O gay bombado e o gay fashionista são dentro da nossa cultura os mais supervalorizados. O corpo definido com veias saltando inundam imagens associado ao que deve ser idealizado pelos homens deste início de século XXI. Seu contraponto está no gay descolado, aquele que rejeita o padrão do que é oferecido pelo mercado. Descarta as grandes grifes e o culto ao corpo. Acredita que a beleza é um padrão construído socialmente e não cabe a ele se encaixar em uma forma pré-estabelecida e normativa.
Mas somos muitos e diferentes no meio de tanta gente, e que bom que seja assim. Ursos, metaleiros, surfistas e tudo isso junto e misturado ou não . Mas ninguém representa hoje melhor no mainstream o gay comum, gente como a gente, queSam Smith.
Sua música é romântica, sofrida porque não dizer , longe do pop e da eletrônica que a cultura gay dos últimos 30 anos tem cultuado. Mesmo quando tocada para grandes multidões, é feita para ser ouvida com placidez e, se possível , em silêncio.
O cantor tem um jeito sóbrio de se comportar, se vestir e se apresentar nos palcos do mundo inteiro.
Daí um apressadinho pode vir logo a julgar: “Sam Smith é um careta, um certinho”. Essa acusação apareceu em algumas postagens nas redes sociais dita, em maioria, por pessoas que esperavam a vitória de Lady Gaga. A falta de sentido na afirmação é facilmente comprovada quando comparamos com outros astros gays.
Elton John precisou de seis anos de carreira para dizer-se bissexual. Eram outros tempos, anos 70, ditos por muitos como mais liberais do que esse início de século XXI. Mas, de toda forma, apesar de toda a vanguarda em style e música, Sir John só destruiu o armário de verdade em 1986, 16 anos depois do inicio de sua carreira, ao se divorciar de um casamento de fachada com uma mulher para abafar sua homossexualidade.
Sam Smith pode até fazer a linha bom menino, mas careta, ah isso ele não é. Chegou ao estrelato mundial ao ganhar o cobiçado Grammy e agradecer a um ex-namorado pela inspiração ao compor as música de dor de cotovelo de seu álbum.
Ele poderia ter feito o caminho teoricamente mais fácil de colegas como Ricky Martin e George Michael. Ambos alcançaram o êxito como símbolos sexuais e ambos esconderam sua homossexualidade. Foram confrontados com sua condição sexual de maneira agressiva e cruel.
Ricky, em um dos momentos mais constrangedores vividos por um popstar na televisão, teve uma entrevista exibida logo após o Super Bowl, evento que os norte-americanos param para ver de costa a costa . A entrevistadora surpreende o cantor e faz a pergunta: Você é gay? E o portorriquenho – no auge do sucesso – gagueja, titubeia, fica mais perdido que Glória Pires na cerimônia do Oscar.
E o que falar de George Michael. Cantor era desejado por mulheres de todo o mundo entre o final dos anos 80 e meados dos 90. Fazia a linha bad boy, abusando das jaquetas de couro. Apesar de vender ousadia, ficou trancafiado no armário até um outing traumático. Foi preso em 1998, nos Estados Unidos, por ato obsceno ao fazer sexo com outro homem em um banheiro público.
Dizem que as carreiras de cantores que saem do armário nunca mais voltam a ser as mesmas. Mas seria por que se assumiram ou por que caíram em descrédito com o público, que se percebe enganado pelo seu ídolo? Ou tudo isso junto?
O fato é que Sam Smith está aí para dizer ao mundo e principalmente a seus colegas da cena artística mundial que é possível ser gay e um artista de sucesso. Amado por milhões de pessoas e laureado com os mais importantes prêmios. Pode- se dizer que para o cantor chegar a público dizendo com naturalidade sobre sua condição sexual, outros como Elton John e George Michel fizeram isso antes, mas ainda hoje há artistas que preferem o closet e, em 2016, sair do armário ainda é uma decisão que exige coragem.
E, ao homenagear a comunidade LGBT na entrega do Oscar, o cantor homenageava a nossa diversidade. Porque Sam é um exemplo de nossa diversidade. Um cara como tantos outros por aí. E um cara único por representar tantos com a expressão de sua voz nas canções de amor e na luta pelo respeito às diferenças.
Leve e sereno, Sam Smith lacra, é tombamento.
Uma atualizacao: Smith cometeu uma gafe ao esquecer de outros ganhadores do Oscar que já haviam se assumido gays. Mas podemos dizer que foi ele o primeiro gay assumido a subir ao palco e lembrar a luta de LGBTs em todo o mundo. E isso é mais importante .
Sam Smith - Stay With Me
https://www.youtube.com/watch?v=pB-5XG-DbAA
Sam Smith - I'm not the only one
https://www.youtube.com/watch?v=nCkpzqqog4k
Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/osentendidos/2016/02/29/vencedor-oscar-sam-smith-e-exemplo-da-nossa-diversidade/
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