quarta-feira, 6 de julho de 2016

CANDOMBLÉ NO DIVÃ: ASSUMIR OS SÍMBOLOS DA FÉ OU NÃO SE EXPOR PARA EVITAR CONFLITOS?

Por Fábio Lau e Rogério Imbuzeiro


A dança e as vestes: símbolos da prática milenar ameaçados pelos novos tempos de radicalismo


Expressão visual de religiões africanas populares como o Candomblé, as vestes e os adereços dos fiéis ocupam cada vez mais espaço nos armários, no mesmo ritmo em que desaparecem das ruas. Muitos praticantes decidiram não usar mais os tradicionais paramentos no dia a dia, como forma de atenuar o preconceito crescente. A intolerância contra seguidores das religiões afro-brasileiras se manifesta nos ambientes de trabalho, escolas, meios de transporte, onde quer que alguém se apresente de forma diferenciada.

Um dos defensores desta nova postura é o respeitado babalorixá Pai Paulo de Oxalá. Ele garante que deixar de transitar com roupas e ornamentos não altera em nada o sentimento ou o significado espiritual. Da mesma forma, afirma, não haveria alteração mística se certos rituais fossem retirados de locais públicos e transferidos para espaços privados. Assim, poderiam ser mais restritos os rituais realizados em florestas, cachoeiras, praias e mesmo nas encruzilhadas, onde ainda é comum se fazer os chamados despachos. E ele pergunta: por que não reduzir a área de conflito com outras religiões, que é algo tão comum nos nossos dias?

A exposição dos símbolos dos religiosos tem despertado confrontos com grupos radicais, especialmente neopentecostais. Muitas vezes estes confrontos terminam em destruição de templos, agressão física e ofensas pessoais.

Mas nem todos os líderes do Candomblé, no Rio, concordam com essa nova bandeira. O babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, acredita que se há um problema de aceitação da religião isso se deve ao preconceito que reside do outro lado. Por isso, acredita, esconder os trajes e demais símbolos do Candomblé seria fazer uma concessão inaceitável àqueles que defendem e praticam a intolerância.

Mas o fato é que a não aceitação de símbolos religiosos no Brasil de hoje não é um drama a atingir exclusivamente o povo do Candomblé. Fiéis de outras religiões, igualmente identificados por vestimentas e adereços, também são vítimas de discriminação. Por isso, Conexão conversou com representantes do Judaísmo, Islamismo, Catolicismo e com teólogos evangélicos, para saber como eles se posicionam diante dessa nova patologia social que é a intolerância. As entrevistas com Ivanir dos Santos e Pai Paulo de Oxalá você ouve no final da reportagem.


Indumentária e objetos sagrados devem ficar restritos ao culto e evitar as ruas?
Indumentária e objetos sagrados devem ficar restritos ao culto e evitar as ruas?  

























Ser ou não ser - mais uma vez, eis a questão.

Proteger-se, evitar situações constrangedoras e até de risco, ou expressar livremente sua crença e suas tradições?

Não é raro encontrar casos de invasão e profanação de terreiros do Candomblé e da Umbanda. Uma violência injustificável, que gera apreensão e medo. Também incomodam discursos de pastores evangélicos, nos templos e em programas de rádio e TV (concessões públicas, portanto), com ataques sistemáticos às religiões afro-brasileiras e seus seguidores.


Pai Paulo de Oxalá
Pai Paulo de Oxalá  
Mas o preconceito não se restringe à tela. Ele marca presença no dia a dia de quem se veste de branco e usa adereços típicos dessas religiões. Basta sair de casa para começar a atrair olhares, no mínimo de curiosidade, mas frequentemente de zombaria ou repúdio.

Em entrevista com Pai Paulo de Oxalá, nos surpreendemos com a posição do babalorixá, que alguns poderiam considerar por demais "conciliadora". Mas, para ele, abrir mão da exposição nas ruas, nos dias de hoje, é uma demonstração de sabedoria.

- Existe o fator "intolerância". Então não preciso ir ao culto todo de branco, todo de fio de conta, para afirmar a minha fé. 

Ivanir dos Santos discorda. Para o babalaô, seria o mesmo que pedir a um monge budista que não se vestisse como monge budista ou a um judeu que tirasse da cabeça a tradicional kipá. Então, por que apenas o Candomblé deveria se submeter aos intolerantes?


Ivanir dos Santos
Ivanir dos Santos  
- Não é fazendo concessão ao opressor que você diminui a opressão. Muito pelo contrário.

Quem seguiu o caminho da afirmação, sugerido por Ivanir, como a família de um menino de 12 anos, aluno de uma escola pública do Rio, penou. Ele acabou sendo protagonista de uma grande polêmica, em setembro do ano passado. 

Como parte de sua iniciação ao Candomblé, o garoto precisava vestir roupas claras, cobrir a cabeça e usar as guias por três meses. Embora a família tenha avisado a diretora, o estudante acabou barrado na porta da instituição.

Grupos religiosos fizeram protestos em frente à escola e, após a intervenção da prefeitura, o menino foi transferido para outra unidade do município, onde teria sido recebido "sem preconceito".


O aluno vítima de discriminação mudou de escola
O aluno vítima de discriminação mudou de escola   
Protesto realizado em setembro de 2014
Protesto realizado em setembro de 2014  











Nas entrevistas, Pai Paulo de Oxalá e Ivanir dos Santos aprofundam a análise sobre essa questão delicada, que pode gerar tensões e melindres, mas que precisa ser discutida abertamente. Também falam sobre os "trabalhos" que ainda são realizados em esquinas ou em cachoeiras, e que muitas vezes passam uma imagem negativa e descaracterizam a natureza. Ouça as entrevistas mais adiante.

Depoimentos de duas praticantes de Candomblé

Estar no campo onde se pratica a fé no Candomblé não é tarefa para qualquer pessoa. Há de se ter muita força para superar obstáculos. Duas praticantes da religião, ouvidas por Conexão Jornalismo, narram como fazem para lidar com a desconfiança e o preconceito em família, na rua e no trabalho. 

Redatora e produtora de marketing, 30 anos, D. preferiu não se identificar. Ela revela que abraçou o Candomblé há cinco anos. Oriunda de uma família de Batistas, aprendeu ainda na sua formação, à qual chama de "preceito", que seria importante evitar conflitos desnecessários por conta do uso de vestimentas com a cor do seu orixá (Ogum), colares e outros símbolos: "Quando raspei a cabeça, no ritual de iniciação, precisei ficar dois meses afastada do trabalho. Então tirei férias e juntei com folgas acumuladas. Evitei até mesmo a visita a parentes mais próximos, para poupar a mim e a eles de possíveis confrontos", disse. D. revela que há alguns anos sofreu uma forte oposição profissional de uma superior quando esta, de quem se julgava amiga, descobriu que era ligada ao Candomblé: "Há tempos fiz uma tatuagem com o símbolo do orixá. Ela é pequena e discreta. Certa vez minha chefe me perguntou o que significava e falei com tranquilidade. A partir daquele momento, nossa relação ficou insuportável. Ela não aceitava sugestões, fazia pouco caso do meu esforço e punha em dúvida minha capacidade profissional. A chefe era integrante de uma comunidade evangélica forte e que se destaca pela intolerância a outras religiões. Ali percebi que é importante cautela", disse. Mas D. não omite sua religião quando lhe perguntam: "Reafirmo minha fé sempre que sou perguntada. Não omito meus princípios e crenças. Só evito a exposição permanente, como o uso de roupas e adereços. Ou talvez precisasse discutir e me impor durante 24 horas. O que seria humanamente impossível".


Stela Guedes Caputo
Stela Guedes Caputo  
Já a jornalista, escritora e professora universitária Stela Guedes Caputo acredita que só confirmando dia após dia sua religiosidade estará ajudando a mudar o preconceito crescente. Ela frequenta o Candomblé há mais de 20 anos, mas há apenas dois decidiu ingressar na religião. Eis seu depoimento:

- Quando vivi o ritual de iniciação passei de tudo na rua. Tinha gente que me olhava com pena, ódio, como objeto de conversão. Achavam que com qualquer conversa abandonaria a fé. Na Universidade tenho uma matéria eletiva sobre Educação, Racismo e Candomblé. No início, os alunos se assustavam, alguns até abandonavam a disciplina. Hoje entendem, me procuram e espalham a notícia de que o curso é importante para se entender o preconceito religioso e o próprio racismo no país. Quando decidi ingressar, o fiz muito pensando nas crianças e na ajuda que poderia dar ao mostrar-me ao lado delas, na confirmação diária da fé. Saio de casa vestida para os rituais em Caxias e retorno da mesma maneira. Não concordo com a flexibilização para evitar conflitos. Acredito e defendo que as pessoas devem procurar aceitar o outro e suas opções.

O que pensam representantes de outras religiões

A divergência de opiniões não está circunscrita às lideranças ou às praticantes do Candomblé. Conexão Jornalismo procurou representantes de católicos, evangélicos, judeus e muçulmanos para saber como eles se posicionam diante do assunto. Veja o que eles disseram:

Católicos:

Teólogo e arqueólogo, o frei franciscano Isidoro Mazzarolo revela que ainda hoje o conflito entre assumir o hábito católico ou recorrer a trajes comuns é tema debatido na igreja. No Concílio Vaticano II, em 1965, o então papa Paulo VI fez valer a ideia de que "o hábito não faz o monge". Com isso, o uso ou não de elementos ligados à igreja passou a ser uma opção pessoal do religioso. "Acredito que evitar o choque a partir de roupas ou elementos que gerem conflito pode ser uma fórmula eficaz, inclusive do ponto de vista da atração sobre os leigos. Ele o vê como um igual", revela.

Judeus:

O rabino Dario Bialer, da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro, diz que gostaria de viver em uma cidade onde as diferenças sejam celebradas em vez de apenas toleradas. Por isso ele costuma sair de casa com o seu kipá, o "chapéu" característico dos judeus, para afirmar sua fé, que é parte fundamental de sua vida. Diz que jamais se sentiu ameaçado ou constrangido por isso. Pelo contrário, costuma ser abordado por pessoas curiosas por saber detalhes sobre as tradições judaicas. Dario afirma que usar o paramento também faz com que ele se sinta mais responsável, por estar representando sua religião. Mas admite que ele é quase uma exceção, já que a maioria dos seus pares costumam usar o kipá somente nos momentos de celebração. O rabino lembra, também, que existem várias correntes do judaísmo, algumas mais ortodoxas, que manifestam sua fé com roupas e cabelos característicos, o que de um modo geral não acontece na Associação Religiosa Israelita do Rio. E estes, assim como os candomblecistas, também ouvem zombarias nas ruas.


Símbolo da fé nos orixás
Símbolo da fé nos orixás  
Evangélicos:

Teólogo e pastor da Igreja Presbiteriana, Alexandre Marques Cabral não acha que alterando rituais de fé ou mesmo omitindo a indumentária o praticante do Candomblé estará reduzindo conflitos:

- As igrejas hegemônicas, que são o Catolicismo, Protestantismo e as Neopentecostais, costumam enxergar as religiões de matrizes africanas como menores ou até como seitas e não como religião. Este preconceito só irá se alastrar caso seus fiéis se omitam ou escondam símbolos que são uma marca importante da sua religiosidade. O mesmo ocorre com outras religiões igualmente marcadas por seus símbolos: o judaísmo ortodoxo, as correntes católicas como franciscanos, dominicanos, padres e freiras e os muçulmanos. Esta pluralidade deve ser revelada e assimilada, e não o contrário. É claro que não se quer o choque, mas é fato que esconder não ajuda. Cabral, que circula com desenvoltura por diversas religiões, onde diz aprender e experimentar a fé de maneira mais plena, teme que a revisão dos símbolos do Candomblé represente, no futuro, a descaracterização de um elemento tão importante da religiosidade e da cultura do povo brasileiro.

Também ouvimos o teólogo e palestrante da Igreja Batista, Paulo Araújo. Fotógrafo profissional. Ele diz cultivar amizade com seguidores das religiões afro-brasileiras e defende que todas as pessoas deveriam ser mais racionais, na busca por harmonia e respeito à diversidade. O evangélico conta que quando era estudante universitário foi ridicularizado diante da turma por um professor, apenas por ser evangélico. Paulo defende a liberdade dos praticantes do Candomblé, que segundo ele devem seguir suas tradições sem se preocupar com o que os outros pensam a respeito, como deveria ser em qualquer democracia digna do nome. O teólogo diz que alguns pastores das igrejas Neopentecostais atacam sistematicamente as religiões de origem africana, assim como atacam o espiritismo, porque não tiveram uma formação consistente, que poderia ter lhes dado uma visão mais abrangente e aprofundada, com caráter moderno e ecumênico.

Islâmicos:

O Sheikh Abdel Hamid Metwally, líder religioso da Mesquita Brasil, considerada a mais antiga e importante da América Latina, nos respondeu com a seguinte mensagem: "A vestimenta ou roupa adequada é particularidade de cada religião e os adeptos têm a livre escolha em relação ao uso delas ou não. Eles têm a liberdade de usá-las, assim como alguns profissionais também têm, como por exemplo os policiais militares e os médicos. Será que podemos dizer para os médicos ou policiais militares que devem deixar de usar seus jalecos ou fardas para que não sejam agredidos ou insultados? Certamente não! Devemos, como uma sociedade livre, estabelecer regras e leis que zelam pelas particularidades dos indivíduos e a liberdade da vestimenta, cada um conforme sua religião e sua crença. Devemos inserir nas escolas os ensinamentos de como devemos ser tolerantes em relação às diferenças. Devemos educar os ignorantes e os agressivos a aprenderem a tolerância religiosa."


Séculos de tradição e muita luta contra o preconceito
Séculos de tradição e muita luta contra o preconceito  


















Por que se incomodar com a riqueza e a beleza da diversidade?
Por que se incomodar com a riqueza e a beleza da diversidade?  












































Disponível em:  http://www.conexaojornalismo.com.br/colunas/cultura/musica/candomble-no-diva-assumir-os-simbolos-da-fe-ou-nao-se-expor-para-evitar-conflitos-26-38277

2 comentários:

  1. Porque se esconder devemos sim mostrar quem somos e nossa fé, vai ter turbante na rua fio de conta e roupa sim, não entrei no candomblé pra me esconder sou umbandista e candomblecista com muito orgulho e não vou me esconder atrás do muro do terreiro.

    ResponderExcluir
  2. Porque se esconder devemos sim mostrar quem somos e nossa fé, vai ter turbante na rua fio de conta e roupa sim, não entrei no candomblé pra me esconder sou umbandista e candomblecista com muito orgulho e não vou me esconder atrás do muro do terreiro.

    ResponderExcluir