quinta-feira, 24 de março de 2016

CATIVEIROS BABILÔNICOS - MEDITAÇÃO PARA A QUINTA-FEIRA SANTA


Evangelho: João 13,1-17,31b-35
Durante muito tempo pensei que bastava falar dos diversas cativeiros babilônicos da igreja para estar livre deles. Sempre havia crido que os cativeiros eram algo que acontecia aos outros, que eram situações sob as que viviam outras pessoas e outras comunidades cristãs. Era minha convicção que se em minha tradição confessional havíamos denunciado os cativeiros babilônicas que a historia e a tradição da igreja havia imposto sobre o povo de Deus, isso era suficiente para estar livre deles. 
Mas me dei conta que a realidade não coincidia com meu ponto de vista. Em um rico, desafiante e doloroso processo de conversão me dou conta que eu mesmo, como pessoa, necessitava ser liberto de diversos cativeiros bíblicos, teológicos, morais e pastorais nas que fui crescendo, educado e agindo. Não só me dei conta do necessário processo de libertação a nível pessoal, mas também institucional. Minha própria comunidade de fé necessitava ser libertada de seus cativeiros. Esse não é um processo ocorrido em algum momento de séculos passados, mas sim que é um processo dinâmico, atual e contemporâneo. Percebi que necessitava libertar-me na paradoxal situação de abrir-me ao diálogo com as pessoas e grupos que são os mais excluídos da sociedade e das igrejas. Foram eles os agentes pastorais enviados por Deus a convocar-me ao processo de conversão que conduz à libertação. 
Um dos lugares pessoais que foi submetido a esse processo de libertação de cativeiros foi minha própria compreensão do evangelho. Nada ficou de pé apesar de que os elementos interpretativos estavam ali, ao alcance de minha vista, em todo momento. Porém estava cego e necessitava libertar minha mente e meu coração para poder captar verdades antigas e simples. 
O que é o evangelho? Minha primeira resposta é afirmar que não é um livro nem vários livros. Evangelho é sempre uma boa notícia transmitida oralmente que nos fala do processo de aniquilamento, do processo de despojamento de honras e gloria que vive o Cristo de Deus. Evangelho é o anúncio desse processo pelo qual Deus se faz próximo, porém não somente próximo e que habita conosco, mas que habita preferencialmente, escandalosamente, com aqueles que foram escravizados pelo sistema social, econômico ou religioso. Essa encarnação de Deus não é qualquer encarnação, mas sim que é a encarnação nos lugares nos quais os seres humanos nunca encontramos nem glória nem prestigio. Todas as mesas de comunhão que Jesus de Nazaré constrói são um permanente reflexo dessa encarnação. Essas mesas da inclusão dos estigmatizados, das e dos impuros rituais ou litúrgicos, das e dos oprimidos por uma falta total de eqüidade de gênero, estrangeiros e despojados de direitos de cidadania, se constituíram em um dos argumentos mais importantes para levar nosso Senhor Jesus Jesus Cristo à cruz. A ressurreição é a confirmação que proclama que essa mesa da inclusão é parte do projeto que Deus quer, ao menos o Deus de Jesus Cristo, revelado no Evangelho, para todos os seres humanos. 
Essa boa noticia que é o núcleo do evangelho é a chave que nos permite ler todas as escrituras: se alguém não tem esta concepção do evangelho, jamais poderá ser iluminado pela Escritura nem disporá de uma base firme. Porém imediatamente se nos adverte de não fazer de Cristo um Moisés, pensando que não faz outra coisa que compartilhar ensinamentos e exemplos. Permanentemente temos ali uma tentação sumamente perigosa. Cristo é mais que mestre de comportamentos e condutas e muito mais que um exemplo a imitar. No mundo há muitos mestres e muitos modelos e exemplos bons. Cristo é muito mais que isso. Porém isto é o menos importante no evangelho, pelo qual ainda não se o pode chamar ‘evangelho’. Pois com isto Cristo não te serve mais que qualquer outro homem santo.
Evangelho é quando recebemos a Cristo como um dom e obséquio que nos foi dado por Deus e que nos pertence. O evangelho não é um livro, é uma Pessoa e essa Pessoa é um presente gratuito de nosso Pai comum. É um presente incondicional para todos e todas e não para alguns que se sentem melhores que outros e outras. A única condição para receber esse presente é fazê-lo nosso por meio da fé e do amor. Esse Cristo deixa de ser uma realidade externa para transformar-se na realidade mais profunda e íntima de toda pessoa. 
A fé e o amor que nos permite fazer nosso este evangelho que nos leva a não duvidar que o processo de renúncia e de aniquilamento de Cristo o faz nosso. Se nos chama a não duvidar de que ele mesmo, Cristo, com essa obra e padecimento seja teu; e que podes confiar nisto não menos como se tu o tiveras feito, inclusive como se tu fosses Cristo mesmo. A fé, que sempre é apropriar-nos daquilo que é invisível aos olhos dos que vivem com os critérios de nossa sociedade, nos permite integrar-nos no processo de Jesus de fazer-se próximo daqueles que ocupam o último lugar na sociedade e nas igrejas, para dali começar a empoderar àqueles e àquelas dos quais se fizeram próximos e transformá-los nessa comunhão e nesse compartir em outros Cristos.
Este é o conceito de evangelho que nos liberta dos cativeiros, este é o grande fogo do amor de Deus para conosco, pelo qual o coração e a consciência chegam a ter alegria, firmeza e serenidade. Este é o centro de nossa ação pastoral. Não é outro e não devemos confundir-nos: o evangelho não é propriamente um código de leis e preceitos que nos exija coisas, mas sim um livro de promessas divinas,no qual nos promete, oferece e dá todos seus bens e benefícios em Cristo. Esta é nossa tarefa e não outra ou qualquer ação pastoral ou de promoção social ou ativismo político. Anunciar esse evangelho cheio de promessas em que se nos chama a compartilhar a libertação de Jesus Cristo. Porém a grande tentação é que nos apressemos a fazer do evangelho um código de leis, um manual de mandamentos, convertendo o Cristo em um Moisés, e ao que veio a auxiliar-nos o convertemos em um simples mestre. Que promessas escutam dos lábios dos cristãos as pessoas que vivem marginalizadas e sem esperança? Anunciamos a Moisés ou proclamamos a Cristo? Impomos leis e regulamentos ou fazemos visíveis as promessas de auxilio e aceitação?
É por isso que temos que separar muito claramente Lei e Evangelho como duas realidades totalmente diferentes. As diferenças são de conteúdo e de forma: Por isso vemos também que Cristo não insta atrozmente nem oprime, como o faz Moisés em seu livro e como é do mandamento fazê-lo. O anuncio do evangelho não é impor pelo medo condutas desejadas, mas sim que é anunciar promessas. Essa é a boa noticia. Esse é o Evangelho: promessas de libertação de cativeiros. Nisto temos modelo porque Jesus, o Filho de Maria, não oprime nem coage a ninguém. Inclusive ensina tão afavelmente que melhor anima que manda. O método pedagógico de nosso Senhor Jesus Cristo é cativar, enamorar, fascinar a quem são objeto de sua ação pastoral. Não é Moisés e seus regulamentos, estatutos e mandamentos. Esta forma de proclamar não é só de Jesus Cristo: É também os apóstolos por regra geral usam as palavras: exorto, rogo, suplico, etc. Moisés no entanto diz: mando, proíbo; e, além disso, ameaça e assusta com castigos e penas horríveis. Pergunto-me, em que ficariam muitas pregações se tirássemos delas as ameaças e o premio de infernos e chamas eternas? É possível um anuncio do evangelho a partir do amor e do serviço? Onde fica o mandamento novo?
Que se faça realidade em nós que quando, pois, abres o livro do evangelho e les ou escutas que Cristo se encaminha de um lugar a outro o que o traem, deves captar nele a pregação, ou seja o evangelho, mediante o qual ele se aproxima de ti ou tu és levado a Sua presença, posto que pregar o evangelho não significa nada mais que Cristo acode a nós ou que nós somos levados à sua presença.


Foto do perfil de PadreAntonio Piber Svc
Padre Antônio Piber
EREMITÉRIO FRANCISCANO DOMUS MARIAE


Disponível em:  https://www.facebook.com/groups/252244021606811/permalink/606631439501399/

Nenhum comentário:

Postar um comentário