terça-feira, 25 de outubro de 2016

GOVERNO REGA BOFE DE DEPUTADOS POR VOTOS. E SE O POVÃO OFERECER UÍSQUE BOM?

Michel Temer e Rodrigo Maia. Foto: Marcelo Camargo/ABr 

Michel Temer e Rodrigo Maia. Foto: Marcelo Camargo/ABr

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), promoveu um coquetel, na noite desta segunda (24), a Michel Temer, seus ministros e mais de 200 deputados da base aliada do governo, a fim de pedir para que os parlamentares se empenhem na votação em segundo turno da PEC 241/2016 – que impõe um teto no crescimento dos gastos públicos. Antes da votação em primeiro turno, Michel recebeu outras centenas de parlamentares para um rega-bofe no Palácio do Alvorada. Conseguiu 366 votos – muito além dos 308 necessários. Agora, o governo repete a dose e deve vencer novamente.
Daí, eu me pergunto: será que não seria o caso da população que depende de educação e saúde públicas e, portanto, deve ser afetada por essas votações, fazer uma vaquinha para promover uma baladinha todo domingo à noite, em Brasília, para alegrar os parlamentares? A gente compra empadinhas, risoles, esfihas e, por que não, coxinhas para os deputados mais esfomeados e garante que todos possam beber uísque Black Lable até não poder mais.
Se o bucho amaciado e regado dos digníssimos for o custo para a manutenção dos direitos fundamentais previstos em nossa Carta Magna, acho que sair barato. Dá até para colocar comprimidos de Engov e balinhas de menta no banheiro.
O problema é que Michel Temer e seus ministros oferecem um cardápio muito mais variado do que os sanduíches de metro pensamos em encomendar na padaria aqui ao lado. Cardápio regado por indicações de cargos, emendas parlamentares e muito tomaladacá. Nada diferente do que era o fisiologismo dos governos do PT e do PSDB, mas ao que tudo indica, agora tudo segue mais descarado, sem pudor. Afinal de contas, antes negociava-se a compra de apoio do PMDB. Adora é o próprio PMDB que negocia a si mesmo.
A Proposta de Emenda Constitucional 241 vai limitar o crescimento dos gastos públicos ao reajuste da inflação pelos próximos 20 anos. O aumento dos investimentos em educação e saúde, por exemplo, tem ocorrido acima da inflação nas últimas décadas para responder às demandas sociais presentes na Constituição de 1988 e, consequentemente, tentar reduzir o imenso abismo social do país. Se o reajuste tivesse sido apenas pela inflação, anualmente teríamos apenas um reajuste de custos e o tamanho da oferta de serviços não cresceria, permanecendo tudo como estava.
Como o governo está propondo um teto para a evolução das despesas públicas baseado na variação da inflação (ou seja, sem crescimento real), precisará restringir, a partir de 2018, o que é gasto nessas áreas pois não poderá cortar de outros lados protegidos, como o salário de deputados federais, senadores, juízes, desembargadores, ministros e presidente.
O Brasil está em crise e um controle orçamentário se faz necessário. Mas é triste que apenas os mais pobres estejam pagando a conta. A volta da taxação de dividendos recebidos de empresas, uma alteração decente na tabela do Imposto de Renda (criando novas alíquotas para cobrar mais de quem ganha mais e isentando a maior parte da classe média), a regulamentação de um imposto sobre grandes fortunas e o aumento na taxação de grandes heranças (seguindo o modelo norte-americano ou europeu) foram deixados de lado. Afinal de contas, dinheiro bom é dinheiro que iria para pobre, não para rico.
Ainda serão necessários dois jantares com senadores para a PEC ser aprovada. Mas você pode ir se preparando: quanto mais coquetéis eles fizerem, mais você sentirá a ressaca no dia seguinte.

Sobre o autor

Sakamoto 
 
Leonardo Sakamoto
 
É jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cobriu conflitos armados em diversos países e o desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Professor de Jornalismo na PUC-SP, foi pesquisador visitante do Departamento de Política da New School, em Nova York (2015-2016), e professor de Jornalismo na ECA-USP (2000-2002). É diretor da ONG Repórter Brasil e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão.


Disponível em:  http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2016/10/25/governo-rega-bofe-de-deputados-por-votos-e-se-o-povao-oferecer-uisque-bom/
 

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