SANTA FAUSTINA KOLWASKA
O século XX foi
um dos períodos mais contraditórios da história humana. De um lado, grandes
avanços nos mais variados campos do saber (biologia, física, tecnologia etc.);
a Igreja Católica, por sua vez, viveria uma nova primavera em diversos âmbitos
(bíblico, litúrgico, pastoral etc.). Por outro lado, deparamo-nos com o crescimento
do agnosticismo e a proliferação das seitas; com enormes atrocidades, de
proporções quase universais; milhões e milhões foram brutalmente dizimados em
dezenas de guerras, bem como em carestias, pestes e catástrofes, em parte
frutos da ganância e arrogância de alguns poucos.
Ao
mesmo tempo, é o século de cristãos de grande envergadura, como os Papas S. Pio
X, o Beato João XXIII e o Servo de Deus João Paulo II, S. Gemma Galgani e Madre
Teresa de Calcutá, os santos Padres Pio e Maximiliano Kolbe, ou como os
pastorinhos de Fátima. É o século outrossim de uma das maiores místicas da
história do cristianismo, Santa Faustina Kowalska. Mística pois deixou-se
invadir pelo mistério do amor divino, no dia a dia de uma vida escondida e
laboriosa. A partir dela nasce uma nova espiritualidade, centrada na Divina
Misericórdia. Eis em breves linhas um pouco da sua vida.
Origens
Faustina
nasceu na aldeia de Glogowiec, distrito de Turek, prefeitura de Poznan
(atualmente Swinice Warckie, principado de Konin), na Polônia, no dia
25/08/1905. Naquela época a Polônia estava sob o domínio russo. Ela é a
terceira de dez filhos do casal Estanislau Kowalska e Mariana Babel, que cuidam
de 5 hectares de terra (e 3 vacas!). As duas primeiras gravidezes foram muito
cansativas; por isso, a terceira foi esperada com preocupação, mas tudo correu
bem.
Dois
dias depois do nascimento a menina foi batizada, na paróquia de Swinice Warckie
(dedicada a S. Casimiro), com o nome de Helena Kowalska. Deus os abençoou com
outros sete filhos. “A Helena, minha
filha abençoada, santificou o meu ventre”, dirá a mãe após a sua morte. Sabemos bem pouco acerca das
origens desta futura santa. As principais fontes são o seu Diário e o relato de
algumas testemunhas.
Por
exemplo, a sua casa, com paredes de pedra e poucos móveis, é composta por 2
divisões, separadas por um corredor. O pavimento é de terra e as paredes não
são rebocadas nem caiadas. A mãe faz queijo com grande perfeição. Todas as
noites rezam o terço e dão graças por tudo o que têm.
Seu
pai, Estanislau, lavrador e carpinteiro, era muito piedoso. Freqüentava sempre
as Missas dominicais e cantava todos os dias o ofício da Imaculada Conceição,
bem como o hino matinal. Na Quaresma, cantava as lamentações da Paixão. Era
muito exigente com os filhos, e por isso Helena desde os 9 anos ajuda nos
serviços da casa – debulhando o trigo, levando as vacas para o pasto e ajudando
na cozinha. A mãe era uma boa mulher, muito dedicada e trabalhadora,
particularmente sensível com os pobres. Assim se vai moldando o caráter de
Helena (Dr. H. W.,Irmã Faustina. Apóstola da Divina Misericórdia, Loyola, S.
Paulo, 1983, p. 30).
Vocação
A vida
espiritual de Helena começara cedo. Em seu Diário escreve: “Quando eu tinha sete anos ouvi pela primeira vez a voz de
Deus na minha alma”. Depois da
preparação recebida do Pároco, Pe. Romano Pawlowski, em 1914 faz a Primeira
Comunhão, momento que muito lhe marcou: “Eu
estou contente porque Jesus veio ter comigo e agora posso caminhar com Ele”. A oração se torna mais assídua e fervorosa. A
mãe a encontrou várias vezes ajoelhada no chão, principalmente de noite. Helena
lhe explicava: “tenho certeza de que é o meu
Anjo que me acorda”.
Os
pais não aceitam facilmente a vocação da filha Helena. Em 1920 e 1922 a jovem
lhes pede permissão para entrar no convento, mas os pais o recusam. Não possuem
recursos para lhe dar o dote necessário, estão mergulhados em dívidas – e,
acima de tudo, estão muito ligados à filha. Neste período recebeu o sacramento
da Crisma, em Aleksandrów (1921). De modo especial a adolescente escuta com
atenção as homilias dominicais, repetindo-as durante a semana, e também a
leitura da Bíblia feita pelo seu pai, que mantém em casa uma pequena biblioteca.
Com
dificuldades Helena iniciou os seus estudos (1917). É obrigada a interrompê-los
a fim de poder trabalhar como empregada doméstica. Aos 14 anos disse à mãe: “Papai trabalha muito e eu não tenho com que me vestir aos
domingos; sou a mais mal-apresentada de todas as moças. Irei trabalhar para
ganhar alguma coisa”. O desejo de se
consagrar totalmente a Deus lhe acompanha, mas, ante as dificuldades, por um
tempo Helena desiste da idéia. Entrega-se, então, à “vaidade da vida”, aos
“passatempos”, como anos depois escreveria em seu Diário.
Deus,
porém, não volta atrás. Estando um dia num baile com sua irmã, uma visão de
Cristo Sofredor interpela a jovem Helena: “Até
quando hei de ter paciência contigo e até quando tu Me desiludirás?” (Diário, 9). Decide entrar no convento. Bateu em
várias portas até ser acolhida no dia 1º/08/1925 na clausura do convento da
Congregação das Irmãs de Nossa Senhora da Misericórdia, em Varsóvia. Foi
tentada a deixar essa comunidade várias vezes, mas Jesus lhe apareceu e
exortou: “Chamei-te para este e não para
outro lugar e preparei muitas graças para ti” (D. 19).
Revelações
Dentro
da Congregação Helena recebeu o hábito e o nome de Irmã Maria Faustina, em
1926. Dois anos depois faria a primeira profissão dos votos religiosos. Em sua
vida exterior nada deixava transparecer da sua profunda vida espiritual, que
haveria de incluir as graças extraordinárias da contemplação infusa, o
conhecimento da misericórdia divina, visões, aspirações, estigmas escondidos, o
dom da profecia e discernimento, e o raro dom dos esponsais místicos (D. 1056).
Com humildade exerceu as funções de cozinheira, jardineira e até de porteira.
Cumpria fielmente as regras de sua comunidade, em espírito de recolhimento mas
sem nenhum desequilíbrio, deixando ao mesmo tempo transparecer serenidade e
benevolência. Um sonho a movia – viver plenamente o mandamento do amor:
“Ó meu Jesus, Vós sabeis que desde os meus mais tenros anos eu
desejava tornar-me uma grande santa, isto é, desejava amar-Vos com um amor tão
grande com que até então nenhuma alma Vos tinha amado” (D. 1372).
O
Senhor a escolhe para uma missão especial. Depois de atravessar pela “noite
escura” das provações físicas, morais e espirituais, a partir de 22/02/1931, em
Plock,o próprio Senhor Jesus Cristo começa a se manifestar à Irmã Faustina de
um modo particular, revelando de um modo extraordinário a centralidade do
mistério da misericórdia divina para o mundo e a história– presente em todo o
agir divino, particularmente na Cruz Redentora de Cristo – e novas formas de
culto e apostolado em prol desta sua divina misericórdia. Descreve esta
primeira visão:
“Da túnica entreaberta sobre o peito saíam dois grandes raios,
um vermelho e outro pálido. (...) Logo depois, Jesus me disse: Pinta uma Imagem
de acordo com o modelo que estás vendo, com a inscrição: Jesus, eu confio em Vós” (D. 47).
Jesus
insistirá particularmente no seu desejo de instituir uma Festa em honra da
Divina Misericórdia para toda a Igreja, o que haveria de se cumprir somente a
partir do ano 2000. Todas estas vivências se encontram relatadas em seu famoso
Diário, escrito entre 1934-1938 sob a orientação dos Padres Miguel Sopocko e
Andrasz SJ, o primeiro deles beatificado a 28/09/2008.
Segundo
um dos mais famosos estudiosos do mesmo, Pe. Ignacy Rózycki, no Diário – e numa
das Cartas de Santa Faustina – encontramos, dentre outros, 83 revelações particulares
especiais sobre o mistério e o culto da Divina Misericórdia. Ao longo do Diário
descobrimos que Jesus a escolhe como secretária, apóstola, testemunha e
dispensadora da divina misericórdia(nn. 965; 1142; 400; 570). Já pode ser
considerado como um dos clássicos da espiritualidade católica, ao lado de
História de uma alma, A prática do amor a Jesus Cristo, Filotéia e outros.
Páscoa
Assim
como na vida de Santa Teresinha, Jesus pede também à Santa Faustina que se
ofereça como vítima pelos pecadores. É a graça de poder viver aquilo que diz o
Apóstolo: Completo em minha carne o que falta das tribulações de Cristo pelo
seu Corpo, que é a Igreja(Cl 1,24; cf. Flp 1,20; 2Cor 12,10). Na Quinta-feira
Santa de 1934, Jesus lhe revela o seu desejo que se entregue pela conversão dos
pecadores. A este desejo Irmã Faustina respondeu prontamente com um ato de
consagração no qual se oferece voluntariamente pelos pecadores. Desde essa
ocasião, os sofrimentos que oprimiriam a religiosa polonesa foram a prova de
que sua oferta fora aceita pelo Senhor.
Irmã
Faustina levava uma vida muito austera, já antes de entrar no convento. Não
perdia nenhuma oportunidade em oferecer suas penas pela conversão dos
pecadores. Nos últimos anos de sua breve vida aumentaram os seus tormentos
interiores e os padecimentos do organismo. Desenvolve-se uma tuberculose que
lhe atacou os pulmões e os intestinos. Muito fraca, é levada ao convento
Jósefów. Segundo um costume da comunidade, pede perdão às coirmãs pelas faltas
cometidas – e afirma que morreria treze dias depois. Ao Pe. Sopocko diz
(26/09): “Perdoe-me, padre, agora estou
ocupada no colóquio com o Pai Celeste. Aquilo que tinha para dizer, já disse”.
No dia
da sua morte ela recebe o viático do Pe. Andrasz. Pede mas logo recusa uma
injeção, dizendo: “Deus exige sacrifício”. Plenamente unida a Deus, na presença da irmã
Ligoria, erguendo os olhos para o céu, Irmã Faustina falece com fama de
santidade às 22h45min do dia 5/10/1938, com apenas 33 anos de vida. O seu corpo
foi depositado no cemitério do convento em Cracóvia-Lagiewniki.
A
situação na Europa se agravava. Hitler havia invadido a Áustria (11/03/1938). A
Polônia entra num período tempestuoso quando Berlim e Moscou dividiram o seu
território (22/09/1939). Irmã Faustina rezava pela Polônia. Em setembro de
1938, a jardineira irmã Klemensa foi visitá-la no hospital. Faustina estava
reduzida a pele e ossos. Klemensa lhe perguntou: “O senhor Jesus te disse se
haverá guerra?”. – “Haverá guerra”, respondeu ela. E depois acrescentou: “...A guerra durará muito tempo, haverá muitas desgraças.
Sofrimentos terríveis cairão sobre as pessoas” (in Bergadano, Elena, Faustina Kowalska. Mensageira da
Divina Misericórdia, Paulinas, S. Paulo, 2006,p. 81).
Há
inúmeros relatos de graças alcançadas por sua intercessão a partir da morte da
Ir. Faustina. Um deles se refere a um fato ocorrido durante a II Guerra,
assinado por Miquelina Niewiadomska em Varsóvia, ano de 1946:
“Como
mensageira do exército clandestino da Polônia, levava um dia um maço de jornais
e documentos importantes da imprensa subterrânea, num cesto vulgar, aberto, de
modo a não chamar a atenção. Numa paragem, o tranvia [transporte] foi abordado
pela polícia da Gestapo, que começou a inspecionar os passageiros. Antes que eu
desse conta, estava a meu lado. Apanhada de improviso, sabia que não tinha
maneira de escapar e deitei o cesto no chão. O que estava dentro caiu, com o
livrinho intitulado ‘Jesus, eu confio em Vós’ por cima de tudo. Um dos
policiais baixou-se para o apanhar e em voz baixa segredou-me: ‘E eu também
confio n’Ele’, e, voltando-se, permitiu que eu apanhasse os papéis” (in
Andrasz-Sopocko, A misericórdia de Deus. A única esperança da humanidade, 2ª
ed., Tipografia Porto Médico L.da, Porto, 1956, pp. 88s).
O
processo informativo para a canonização da Irmã Faustina se iniciou em 1965. O
Cardeal Karol Wojtyla o encerra com uma sessão solene no dia 20/09/1967. Anos
depois (1978) Karol Wojtyla se tornaria o Papa João Paulo II, e por suas mãos
Irmã Faustina seria beatificada (1993) e canonizada (2000), tornado-se assim a
primeira santa canonizada no III Milênio cristão. O milagre que permitiu a sua
canonização foi a cura do Pe. Romualdo P. Pytel que sofria de “estenose aórtica
predominante, calcificada e localizada na bicúspide, com insuficiência aórtica
associada, e descompensação cardíaca esquerda” (in Laria, Raffaele, Santa
Faustina e a Divina Misericórdia, Paulus, Apelação, 2004, p. 84). A data de sua
celebração litúrgica é o dia 5 de outubro, que marca seu nascimento para o céu.
“A Misericórdia é o maior atributo de Deus”
Santa Faustina Kowalska: rogai
por nós!
https://www.youtube.com/watch?v=QA2HjwctKbg
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