terça-feira, 29 de março de 2016

O COLAPSO DA BARBÁRIE



O colapso da barbárie
Por Rachel Gepp
No mundo dos negócios o setor que apresenta maior expansão é o turismo, o Rio de Janeiro, desde que passou adotar uma gestão estratégica de cidade, uma gestão empresarial, transformou a cidade numa mercadoria posta para consumo no mercado global dos grandes eventos.
"As UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) tinham um papel estratégico dentro do pacote de marketing de cidade, com objetivo de fazer uma exposição mais positiva da imagem pública do Rio de Janeiro, que tinha como ponto negativo as favelas, conhecidas como lugar de crime, violência e desordem"
As UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) tinham um papel estratégico dentro do pacote de marketing de cidade, com objetivo de fazer uma exposição mais positiva da imagem pública do Rio de Janeiro, que tinha como ponto negativo as favelas, conhecidas como lugar de crime, violência e desordem.
Peça Publicitária
Como peça publicitária, a UPP foi muito bem-feita, fazendo a maioria da população se levar pela propaganda oficial da pacificação. Mas a pacificação, o principal produto propagandeado pela UPP, nunca foi entregue.
Ao invés dela, conhecemos suas consequências nefastas, que não eram “efeitos colaterais” como noticiado nos jornais, mas sim parte do seu planejamento estratégico de implementação.
No marketing urbano, antes de se divulgar uma imagem, tem que criar condições para que o destino turístico atenda às expectativas dos visitantes. Na Babilônia, o carro-chefe da favela mercadoria, obras para deixar a favela mais atrativa foram realizadas e assim fomos conhecendo como são construídas as paisagens dos grandes destinos turísticos internacionais visando transformá-los em mercadoria.
A começar pela retirada de moradias e de trabalhadores dos espaços eleitos para as operações de valorização. Os argumentos, evidentemente, sempre eram outros: ora é devido à ordem pública, ora para favorecer a mobilidade, para preservar as famílias em áreas de riscos ambientais…
Obras sempre de caráter higienista e elitista, mostravam a prioridade empresarial em detrimento da habitação, do direito ao trabalho, ao lazer. Tudo foi muito autoritário e opressor. Por trás da reconfiguração dos espaços para sua expansão relacionada ao turismo, estavam os interesses imobiliários e seus fabulosos lucros. Essas estratégias logo produziram super crescimento do fluxo de turistas e num piscar nos converteram num centro receptor de turismo internacional. Diversos gentrificadores se instalaram aqui, tentando tirar o lucro máximo em detrimento dos interesses comuns dos moradores e uma parte desses moradores foram obrigados a se deslocarem para regiões periféricas pouco urbanizadas.
O empresariamento se tornou a forma de mediação das relações sociais. Todo mundo querendo se dar bem. A UPP agindo
Babilonia-1
como gerente, ditando as regras do mercado, as leis de uso, códigos de postura, perdendo a dimensão de território e exercício da democracia local.

Militarizada
A favela está militarizada! É a barbárie exercendo um rígido controle, permanente e centralizado, necessário para que esse local escolhido para ser uma atração turística mantenha verossimilhança com as imagens propagandeadas sobre ele, para que não afete as expectativas dos turistas visitantes. Viramos prisioneiros do modelo neoliberal de construção de paisagens turísticas.
Mas houve resistência, moradores organizaram um discurso contra essa propaganda enganosa que era a pacificação. Pedimos o FIM DA UPP. Mas as balas disparadas na favela para minar essa resistência não foram de borracha. Denunciamos a remoção, o genocídio da população negra, o encarceramento em massa, o abuso de poder, a falta de legalidade do Estado Democrático de Direito, a ditadura na democracia. Na Copa gritamos que “A festa nos estádios não valem as lágrimas nas favelas”. 
"Agora, às vésperas da Olimpíada, a Babilônia, favela convertida em mercadoria, carro chefe da propaganda positiva da gestão militar de um território urbano, já não pode mais sustentar a farsa da UPP. Estamos vivendo dias de horror e aumento da violência numa guerra entre facções"
Mas dentro da favela, que experimentava pela primeira vez um enobrecimento, viramos os “do contra”, os contra o desenvolvimento. Fomos criminalizados, taxados de defensores dos “manos”, os que estão a favor do tráfico. Golpes baixos típicos dos nossos ridículos tiranos.
Guerra de Facções
Agora, às vésperas da Olimpíada, a Babilônia, favela convertida em mercadoria, carro chefe da propaganda positiva da gestão militar de um território urbano, já não pode mais sustentar a farsa da UPP. Estamos vivendo dias de horror e aumento da violência numa guerra entre facções rivais que estão disputando o controle da venda de drogas nesse território.
O tráfico, que não foi combatido, mas sim empurrado para regiões periféricas, está retomando com tudo as regiões centrais. A barbárie já não pode mais ser financiada pelo Estado e seus parceiros devido à crise econômica. O Estado não pode mais pagar a motivação dos seus mercenários. Chegamos na fase do colapso da barbárie. E todas as tensões se agravam com a aproximação da Olimpíada e a necessidade de se sustentar uma ideia, ainda que ilusória, de segurança pública para gringo ver.
Babilonia-2
Declínio da UPP

Ao que tudo indica, o declínio da UPP e a falta de credibilidade do Estado de vender uma paisagem verosímil com a que foi propagandeada, vai afastar turistas e, na medida que isso colapsa, esse destino pode ser abandonado, sem deixar para os moradores que passaram a sobreviver da mercantilização dessa paisagem, um horizonte.
Continuaremos prisioneiros, agora da ruína, do modelo neoliberal de construção de paisagens turísticas.
Isso que dá confiar no Estado.


* Fotos: enterro de mais um morador da Babilônia 

 Rachel Gepp é publicitária, ilustradora, fotógrafa, comunicadora popular e militante defensora de direitos humanos
Disponível em:  http://carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/6175-o-colapso-da-barbarie

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