institucional nº 5.
A partir de 1973, o arcebispo passou a celebrar missas com forte
conteúdo político. O assassinato pelos militares do líder estudantil
Alexandre Vannucchi Leme, da ALN, foi respondido com uma missa-protesto
na Catedral da Sé para contestar a versão oficial apresentada pela
ditadura para sua morte, segundo a qual o estudante teria sido vítima de
um atropelamento.
Em 1975, o arcebispo organizou um ato inter-religioso em homenagem a
Valdimir Herzog, torturado e assassinado pelos militares. A cerimônia
serviu também para manifestar repúdio à versão de que o jornalista teria
cometido suicídio.
Além da resistência aos militares, Dom Paulo foi fundamental para
a consolidação das Comunidades Eclesiais de Base, que buscavam
substituir a supremacia das paróquias na organização da vida religiosa
pela valorização de comunidades menores, com a presença tanto de
integrantes da Igreja quanto de leigos.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/na-homenagem-a-d-paulo-arns-uma-denuncia-do-estado-de-excecao
Nenhum comentário:
Postar um comentário