terça-feira, 3 de maio de 2016

MÃE DE CRIANÇA TRANSEXUAL ESCREVE CARTA A PREFEITO DE TERESINA: “VAMOS FALAR DA PATY”

Amanda Pitta teme que a filha seja 

prejudicada com o projeto de lei que proíbe 

debate sobre gênero na rede de ensino 

municipal.

Amanda Pitta emociona-se ao relatar a batalha enfrentada pela inclusão da filha na escola (Foto: Elias Fernandes/O Dia)

Por: Nayara Felizardo


O projeto de lei que tenta proibir o debate de gênero nas escolas municipais, aprovado pela bancada religiosa da Câmara Municipal de Teresina, preocupou Amanda Pitta, mãe de uma criança transexual que está no ensino infantil e estuda em uma escola pública. Tentando proteger a filha, a mulher decidiu escrever uma carta para o prefeito Firmino Filho (PSDB), contando a história da sua família e fazendo um apelo para que ele vete a proposta.
Em um relato emocionante, Amanda conta que a criança nasceu biologicamente menino, mas desde os primeiros meses já demonstrava interesse pelo universo feminino. “Com apenas um ano e meio Paty deu seu recado para a família: ‘eu era uma menina, aí veio uma fadinha e me transformou em um menino’, isso mostrava o quanto ela não se aceitava”, relata a mãe.
Ela admite que ainda tentou reconduzir a filha ao padrão social aceito, mas isso só causou muito sofrimento à família e, principalmente, à criança. “Minha filha era infeliz”, escreveu Amanda, que decidiu aceitar a condição da menina e tratá-la como ela mesma se definia.
Depois de enfrentar a batalha dentro da própria casa, Amanda conta que precisou lutar novamente pela filha, mas dessa vez pela sua inclusão na escola, o que ela não conseguiu na rede privada. “Procurei o Ministério Público para me ajudar a matricular minha filha. Lá, fui orientada a matriculá-la em uma escola pública municipal, por se tratar de uma escola inclusiva. Foi a melhor atitude que tomei”, revela Amanda.
Agora, após o projeto de lei, a mãe teme que a sua filha seja prejudicada e pede ao prefeito que vete a proposta. “A questão de gênero é uma realidade na rede pública municipal, a Paty é a prova disso. É contraditório existir leis de inclusão de pessoas LGBT e não poder falar sobre elas”, argumenta Amanda.
Ela conclui a carta com um apelo. “Não falar no assunto não vai fazer as Patys, as Lauras, as Milenas e os Vitos desaparecerem da sociedade. Desde já agradeço a sua atenção e peço que pense com carinho a respeito. Fica o apelo de uma mãe pela igualdade”.
Amanda defende a elaboração de uma cartilha que ajude a discutir as questões de gênero na escola, com material adequado à idade escolar. “Isso poderia ser trabalhado nos temas transversais, ou seja, assuntos além do conteúdo oficial e que os professores têm que incluir na grade curricular”, sugere Amanda.
Senhor prefeito, precisamos conversar sobre a Paty*.

Meu nome é Amanda Vitoria de Oliveira Pitta, tenho 37 anos, sou autônoma e mãe de Victoria, Sophia e Paty. Esta última, a mais nova, nasceu biologicamente menino e é uma criança trans. A Paty desde os primeiros meses já mostrava ser diferente, sempre preferiu o universo feminino. Com apenas um ano e meio Paty deu seu recado para a família: "eu era uma menina ai veio uma fadinha e me transformou em um menino", isso mostrava o quanto ela não se aceitava enquanto menino. Tentei ao máximo reconduzi-la ao padrão social aceito, mas sem sucesso. Foi uma experiência dolorosa que rendeu sessões de choro intermináveis e noites sem dormir, minha filha era uma criança infeliz. Comecei então a assistir filmes, documentários nacionais e internacionais, ler matérias e artigos científicos sobre o assunto. Entendi que minha filha era uma criança trans. Entendi que as nossas vidas mudariam pra sempre, desde então fazemos acompanhamento psicológico para lidar com a nova situação
Paty foi persistente e fiel a si mesma, tanto que conseguiu provar para toda família que nós estávamos errados a respeito dela e que não era um órgão masculino que faria dela um menino. Foi duro entender e aceitar que minha filha é uma criança trans e foi por amor que tive que 'matar' o menino dentro de mim para que a Paty nascesse. Então resolvemos fazer a transição do Patrício para Paty, ela própria nos conduziu com toda segurança que ela tem de ser quem ela é.
Vencemos a primeira batalha, que era fazer a própria família entender e acolher, isso só foi possível porque em nossa família existe muito amor e respeito ao próximo. No momento estamos enfrentando a segunda batalha, em relação a escola. Paty foi matriculada na escola ainda um menino, quando começamos a fazer a transição foi difícil para os adultos entenderem, enquanto as crianças aceitaram a novidade normalmente. No inicio houve um questionamento por parte das crianças, mas quando explicava a situação elas entendiam e tudo voltava a ser como era antes. A escola que a Paty estudava não conseguiu trabalhar de uma forma que ela se sentisse confortável, então resolvi mudá-la para um nova escola, onde ninguém a conhecesse e ela pudesse recomeçar, com a identidade feminina que ela tanto desejou.
Nenhuma das escolas que eu visitei (e podia pagar) me acolheu. Uma chegou a me pedir um laudo psiquiátrico alegando a 'doença' da minha filha; em outra as vagas desapareciam ou eram marcadas reuniões que nunca aconteciam. Estava claro que ninguém sabia lidar com o assunto, enquanto isso fui obrigada a passar mais um ano na escola que 'nos aceitava'. Reconheço até o esforço por parte da professora, mas os outros funcionários da escola teimavam em ignorar que o Patrício não existia mais. Foi um ano muito difícil, minha filha foi muito infeliz naquela escola. Em alguns dias, ela dormia antes da aula, outras vezes durante a aula ou se machucava de propósito para não ir à escola, além de chorar e dizer que todos riam dela.
Resolvi que em 2016 seria diferente: procurei o ministério público para me ajudar a matricular minha filha. Lá, fui orientada a matrículá-la em uma escola pública municipal, por se tratar de uma escola inclusiva. Foi a melhor atitude que tomei, minha filha foi matriculada no seguindo período na CEI Presidente Médici, no turno da tarde e com base na lei municipal N 11.258/2011, que dispõe sobre a inclusão do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da administração pública Municipal direta e indireta, bem como em respeito a nota técnica MEC N 24/2015 e a resolução N 12/2015 do conselho nacional de combate a discriminação de deseja se direitos de LGBT, uma grande conquista para nós.  O\utra grande vitória foi quando o material didático da Paty veio com seu nome social.
Senhor Prefeito, a questão de gênero é uma realidade na rede pública Municipal, a Paty é a prova disso. Por isso, venho através desta pedir o veto da lei que veda a distribuição, exposição e divulgação de material didático contendo manifestações de gênero nos estabelecimentos de ensino da rede pública Municipal, pois é contraditório existir leis de inclusão de pessoas LGBT e não poder falar sobre elas.
Onde fica a orientação do MEC para trabalhar com temas transversais? O que será das outras crianças como a Paty? Como a administração municipal pretende fazer a inclusão nestes casos? O senhor já parou para pensar que crianças também sofrem homofobia e transfobia? Com discussões tão avançadas sobre o tema, por que sancionar essa lei que atrasa o desenvolvimento da sociedade? Pois não falar no assunto não vai fazer as Patys, as Lauras, as Milenas e os Vitos desaparecerem da sociedade.
Desde já agradeço a sua atenção e peço que pense com carinho a respeito. Fica o apelo de uma mãe pela igualdade.


*Nome foi substituído para preservar a identidade da criança

Disponível em:  
http://www.clippinglgbt.com.br/mae-de-crianca-transexual-escreve-carta-a-prefeito-de-teresina-vamos-falar-da-paty/

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