Por trás do suposto déficit há uma falácia, que penaliza os contribuintes diretos e indiretos do regime de seguridade social.
Beneficiários: déficit da Previdência Social é uma criação orçamentária
Na narrativa dos meios de comunicação, e particularmente de seus comentaristas/especialistas, a reforma da Previdência é apresentada hoje como um “mal necessário”. Uma medida que resolveria a crise econômica brasileira, lado a lado com a PEC 241
– que pretende limitar os gastos públicos nos próximos 20 anos e, na
prática, retirará verbas da educação e da saúde para privilegiar o
pagamento da dívida pública.
No artigo abaixo, escrito por Rivânia Moura, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), percebemos que, longe de ser a única saída, a reforma da Previdência é uma narrativa ideológica e que tem um fim bastante específico: direcionar recursos para o mercado de capitais.
A coluna agradece à profa. Dra. Rivânia Moura por ter aceitado o convite de compartilhar seus conhecimentos sobre o tema, que é seu objeto de pesquisa.
A Previdência Social é fruto de uma intensa luta dos trabalhadores. Ela representa uma perspectiva de solidariedade intergeracional e de capacidade para o trabalho, já que aqueles/as inseridos no mercado contribuem diretamente para a proteção social dos que perderam temporária ou permanentemente a sua capacidade laborativa.
Conta também com a solidariedade do Estado no que diz respeito à contribuição e à garantia das aposentadorias e benefícios previdenciários.
Para além da materialização do direito à sobrevivência dos trabalhadores, porém, a Previdência torna-se uma grande fonte de arrecadação administrada pelo Estado e, nesse sentido, os seus recursos se constituem como objeto de disputa também pelos capitais.
Esse cálculo leva em consideração somente como receitas as contribuições dos trabalhadores, do empregador e os recursos próprios da previdência; e como despesas as aposentadorias e benefícios pagos aos segurados. Com base nesses cálculos o governo apresenta um déficit previdenciário em 2015 de 85,816 bilhões de reais.
A necessidade de impor novas regras para as aposentadorias e reestruturar a política pública de previdência fez/faz parte do pacote de medidas exigidas pelo grande capital para transformar o País na “plataforma de valorização financeira” (PAULANI, 2010).
Abrir a Previdência ao mercado de capitais tornou-se garantia de que o País estava preparado para expandir e diversificar esse mercado e, ademais, estava disposto a manter os compromissos de superávit primário e pagamento dos encargos da dívida pública.
O discurso do déficit da Previdência operou em conjunto com as ideias que defendiam a necessidade de redução do Estado e de crise econômica provocada pelo excesso de gastos do poder público. A propagada inevitabilidade de redução do tamanho do Estado é, na verdade, a forma encontrada para alargar o fundo público ao capital, para dotar o Estado da legitimidade em transferir recursos para a acumulação capitalista e, deste modo, torná-lo mecanismo imprescindível à busca desenfreada do capital para elevar a taxa de lucro.
Não significa de fato uma redução do Estado e sim um direcionamento dos recursos e destinos do fundo público.
O processo em curso de tornar a Previdência Social cada vez mais reduzida aos trabalhadores com baixos salários fortalece, em contrapartida, o avanço do capital sobre as receitas advindas desta política.
Os recursos da previdência no cenário brasileiro após os anos 1990 vêm cumprindo o papel de diversificar o mercado de capitais. Primeiramente, o mecanismo da Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite que parte das receitas da seguridade social – 20% até 2016 e 30% de 2016 a 2023 – seja utilizada para pagar juros da dívida pública.
Em segundo lugar, foram criados mecanismos capazes de canalizar o dinheiro das aposentadorias e pensões para o domínio do capital que porta juros: os fundos de pensão e o crédito consignado cumprem essa função ao possibilitar que uma parcela considerável desse dinheiro fique sobre o domínio dos bancos e instituições financeiras com a potencialidade de ser transformado em capital.
Uma questão importante para pensar o equilíbrio do sistema previdenciário diz respeito ao tratamento dado às receitas advindas da contribuição das empresas. As renúncias fiscais, em 2015, foram responsáveis por 40,124 bilhões de reais que deixaram de ser arrecadados pela Previdência Social, o que em parte já resolveria metade do suposto déficit.
A desoneração da folha de pagamento em que as empresas deixam de contribuir com 20% sobre o montante dos salários e passam a contribuir com base na receita bruta também foi um mecanismo que favoreceu as empresas, à medida que diminuiu o montante da contribuição dos empregadores para a Previdência Social. De acordo com a projeção da Receita Federal, em 2015 a desoneração da folha estava em torno de 25 bilhões de reais.
A justificativa falaciosa do déficit penaliza os trabalhadores que contribuem direta e indiretamente para a Previdência Social e atende aos anseios do capital de liberar mais recursos do fundo previdenciário para o mercado de capitais.
Com essa clareza não podemos aceitar o argumento do déficit e da insustentabilidade da Previdência; não podemos pagar pela crise; não podemos abrir mão da nossa condição de sobrevivência. A Previdência envolve direta ou indiretamente todos os trabalhadores e por isso a sua defesa tem de ser ampla e unificada.
No artigo abaixo, escrito por Rivânia Moura, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), percebemos que, longe de ser a única saída, a reforma da Previdência é uma narrativa ideológica e que tem um fim bastante específico: direcionar recursos para o mercado de capitais.
A coluna agradece à profa. Dra. Rivânia Moura por ter aceitado o convite de compartilhar seus conhecimentos sobre o tema, que é seu objeto de pesquisa.
A Previdência Social é sustentável, o que está em disputa são os seus recursos
Por Rivânia Moura
A Previdência Social é fruto de uma intensa luta dos trabalhadores. Ela representa uma perspectiva de solidariedade intergeracional e de capacidade para o trabalho, já que aqueles/as inseridos no mercado contribuem diretamente para a proteção social dos que perderam temporária ou permanentemente a sua capacidade laborativa.
Conta também com a solidariedade do Estado no que diz respeito à contribuição e à garantia das aposentadorias e benefícios previdenciários.
Para além da materialização do direito à sobrevivência dos trabalhadores, porém, a Previdência torna-se uma grande fonte de arrecadação administrada pelo Estado e, nesse sentido, os seus recursos se constituem como objeto de disputa também pelos capitais.
O discurso recorrente da necessidade de
contenção dos gastos previdenciários começa a ser deflagrado a partir da
década de 1940, mas ganha mais força na década de 1980, mediante os
altos índices de desemprego, inflação e crise econômica.
Os argumentos de comprovação do déficit
previdenciário então estavam circunscritos em envelhecimento
populacional; descompasso entre arrecadação e despesas, entre
trabalhadores ativos e inativos, principalmente, devido ao desemprego;
aumento da expectativa de vida. Sobressai desse contexto o discurso da
inviabilidade de manter a política previdenciária nos mesmos moldes e a
necessidade de operar uma "reforma".
A análise feita pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), porém, confirma que o déficit é artificial, é manipulado, e que o sistema é superavitário. O cálculo apresentado pelo governo mostra gastos maiores do que os recursos arrecadados pelo sistema previdenciário.Esse cálculo leva em consideração somente como receitas as contribuições dos trabalhadores, do empregador e os recursos próprios da previdência; e como despesas as aposentadorias e benefícios pagos aos segurados. Com base nesses cálculos o governo apresenta um déficit previdenciário em 2015 de 85,816 bilhões de reais.
Existe, contudo, uma receita não contabilizada pelo
governo que se constitui de impostos destinados ao fundo da seguridade
social, quais sejam, Contribuição Social sobre o Lucro Liquido (CSLL),
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins),
concursos de prognósticos, dentre outros. Ao acrescentar nas receitas
todas as arrecadações fica comprovado que a Previdência é superavitária.
Pelas contas da ANFIP o superávit da seguridade social em 2015 foi de 23,948 bilhões de reais.
As contribuições não computadas pelo governo fazem
parte das arrecadações da seguridade social e, portanto, da Previdência
Social e foram inseridas a partir da Constituição de 1988 como uma das
alternativas para manter a estabilidade do sistema previdenciário.
Assim, os argumentos reunidos para justificar a
necessidade da “reforma” não são justificáveis pelo orçamento. Ao
contrário, são elaborados no intuito de direcionar os recursos da
Previdência para o mercado de capitais.
Isso porque, no Brasil, a Previdência Social se configura como um modelo de repartição
no que se refere à arrecadação, pois tem como principal fonte de
custeio a contribuição direta dos trabalhadores; e, como um modelo de capitalização das suas reservas orçamentárias – superávit – por permitir ao Estado destinar os recursos da previdência para a acumulação capitalista.
Deste modo, o descompasso entre receitas e
despesas não se deve por um desequilíbrio próprio da previdência social,
mas decorre principalmente da destinação de seus recursos.
O modelo de acumulação pautado no protagonismo do capital
portador de juros impõe ajustes estruturais que, em geral, têm sido
implementados no sentido de exigir cortes no orçamento do Estado para
com os direitos dos trabalhadores. A necessidade de impor novas regras para as aposentadorias e reestruturar a política pública de previdência fez/faz parte do pacote de medidas exigidas pelo grande capital para transformar o País na “plataforma de valorização financeira” (PAULANI, 2010).
Abrir a Previdência ao mercado de capitais tornou-se garantia de que o País estava preparado para expandir e diversificar esse mercado e, ademais, estava disposto a manter os compromissos de superávit primário e pagamento dos encargos da dívida pública.
O discurso do déficit da Previdência operou em conjunto com as ideias que defendiam a necessidade de redução do Estado e de crise econômica provocada pelo excesso de gastos do poder público. A propagada inevitabilidade de redução do tamanho do Estado é, na verdade, a forma encontrada para alargar o fundo público ao capital, para dotar o Estado da legitimidade em transferir recursos para a acumulação capitalista e, deste modo, torná-lo mecanismo imprescindível à busca desenfreada do capital para elevar a taxa de lucro.
Não significa de fato uma redução do Estado e sim um direcionamento dos recursos e destinos do fundo público.
O processo em curso de tornar a Previdência Social cada vez mais reduzida aos trabalhadores com baixos salários fortalece, em contrapartida, o avanço do capital sobre as receitas advindas desta política.
Os recursos da previdência no cenário brasileiro após os anos 1990 vêm cumprindo o papel de diversificar o mercado de capitais. Primeiramente, o mecanismo da Desvinculação de Receitas da União (DRU) permite que parte das receitas da seguridade social – 20% até 2016 e 30% de 2016 a 2023 – seja utilizada para pagar juros da dívida pública.
Em segundo lugar, foram criados mecanismos capazes de canalizar o dinheiro das aposentadorias e pensões para o domínio do capital que porta juros: os fundos de pensão e o crédito consignado cumprem essa função ao possibilitar que uma parcela considerável desse dinheiro fique sobre o domínio dos bancos e instituições financeiras com a potencialidade de ser transformado em capital.
O crédito consignado se tornou uma grande estratégia
dos bancos para se apropriar das aposentadorias. Com um dinheiro seguro
para remunerar o capital portador de juros, os consignados foram a
modalidade de crédito que mais cresceu nos últimos dez anos, tendo sido
também responsável pelo alargamento da lucratividade bancária.
Entre 2004 e 2015 foram concedidos empréstimos
consignados para aposentados e pensionistas do Regime Geral da
Previdência Social num montante superior a 200 bilhões de reais.
Significa afirmar que o capital encontrou nos consignados um potência
inteiramente nova de expropriação do trabalho.
Diversas formas de canalizar os recursos da
Previdência para o capital financeiro foram operadas mediante o
incentivo e regulamentação do Estado. O fato é que a Previdência
continua a ser uma fonte importante para a reprodução do capital e para
as tentativas de elevação das taxas de juros, agora sob a égide do
processo de financeirização da economia e das políticas sociais.
Ademais, as propostas de contrarreforma da Previdência encaminhadas pelo governo Temer preveem: a instituição de uma idade mínima para aposentadoria,
entre 65 e 70 anos; a equiparação dos regimes de previdência; o pedágio
para quem tem mais de 50 anos de idade; a equivalência das regras para
homens e mulheres; o fim das aposentadorias especiais; a retirada dos
trabalhadores rurais do regime geral de previdência e o aumento da
alíquota de contribuição dos trabalhadores.
Pensar a manutenção da Previdência Social requer, portanto, analisar
as possibilidades de arrecadação para além da contribuição direta dos
trabalhadores; requer antes de tudo estabelecer formas diversificadas de
financiamento da Previdência que possibilite taxar as grandes empresas,
o agronegócio, acabar com as isenções fiscais. Requer um amplo processo
de luta dos trabalhadores.Uma questão importante para pensar o equilíbrio do sistema previdenciário diz respeito ao tratamento dado às receitas advindas da contribuição das empresas. As renúncias fiscais, em 2015, foram responsáveis por 40,124 bilhões de reais que deixaram de ser arrecadados pela Previdência Social, o que em parte já resolveria metade do suposto déficit.
A desoneração da folha de pagamento em que as empresas deixam de contribuir com 20% sobre o montante dos salários e passam a contribuir com base na receita bruta também foi um mecanismo que favoreceu as empresas, à medida que diminuiu o montante da contribuição dos empregadores para a Previdência Social. De acordo com a projeção da Receita Federal, em 2015 a desoneração da folha estava em torno de 25 bilhões de reais.
A justificativa falaciosa do déficit penaliza os trabalhadores que contribuem direta e indiretamente para a Previdência Social e atende aos anseios do capital de liberar mais recursos do fundo previdenciário para o mercado de capitais.
Com essa clareza não podemos aceitar o argumento do déficit e da insustentabilidade da Previdência; não podemos pagar pela crise; não podemos abrir mão da nossa condição de sobrevivência. A Previdência envolve direta ou indiretamente todos os trabalhadores e por isso a sua defesa tem de ser ampla e unificada.
Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/economia/a-previdencia-e-sustentavel-mas-seus-recursos-estao-em-disputa
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