Só em 2016, 160 LGBT foram mortos no Brasil. No ano passado, foram 319. No anterior, 331. Isso do que foi noticiado, isso do que o GGB – Grupo Gay da Bahia conseguiu apurar. E choramos, nos revoltamos, fazemos campanhas, enquanto algumas pessoas perguntam quanto heterossexuais morreram no mesmo período, como se algum deles tivesse morrido pelo fato de ser hétero. E ficamos com medo e gritamos e buscamos soluções, mas amanhã teremos outra vítima. Se pedimos justiça, dizem que queremos privilégios. Não importa o que pedimos. Continuamos a morrer.
Diego, um jovem negro e gay, do Norte, foi morto dentro do Campus da UFRJ. Isso depois da circulação de um e-mail contendo ameaças não só LGBTfóbicas, mas também em relação aos posicionamentos de Esquerda e ao uso de drogas. Em 2016, na “Cidade Olímpica”. Um dia antes, André, jovem professor do curso de Administração da Unimontes (Montes Claros – MG), foi assassinado após uma festa universitária. Além do corte profundo no pescoço ele teve os dois olhos furados, o tipo de “assinatura da violência” dos crimes de ódio. E de novo choramos com medo. Continuamos a morrer.
Nos Estados Unidos, um homem matou 50 pessoas depois de abrir fogo dentro de uma boate LGBT em Orlando. A impressa ficou preocupada em descobrir se ele era homossexual ou não, enquanto a militância discutia a utilidade disso, a homofobia internalizada e os produtos sociais da LGBTfobia. Os filtros arco-íris voltaram ao Facebook. Disseram que foi um ataque terrorista porque o atirador era islâmico. No Brasil temos uns 5 “Orlandos” por ano, falando em números. Celebridades postaram mensagens emotivas e apoiadores denunciaram o absurdo no twitter. Continuamos a morrer.
No último dia 28 celebramos o Orgulho LGBT. O mundo se encheu de paradas com homens musculosos em sungas minúsculas dançando em trios elétricos enquanto Drag Queens dublavam hinos da cultura pop. Cartazes e discursos lembravam o peso político desses eventos, independente da opinião professada por tantos de que sexo e alegria não servem como protesto. Cineclubes exibiram documentários sobre a história do movimento LGBT. Camisinhas foram distribuídas e as festas ficaram mais coloridas. A violência LGBTfóbica no Brasil foi assunto do New York Times. Continuamos a morrer.
A Avon e a Skol lançaram propagandas inclusivas. Enquanto uns questionaram se nossas lutas cabem ao sistema capitalista, outros se sentiram representados. Há quem pergunte se o reconhecimento – ou a criação – de um nicho de mercado é o caminho para validar um grupo social em nossa sociedade. Há quem pergunte se aAna Paula Valadão vai dirigir a sua #SantaIndignação à mesma Avon que vende suas “bijuterias para evangélicas” ou se é a empresa que deve parar de tentarlucrar em cima de servir “Deus e o Diabo”. Mas OK, as campanhas tombaram. Continuamos a morrer.
O Netflix contratou a Inês Brasil para um comercial. Americanos ficaram chocados ao descobrir que Beyoncé é negra, depois que a cantora lançou um álbum fazendo protesto racial. Glória Maria fumou maconha no Globo Repórter. Britney Spears foi reconhecida como ícone no Billboard Awards. Cauã Reymondinterpretou uma mulher trans em um videoclipe, entretanto nenhuma trans conseguiu trabalho na produção. Mais uma drag foi coroada por RuPaul. Os ingressos para assistir a Mariah Carey em São Paulo custaram vários salários. Continuamos a morrer.
Apesar da crise, as eleições estão vindo aí. Figuras políticas estão lançando candidatura, mas por enquanto o Congresso Nacional tem apenas um gay assumido. O Supremo Tribunal Federal descobriu que o Bolsonaro faz incitação ao estupro, mas esqueceu que seu discurso de ódio também mata gente todo dia. A LGBTfobia não foi criminalizada e a polícia não é preparada para lidar com as especificidades desse público. Pedimos justiça e denunciamos a diferença para gritar que somos todos iguais e merecemos respeito. Dizem que queremos privilégios. Continuamos a morrer.
Caminhamos pelas ruas olhando para os lados, esperando a próxima lampadada. No telefone, olhamos a lista de amigos pensando qual deles será a próxima vítima. Meu nome ficaria legal numa hashtag de #SomosTodos? Quantas lésbicas serão vítimas de “estupro corretivo” esse ano? Será que se formássemos grupos armados para proteger e vingar os LGBT, talvez com algum ataquezinho contra héteros aqui e ali, alguém perceberia que atingimos nosso limite? Melhor não dar ideia. Já pensou se resolverem usar isso para pedir dia do “Orgulho Hétero”?! Continuamos a morrer.
Não tem jeito. De repente a solução é fazer mais campanhas pela internet, colocar mais personagens LGBT nas novelas, discutir diversidade nas escolas e nas igrejas e lutar por alguma lei, simpatia ou reza forte que nos proteja. O que não fizer mal está valendo. Por que enquanto a sociedade segue a dividir sexualidades em “certo” e “errado”, nós
CONTINUAMOS
A
MORRER.
CONTINUAMOS
A
MORRER.
Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2016/07/06/continuamos-morrer/
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