Cartaz na Parada do Orgulho
LGBT em SP.
/ L. P. (FOTOS PÚBLICAS)
Sônia (nome fictício) tinha acabado de fazer uma cirurgia delicada no seio para tratar um câncer de mama. Por isso, estava debilitada e não podia fazer grandes esforços físicos ou passar por situações de estresse. O momento delicado, porém, não foi suficiente para que ela fosse poupada de saber o que talvez não estivesse preparada para saber: que sua filha, Claudia (nome fictício) namora uma travesti.
"Uma amiga da minha filha me procurou e me contou sobre o relacionamento da Claudia com a Márcia", conta Sônia. "E ela colocou a Márcia de uma maneira tão marginalizada, que eu fiquei com medo daquilo tudo", diz, sobre a maneira como a garota descreveu a nova namorada da filha. Os pais procuraram Claudia para conversar, e ela esclareceu que a garota era apaixonada por ela e fez isso para tentar acabar com seu novo relacionamento. "Aí eu entendi a maldade das pessoas".
Claudia tem 28 anos. Cabelos compridos e castanhos claros, a pele bem branca, olhos amendoados e boca carnuda. É advogada e independente. Filha única de um casamento de mais de 30 anos, ela é até hoje mimada pelo pai. "Ele leva leite para ela na cama todas as manhãs, quando ela vem pra casa", conta a mãe de 59 anos, aposentada.Márcia, a namorada, tem 50 anos, braços fortes, é alta, tem olhos verdes, cabelos negros e compridos. Assim como Claudia, chama a atenção pela beleza. Usa mini saia e blusa decotada sobre os seios de silicone. Tem uma filha de 20 anos, fruto do primeiro casamento com uma mulher cisgênera. Ela fala o tempo todo, mesmo quando a pergunta é dirigida a Claudia. "Sou travesti com muito orgulho", diz Márcia.
Nos documentos, ela ainda está registrada com o sexo e o nome que foram designados quando ela nasceu. Por isso, se o casal decidir concretizar uma união civil, não deve encontrar nenhum percalço pela frente no âmbito jurídico. Porém, muito dificilmente os pais de Claudia a vejam subir no altar de uma igreja. Isso não faz diferença para a família. "Nunca tive esse sonho de vê-la entrar na igreja", diz a mãe. A relação da filha com uma travesti hoje não é uma questão para os seus pais. "Nosso maior medo é o preconceito. Temos medo que nossa filha seja excluída ou que deixem de conviver com ela por causa do relacionamento que escolheu".
Claudia parece não temer. É possível que ela sofra mais de ciúmes dos olhares que a namorada recebe, do que de algum tipo de preconceito. Assume com perfeita naturalidade sua relação com Márcia, que já dura um ano. "O relacionamento com transexuais ou travestis é a coisa mais difícil", conta Márcia. "As pessoas procuram a gente somente para sexo. Elas não vão à padaria, não andam de mãos dadas". Mas Claudia diz que hoje a família gosta muito de Márcia. Logo é interrompida pela namorada. "A mãe dela me adora, sempre que eu vou pra lá, ela faz a comida que eu gosto", diz.
No início não era assim. Quando souberam do seu relacionamento, os pais não queriam estabelecer uma relação com a nova namorada da filha. "No começo, tivemos uma certa reserva". Para que a família ficasse tranquila, Claudia foi, aos poucos, falando sobre a nova namorada para os pais. "Ela teve muito tato. Fez tudo com calma", diz a mãe. Até o dia em que foram avisados que Márcia iria visitá-los na cidade dos pais, no interior de São Paulo, onde Claudia nasceu e cresceu. "E nós dissemos: 'vamos recebê-la então'", lembra Sônia. "Quando vimos a Márcia, eu disse 'poxa, ela coloca saia, salto alto, peito, quanta dificuldade! Pra que dificultar?'", diz, rindo.
Em pouco tempo, a convivência se tornou natural. Sônia apresentou a nora para um casal de primos. Mas nem toda a família sabe do relacionamento da filha. "Minhas duas irmãs não sabem", conta. Ela diz que os vizinhos da frente olhavam com certa curiosidade para a casa dela quando Márcia estava ali. "Fiz um jantar e os convidei. Eles vieram com as crianças e foi tudo normal", diz S.
Quando vimos a Márcia, eu disse 'poxa, ela coloca saia, salto alto, peito, quanta dificuldade! Pra quê dificultar?'
A relação é natural e nunca houve alguma saia-justa na casa da família. Mas S. diz que prefere conversar com as pessoas antes de apresentá-las à Márcia. "Quando vou convidar alguém para ir em casa, primeiro eu digo: Eu não quero que você estranhe. A pessoa nasceu homem mas agora é uma mulher". Sônia diz que nunca ouviu nenhum comentário maldoso sobre o relacionamento da filha. "E mesmo se alguém disser, eu sou daquelas que finjo que não escuto", diz. "Eu não tenho que dar explicação pra ninguém".
Na conversa com o EL PAÍS, Cláudia fala pouco, não só porque Márcia fala pelo casal. Mas porque o relacionamento das duas é tido com muita naturalidade por ela. "A Cláudia tem uma cabeça muito boa. Queria ser metade do que ela é", conta a mãe orgulhosa.
Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/24/politica/1440451675_891975.html
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